segunda-feira, 12 de outubro de 2009

CULTO AO ESPÍRITO DO MAR


Imagem: Justheway

"E, de repente, enquanto a onda enorme ergue-se... surge a cabeça escura de um homem. Rápido, ele se ergue sobre o branco espumante da crista... onde segundos antes havia apenas uma parede de água gigantesca e um terrificante troar está um homem, ereto, em toda sua altura; ele não se debate freneticamente naquela situação selvagem, não é sepultado e esmagado pelo monstro poderoso, mas, sim, se mantém de pé em cima dele, calmo, soberbo, firme sobre o vertiginoso ápice, os pés ocultos pela espuma que começa a se formar, a névoa salgada subindo-lhe até os joelhos e todo o resto dele livre no ar, brilhando ao sol, voando rápido como a onda que o transporta. Ele é um Mercúrio - um Mercúrio moreno. Seus tornozelos são alados e neles há a rapidez do mar".

JACK LONDON; "A Travessia do Snark", ed. Best Seller, tradução de Thereza Monteiro Deutsch.

11 comentários:

Lafayette disse...

Pô, Scylla, lembrei de uma coisa que já escrevi num dos meus blogs antigos que já se foram (sim, antigamente, cometi o pegado mortal de "apagar" meus blogs - se bem que um deles foi a AOL, ou a BOL(?), que fez a merda). No meu atual, que espero nunca apagar, acho que um dia falo de novo sobre.

Mas, vai aqui o que me fez lembrar esta postagem: O DIA EM QUE ENTUBEI PELA PRIMEIRA VEZ, EM PÉ!

Comecei a surfar em 83. Eramos poucos aqui em Belém. Era uma época difícil pra tudo, da prancha à parafina, do estrepe à camisa de lycra. A gente tinha que trazer de Fortaleza ou do Rio.

Era uma época, também, de muito preconceito: maconheiro e desocupado era como uma "marca pré-registrada". A dificuldade era, até, pra se conseguir namorada - por incrível que possa parecer na mente dos outros.

Quantas vezes comecei um "lance" na pracinha ou barraquinha, e O PAI da péquena "terminou" no Atalaia, quando me viu com uma prancha debaixo do braço? Algumas meia dúzia de trê ou quatro!

Hoje - aliás, já tem tempo - é "in", é "da moda".

Mas, "o dia" foi lá na prainha, uma praia lá pro final do Recreio dos Bandeirantes, na Barra, no Rio.

86. A prainha ainda era erma. Quase na verdade. Magrinho. Leve. Pranchinha bi-quilha, lightbolt. L5-S1 ainda no lugar... ;-)

Remei. Onda de 2 metros. Lisa. Quase transparente. A minha esquerda é "de frente". Dropei. E, automaticamente - sem querer mesmo - encachei!

O lip se "abriu" e depois girou por cima. Abaixei um pouco. Puxei o ar e prendi, como se estivesse meergulhando. Soltei.

O som dentro era como aquele "som" de concha no ouvido. Vummmmm...!

5, 6, 8 segundos no máximo! É muita coisa! Não consegui sair... nem tentei!

Lembro, até hoje, que cai rindo. Rebolando e pegando pancada, mas rindo. Sensação indiscritível!

Sai e sentei na areia. Fiquei mundiando (os meus primos cariocas não souberam o que era isto - é só pra gente este tipo de "estado de espírito"!).

Em 88. No convênio. O professor de redação no Moderno era o escritor João Carlos Pereira. Fiz, numa das provas, um texto sobre isto. O tema era: ACONTECEU COMIGO.

Obrigado, Scylla pela lembrança boa no Dia das Crianças.

Anônimo disse...

Caros amigos , morei anos em Fortaleza e no Rio e sou de uma época em que pranchas eram raridade pois ainda começavam mas dou minhas cacetadas até hj no "jacaré" (já fui 3° lugar num campeonatinho amador no posto 9 , minha maior glória) , costumo dizer que macho mas macho mesmo não são estes pitbulls do jiujitsu (nada contra o esporte ) useiros e vezeiros em arrumar baderna em boates e adjacências , macho pra mim é um big rider , pra estes tiro humildademente meu chapéu.
Abs
Tadeu

Scylla Lage Neto disse...

Lafayette, eu nunca pratiquei o surfe, nem mesmo quando adolescente e morrerei com esta frustração.
Mas acredito carregar um pouco do espírito do mar comigo!
Abs.

Scylla Lage Neto disse...

Tadeu, eu acredito que macho que é macho se rende à força do mar. Sweet surrender!
Um abraço.

Lafayette disse...

continuando...

Remei, mano velho. Remei como nunca, jamais, havia remado. Os caras passaram por mim como se estivesse com o freio-de-mão puxado. E eu remando desesperadamente.

Eles conseguiram passar... eu sifu!

A onda, com a face já cavada e absurdamente enorme, veio gelada. O lip se projetou pra frente, bem pra frente, como um toldo tamanho-família. Remei e fui subindo a parede, com este toldo me protegendo do sol (rá! Eu parecia Dienekes, ao saber que as flexas dos Persas eram tantas que cobriam a luz do sol: "Então lutaremos na sombra!"). Que nada, estava quase chorando!

Rodei o lip do tubo (este é o pior jeito de um caldo). Lá de cima, cai no buraco. A prancha foi pro lado e eu pro outro. O estrepe (cordinha) arrebentou. Bati com os costados no fundo. Segurei a respiração que me restava. Rodei, rodei, rodei. Fiquei de ponta-a-cabeça, de lado, de frente, de peito, de dorso, de tudo quanto é forma.

Bati novamente, várias vezes, com as costas no chão. Não tinha mais ar nos pulmões. Lembro de ter ficado chateado por ter morrido assim, daquela maneira, besta.

Mas, de repente, um repuxo me jogou pra cima, pra superfície! Puxei o ar.

No Rio, a rapaziada chama de "sonrisal". É quando uma onda enorme quebra, e, depois, fica uma espuma branca, "fervilhando", chchhhhhh. Buiei neste meio. No meio do maior sonrisal do mundo! :):):):):)

Dor nas costas. Respirei. Veio outra e me pegou. Menor, "só" uns 4 metros (rsrs), jogou-me pra beira. A minha sorte (disse-me um guarda-vidas depois) é que a ressaca tinha escavado a praia, como que "terraplanado", assim, uma ribanceira que tem naquelas praias do Rio não estava presente, pois, caso contrário, ela faz "um retorno", e teria me jogado de volta pro inferno.

Uns guardas-vidas me agarraram. Um ficou gritando no meu ouvido, perguntando: "Tu é doido, mané?!"

Meu irmão conta que, quando viu a MONTANHA, levantou e começou a gritar pra eu sair. Nesta hora, um guarda-vida passou e disse para ele correr, pois a arrebentação daquela onda iria "varrer" a praia, até o calçadão. Meu irmão disse que não ia sair. Apontou pra mim na água e disse que era meu irmão. Pediu pro guarda-vidas me pegar.

O porra do salva-vidas disse: "Não sou maluco!" :):):):):):):)

Meu irmão disse que onda veio, eu sumi na parede. A arrebentação saiu levando tudo na areia, bateu no calcadão e molhou a avenida!

Eu, já sentado, e botando água pelo náriz, boca, ouvido etc, etc, fiquei pegando mijada do salva-vidas. Quando falamos que éramos de Belém então, aí que o filha da mãe me chamava de paraíba, mané e tals.

Virei pra ele, e disse: ORA PORRA, ENTROU UM MENINA NA ÁGUA, NA MINHA FRENTE. NÃO VOU PERDER PRA UMA MENINA!!!

O salva-vidas olhou assim pra mim... falou: "Um menina de body?". "Aquela ali?", apontou mas à esquerda, lá na frente, a porra da menina ainda estava na água.

Falei: -É, aquela mesma!

-É a Glenda, campeã brasileira, e, ano passado, campeã MUNDIAL (gritou no meu ouvido) de bodyboarding!!! :):):):):):):):):):):)

(na verdade, estes salva-vidas eram todos "brodés" da gente, de tando que a gente estava na praia e na água com eles - inclusive alguns surfavam).

Putz, era só a Glenda Kozlowski, que foi 5 vezes campeã brasileira, e QUATRO vezes mundial !!!

O salva-vidas ainda falou assim: "Ô mané, isso tá merreca pra ela." :):):):):):):):)

É, Tadeu e Scylla, o mar impõe a sua força, e a Glenda, também!!!

Ps.: Depois o barbudo saiu da água, foi onde estava sentado, e falou, "bródi, tu é muito maluco". :):):):)

Ps.: do ps.: A Glenda passou rindo pela gente. ;)

Lafayette disse...

Scylla, se o amigo tem o espírito do mar nas veias, então já estas surfando.

Quanto a se render às forças do mar que falas, mais o Tadeu, tem historinha também.

Lá tôu eu. "Rio 40 graus, cidade maravilha da beleza e do caos" (nem era 40 graus pois era Julho). 1988. 18 anos. Pura raça!

Três dias depois de uma ressaca, que lavou o litoral, vou pegar onda, com um irmão, no Leblon. Vento frio pacas.

O mar ainda estava ressaqueado. As ondas enormes. Cavalares. Caixotões!

Sentamos na areia e ficamos só titiando. 5 caras surfando. Só 5 caras surfando! O resto, como nós, sentados na areia.

Eis que passa, do nosso lado, uma menina, andando "discosta". Pé de pato e prancha de body board no braço.

Pô, olhei pro meu irmão. Ela entrou n'água. Falei

-Ah mano, a gente tá aqui, milhões de quilômetros de casa. Rolando altas ondas, amarelando, e vem um menina e entra no mar?!?! Eu vou!

Meu irmão ainda falou, "se ela quer morrer, beleza, eu não. Não vai cara." Fui.

Contei a sequência e entrei entre as menores (uns 3 metrinhos as menores!). Peguei umas cacetadas, mas a verdade é que, "furar" a arrebentação não é tão difícil lá pra baixo. Roça é passar arrebentação de 40, 60 metros como é aqui no Atalaia em dia de mar agitado (tem que ter fôlego!).

Fiquei de bubuia, bem lá fora, só no balanço das vagas passando. Olhei pro lado, uns 15 metros, tinha um surfista barbudo. Velha guarda. Ele me olhou como se tivesse vendo um ET. Se afastou. Procurei a menina do "mori bugui".

Ela estava à minha esquerda, uns 20 metros. Ela remou e desceu uma enorme (só a vaga dela me fez subir alto pacas). Olhei por trás da onda. Só vi ela passando voando, dando um aéreo e saindo mais lá na frente, por sobre a onda. Pensei: "Me fudi!" :):):):):):):) Fechou a saída. Não passava nem pensamento! :):):):)

Uns 15 minutos e o mar subiu mais um pouco. Fui mais pra dentro. O barbudo não estava mais por lá. Os outros estavam mais pra minha direita, uns 20 metros atrás. Não via mais a pequena. E o mar subindo. Queria sair, mas "as menores" estavam "as maiores ondas que já tinha visto, pessoalmente, na vida!!!" :):):):):)

De repente, olhei pra galera de trás e vi eles remando pra minha direção feito loucos. Olhei pra frente. Vi uma PAREDE, UM MURO, UMA MURALHA entrando por trás da ponta de pedras do Leblon. COLOSSAL !!! (a foto desta onda saiu na revista Fluir, em preto e branco, tirada por um fotógrafo amador, como a maior onda fotografada naquele inverno!!! E o leso lá!!! réréréré).

...continua

Anônimo disse...

Scylla , o primeiro passo pra dominar o mar ou uma onda é ter um imenso respeito por ele , portanto estás encaixado , pra ficar na gíria.
Abraços
Tadeu

Scylla Lage Neto disse...

Tadeu, encaixei e aprendi uma palavra do dialeto "surfês". Há dicionário específico ou algo do gênero?
Abs.

Scylla Lage Neto disse...

Lafayette, adorei a narrativa meio Hemingway, meio Jack London, com uma pitada de Homero - deu pra viver e reviver a cena.
Valeu!
Abs.

Lafayette disse...

rárárárá

Tá, sei, o amigo quis dizer que foi quase um suicídio! réréréré

Anônimo disse...

Porra Laffa , manda o final estou roendo as unhas
Abs
Tadeu