sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Colarinho sujo

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas pode pôr fim à imagem de que o Judiciário brasileiro não pune crimes cometidos pela elite financeira do país. As professoras Maíra Rocha Machado e Marta Rodriguez de Assis Machado, ambas Doutoras em Direito pela USP e professoras da faculdade de Direito da FGV, coordenaram um estudo chamado “A aplicação da Lei 7.492/86 nos Tribunais Regionais Federais e no Superior Tribunal de Justiça” e concluíram que nos processos judiciais que analisam os chamados crimes do colarinho branco, previstos e apenados de acordo com a lei referida, as condenações são predominantes.

A pesquisa abrangeu 251 acórdãos proferidos pelos cinco Tribunais Regionais Federais do país e 129 prolatados pelo STJ. No Superior Tribunal de Justiça, ficou constatado que 94,4% dos acórdãos condenaram os réus por crimes de colarinho branco. Nos TRFs, o índice de condenação alcança a percentagem de 72,2%.

O grande problema está na transformação das condenações em prisão. O esforço demonstrado dos tribunais em condenar os acusados não resulta sempre em encarceramento. Na maioria dos casos – mais de 50% dos processos investigados – a condenação em penas privativas de liberdade é substituída por restritivas de direitos (como prestação de serviços à comunidade ou conversão em multa).

A conversão ocorre em razão do fato de que as penas aplicadas, em grande parte, não ultrapassam quatro anos de reclusão e os crimes não foram cometidos com uso de violência ou ameaça. No entender das coordenadoras da pesquisa, a sensação de impunidade da opinião pública em relação aos crimes de colarinho branco é equivocada, já que o Judiciário, de acordo com as conclusões do estudo, pune tais delitos. Ainda segundo as professoras da FGV, a população ainda não percebe que a persecução penal nem sempre se conclui com a aplicação de penas restritivas de liberdade, e que o Direito Penal também pune o crime através de penas alternativas à prisão.

A grande falha, conclui a pesquisa, está em complementar a punição criminal com o ressarcimento aos cofres públicos dos valores abiscoitados pelos corruptos. É por isso que, do ponto de vista financeiro, o crime ainda compensa para quem nele se aventura.

2 comentários:

Yúdice Andrade disse...

O argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, um dos maiores expoentes do Direito Penal hoje, explica que o sistema de justiça criminal é feito para atingir os setores sociais adrede crimininalizáveis, escolhidos por estereotipização e estigmatização (desculpem os palavrões, mas são termos técnicos e acredito que acessíveis). Eventualmente, diz ele, membros das elites sociais, por praticarem condutas mais escandalosas, acabam sendo alcançados pelo sistema, que os persegue para dar a falsa impressão de que é imparcial e de que "todos são iguais perante a lei". É uma farsa de dar os anéis para conservar os dedos.
A condenação de fachada, com tratamento privilegiado para esse tipo de criminoso, normalmente contumaz, longe de negar essa teoria, apenas a confirma. O problema, portanto, é de eficácia da norma.
Tanto o Direito Penal não funciona contra esse tipo de criminalidade que ele não pára de crescer. Mas, para esses, não se pedem leis mais duras. Por que será?

Francisco Rocha Junior disse...

Yúdice,
Se o problema é de eficácia da norma, então não é de cunho judiciário, mas de política legislativa - se entendi bem teu ponto de vista.
Sob este prisma, a conclusão da pesquisa da FGV está correta, não? A questão será endurecer as leis sobre crimes de colarinho branco? Mas se isto não vale para os crimes ditos comuns (e nisto acho que estamos de acordo), solucionará os crimes financeiros e tributários?