domingo, 4 de maio de 2008

Aimé Césaire

Aimé Césaire em janeiro/2007 (foto: agência Reuters)

Em 17 de abril deste ano, a Martinica, departamento ultramarino francês no Caribe, perdeu o poeta Aimé Césaire.

Césaire era considerado, em sua terra natal, um herói. A população martinicana, originada principalmente do tráfico de escravos, tinha-no à conta de um Mahatma Ghandi ou um Nelson Mandela local. Fundador, juntamente com o senegalês Léopold Sédar Senghor, o guianense Léon-Gontran Damas e outros jovens literatos de possessões francesas, do movimento Negritude, de apoio ao desenvolvimento da identidade negra, foi, durante 50 anos, o político e intelectual mais importante da ilha.

Em suas obras, Césaire aprofundou o debate sobre as dificuldades da França em integrar seus cidadãos de diferentes origens na cultura local, sem sufocar sua identidade própria. A discussão permanece atualíssima, dado o notório estranhamento que os cidadãos franceses de origem africana e palestina ainda hoje enfrentam na metrópole - como, de resto, em outros países da Europa, como a Inglaterra.

As exéquias de Aimé Césaire foram realizadas durante vários dias. Nicolas Sarkozy, presidente francês, deslocou-se até a Martinica para homenagear o poeta. A população local acorreu em multidão a seu velório, realizado em um estádio de Fort-de-France, a capital martinicana. Césaire foi enterrado com honras de Estado, anteriormente só conferidas a escritores do quilate de Paul Valéry, Victor Hugo e Colette.

Em seu livro mais famoso, Cahier d'un Retour au Pays Natal ("Caderno de um retorno ao país natal", sem tradução em português), Césaire afirma a identidade de sua raça de um modo lírico, mas firme e decidido:

Os que não inventaram nem a pólvora nem a bússola
Os que nunca souberam domar o vapor nem a electricidade
Os que não exploraram os mares nem o céu
mas sabem nos seus menores recantos o país do sofrimento
Os que só conheceram das viagens o desenraízamento
Os que se amansaram com genuflexões
Os que se domesticaram e cristianizaram
Os que se inocularam de degeneração

Mas aqueles sem os quais a terra não seria mais terra
gibosidade tanto mais benéfica
que
a terra deserta
Minha negritude não é uma pedra,surdez
arremessada contra o clamor do dia
Minha negritude não é uma mancha de água morta
sobre o olho morto da terra
Minha negritude não é uma torre ou uma catedral
Ela mergulha na carne vermelha do solo
Ela mergulha na carne ardente do céu
Ela rompe o desânimo opaco com a sua justa paciência.


Aimé Césaire mereceu em vida o respeito mundial, por sua luta em favor dos povos colonizados. Continuará merecendo o respeito, após a morte, por sua obra. Ao mundo, também, cabe respeitar o luto dos martinicanos por seu poeta maior.

2 comentários:

Itajaí disse...

Belíssimo poema e, não menos, a tradução.

Francisco Rocha Junior disse...

Ambos são belíssimos, realmente, Oliver. A tradução, encontrei-a na net.
A morte de Césaire foi destaque em todos os noticiosos franceses, nas últimas duas semanas. Prova eloqüente de sua importância.