domingo, 17 de fevereiro de 2008

Dramas permanentes e difusos

Neste período de gravidez, as leituras sobre gestação, vida do bebê e relacionamento entre pais e filhos têm sido uma constante. Há uma unanimidade sobre a importância da relação entre pais e filhos logo nos primeiros momentos do bebê no mundo. Alguns textos são mais expressos quanto aos danos que as deficiências nessa relação podem causar. Certo dia, conversando com uma psicóloga comportamentalista, fiquei sabendo que um estudo realizado nos Estados Unidos, tendo como público condenados por crimes graves, recolhidos às penitenciárias, revelou que a esmagadora maioria deles cresceu sem pai. Eram, portanto, frutos de lares desagregados.
Quando lemos qualquer texto sobre criminosos seriais, se há uma abordagem etiológica, em todos os casos se faz a mesma afirmação: raros são os psicopatas que não sofreram um episódio de abuso (na maioria dos casos sexual) na infância.
Portanto, há gente demais - em variados setores do conhecimento, e gente séria, faça o favor de reconhecer - afirmando a mesma coisa e não é de hoje: os vínculos que construímos com um ser humano recém chegado ao mundo são essenciais para que ele se torne um cidadão saudável e bem enquadrado no contexto social em que se insere. E não tem essa de fazer o que quase todo mundo faz: dizer que, em se tratando de um bebê, ele não entende nada e, por conta disso, limitar a interação com ele àquelas gracinhas por vezes ridículas, prescindindo de comportamentos estimuladores. Uma amiga levava o seu filho de meses para escutar o canto dos passarinhos. Os vizinhos ironizavam seu gesto. Mas, agora, a criança tem um ano e meio e está fazendo musicalização, apresentando um desempenho excelente. A professora reconhece que os estímulos sonoros precoces ajudaram a criança a ficar mais atenta aos comandos que ela oferece.
Estudos recentes, realizados na Europa, apontam que, ao contrário do que se pensava, os bebês possuem uma memória mais refinada da vida intrauterina - e episódios ocorridos nessa fase podem marcá-los para sempre.
Exagero? Sandice? Conversa fiada de psicólogo? Decerto não faltarão pessoas a encarar dessa forma. Eu, que sou propenso a acreditar na ciência quando ela se me afigura séria, encampo as idéias aqui sintetizadas. Na pior das hipóteses, se forem excessivas - erradas não estão, evidentemente - mal não farão a ninguém. Pelo contrário.
Daí resulta que adultos plenamente conscientes de seus atos podem abusar de uma criança, produzindo nela marcas que definirão o seu caráter, podendo levá-la a se tornar, também, um adulto abusador. E em massa. Este círculo dramaticamente vicioso já foi percebido pelo cinema, pelos seriados de TV, pela literatura. Muita gente acaba sofrendo porque, um dia no passado, uma só pessoa praticou um ato que definiu dramas futuros.
Contra isso precisamos lutar.

2 comentários:

Carlos Barretto  disse...

Mesmo se desconsiderarmos o que a ciência proclama (e muitas vezes retifica seus próprios conselhos do momento), existem depoimentos que podem confirmar suas preocupações, Yúdice.
Muito embora, depoimentos estejam longe satisfazer as exigências científicas, até por advirem do chamado "senso comum", permita-me dar-lhe o meu.
Meu filho mais velho, o primogênito, alvo das angústias, ansiedades e inexperiência de seus assustados pais, parece que percebeu desde o início nossa insegurança. Mamava quase que de 2 em 2 horas, acordava para brincar em plena madrugada e chorava mais.
Já o segundo, parece ter usufruído de nosso aprendizado.
Dava a última mamada por volta de meia-noite, dormia direto até por volta de 6 da manhã (dando um bom descanso pra gente) e chorava muito pouco.
Se isso é mera coincidência ou se atende aquilo que a ciência postula, não sei lhe dizer.
Em termos de ciência, agora fortemente baseada em evidências, o que posso lhe afirmar é que em certos cenários de provação científica, é muito difícil isolar as ditas "evidências", prova incontestável da validação da hipótese formulada.
Principalmente pela dificuldade em ter um grupo de teste, sobre o qual não se utilizaria o conjunto de benefícios a serem provados na comprovação da hipótese. O chamado "Grupo Controle". Muitas vezes é inadmissível criar o grupo controle seja por razões éticas ou mesmo humanitárias.
Daí porque, tenhamos mesmo que ter alguns cuidados na análise de trabalhos científicos.
Mas, pelo sim pelo não, prefiro fazer que nem você. Resguardados os exageros, melhor é manter bom relacionamento com o embrião, feto, bebê, etc.
Afinal, não deve ser tão difícil assim.

Abs

Yúdice Andrade disse...

Curiosamente, Bar, este parece ser um assunto em que o senso comum sugere uma conclusão que seria confirmada por métodos científicos, caso alguém realizasse mesmo uma pesquisa com esses fins. As que conheço foram feitas com entrevistas aos presos, o que não dá 100% de garantia, mas que não pode ser simplesmente desprezada.
O fato é que crianças precisam de carinho e orientação. Fornecer-lhes isso é o papel dos adultos. Para mim, isso é uma questão fechada. E fazemos isso não para prevenir o surgimento de criminosos, mas porque é o certo.