Fiquei extremamente irritado, na semana que passou, com a nova bandeira levantada pela Igreja de Roma: as críticas que ela tem recebido, ultimamente, por conta dos casos de pedofilia praticados por membros do clero, devem ser equiparados ao antissemitismo.
Liguem aí o cinismômetro.
A origem histórica do antissemitismo remonta à Bíblia e representa uma aversão aos semitas, descendentes de Sem, filho de Noé. Abrange um conjunto de povos, mas sempre foi compreendida como uma aversão especificamente aos judeus. Isto porque o vocábulo Antisemitismus foi cunhado no século XIX, na Alemanha, já com essa significação. Atribui-se ao jornalista Wilhelm Marr o seu uso pioneiro, em 1873, para substituir o termo Judenhass ("ódio aos judeus"), que não seria "científico", numa época em que o positivismo científico grassava no mundo.
E foi na Alemanha que esse sentimento, essa ideologia e essa prática chegou a níveis inacreditáveis, durante a 2ª Guerra Mundial. Assim como ocorre com a tortura durante a ditadura militar brasileira, somente os canalhas negam a existência do Holocausto. Em alguns países, essa negação constitui crime (ouvi dizer que um projeto de lei com essa finalidade teria sido proposto aqui no Brasil).
Não se pode admitir que a Igreja Católica desconheça o sentido da palavra antissemitismo. Joseph Ratzinger é alemão e seu antecessor, que exerceu o papado por mais de duas décadas, era polonês. A Polônia foi um dos países mais prejudicados pelo nazismo. Some-se a isso o fato de que os líderes da Igreja são sempre homens letrados, extremamente cultos, que nesses dois casos tiveram vivências pessoais importantes durante a guerra. De tudo isso resulta que considerar a Igreja uma vítima de perseguição, de uma campanha difamatória, uma vítima quase indefesa, é renunciar ao bom senso e à honestidade histórica. Eu diria, é apelar para a incivilidade. Contudo, até eu estou recebendo, em minha caixa de e-mails, daqueles emitentes que adoram encaminhar textos, entrevistas concedidas no Brasil para defender essa ideia ridícula. Os entrevistados ocupam altas posições, dentro da Igreja, é claro.
A Igreja está, isto sim, colhendo os frutos da mudança do mundo. Ela não é mais um poder inquestionável. Aliás, faz tempo que não é, mas ainda não se convenceu disso e luta para demonstrar o contrário. Aferrada a seus dogmas, vive o desafio de mostrar que seus sacerdotes são representantes de Deus na Terra e que o papa que os protege é infalível. Mas faz isso num mundo em que se avolumam as condenações criminais contra padres e onde é cada vez mais impossível esconder o que está evidente. Esconder, inclusive, a omissão institucional voluntária, que transfere os criminosos de paróquia, mas não lhes dá nenhuma punição e faz de tudo para que os casos caiam no mais profundo esquecimento.
Mas as vítimas não esquecem. E a sociedade, pouco a pouco, não fecha mais os olhos.
7 comentários:
Ah, meu caro e admirado Yúdice,
Essas questões religiosas me assustam e assustam muito.
É incrível que as pessoas não percebam que padres são pessoas comuns; não seres especiais com domínio total de suas funções fisiológicas.
Todo ser precisa fazer sexo, não dá para viver sem sexo.
Aí, alguns desses padres, seres abjetos, escondem-se atrás de uma batina e abusam das crianças.
Não é a igreja que tem que resolver essas quetões, não.
É a justiça.
Cadeia para esses padres.
Yúdice, antes de mais nada, preciso falar contigo, meio urgente - por favor me liga, no 3210-3354.
Agora vamos ao comentário - conheces o Reductio ad Hitlerum? É uma falácia lógica que dispõe: "Se Hitler (ou os nazistas) apoiaram X, então X deve ser perverso/indesejável/ruim"
Ou seja - ser antissemita significa, grosso modo, ser nazista. Assim, aqueles que são antissemitas com a Igreja são ruins como os nazistas. Isso é um desdobramento da Lei de Godwin, que dispõe que se uma discussão se prolonga no tempo, maiores são as chances de surgir uma comparação com os nazistas! Em regra a utilização da Lei de Godwin significa que alguém (geralmente quem a usou) ficou sem argumentos.
Finalizando - a forma mais fácil de calar seus críticos seria comparando-os aos nazistas, pois os nazistas são ruins, e isso pode significar uma falta de argumentos de quem está sendo criticado.
P.s.: por coincidência, estou estudando isso para postar no Domisteco, daí surge o amplo conhecimento. hahaha
São uns canalhas...
...e canalhice não tem preconceito, dá em padre, em pastor, em juiz, em advogado, em gari, em madre, em deputado, em vereador, em porteiro...
Cadei para esses padres (2).
*Olha a 'verificação de palavras' que apareceu: SATANT
Eu, heim, pra'lá !
Prezado Yudice,
A declaração do padre foi realmente infeliz, não há dúvida que a pedofilia, quanto mais praticada por quem tem algum dever de garantia física, moral ou espiritual tanto mais deve ser reprovável.
Mas o Papa já não teria inclusive reconhecido os abusos e pedido desculpas? Isso não foi em março? O próprio bispo espanhol também não se desculpou de sua colocação pedindo desculpas inclusive aos judeus?
Nâo sei como se chama em alemão, mas a lei contra revisionimo que há na Alemanha não faria o menor sentido aqui no Brasil. Condições históricas próprias do passado alemão justificam-na, e no Brasil?
Nosso sistema penal já possui instrumentos para combater o racismo seja ele religioso, sexual e etc... Inclusive em 2003 tivemos o célebre julgamento do Habeas Corpus 82,424/RS no STF onde o livreiro gaucho Siegfried Ellwanger tentou se livrar das acusações de racismo (anti-semitismo) base no princípio da liberdade de opinião.
O sionismo do séc.XX foi demasiadamente vitorioso. Não por Israel consegir proteger relativamente bem sua população, e criar laços diplomáticos com os países que de fato conduzem a política externa internacional.
Foram exitosos, sobretudo, no campo ideológico porque hoje são capazes de cooptar milhões de comuns que nem judias são a manifestar indignação as doutrinas e atitudes anti-semitistas como o nazismo.
Até mesmo nós, descendentes do maior genecídio documentado que se tem notícia na história da humanidade. No séc. XVI, o resultado do "encontro" entre o homem europeu, cristão e civilizado com as civilizações latinas foram 70.000 milhões de mortos, segundo dados de vários historiadores como, por exemplo, Tzvetan Todorov.
O problema, Ana, é que segundo a Igreja os padres não são pessoas comuns, e sim especiais por natureza e, por isso mesmo, escolhidos por Deus para representá-lo. Assim afirmando, induzem os fieis a crer em algo que viola o bom senso e a natureza humana - o que explica, em boa medida, o chamado "temor reverencial", que leva muitas vítimas a não delatar seus agressores.
Fernando, obrigado por me apresentar a essa falácia. É bom dar ares técnicos à argumentação. Aguardarei a tua postagem.
Com a diferença, Lafayette, que o porteiro não tem nem de longe poder de cooptação. E se conseguir uma vítima, terá sorte se escapar do linchamento.
Nilson, sou extremamente crítico aos vazios pedidos de desculpas da Igreja. Se o assassino do teu pai te pedisse perdão, faria alguma diferença? Mesmo que fosse sincero? E eu nem acredito na sinceridade da Igreja. Se ela quisesse mesmo ser honesta, não minimizaria os fatos. Ao contrário, faria um mea culpa amplo, irrestrito e incondicional. Aí sim eu a levaria a sério.
Galileu foi "reabilitado" (como se ele precisasse) mais de 500 anos depois. E daí? A Igreja continua se esforçando contra o progresso da ciência, mesmo em relação a pesquisas que trariam benefícios à humanidade, como no caso notório das células-tronco embrionárias.
No caso dos judeus, eu gostaria de ver a Igreja admitir que foi conivente, por omissão, com os nazistas. Já fizeram isso? Jamais! Existe inclusive um livro sobre esse assunto: "O papa de Hitler", de John Cornwell, uma biografia de Pio XII.
Quanto a não estarmos nas mesmas condições históricas e sociais da Europa, de modo a não se justificar o projeto de lei mencionado, concordo contigo.
Peço desculpas ao Nilson e ao outro comentarista mas, por acidente, ao invés de clicar no botão "aceitar", cliquei em "recusar" e despachei os dois comentários que me deixaram. Perdão, mas foi acidental. Se fizerem a gentileza de escrever de novo, terei satisfação em publicá-los.
Prezado Yudice,
Sem problemas, queria só corrigir, 70 milhões e não 70.000 milhões, a fonte é A Conquista da América, a questão do outro. Tzvetan Todorov, Martins Fontes, SP, 2005, pg. 191.
Abs,
Nilson
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