domingo, 2 de maio de 2010

Os Gregos Recebem Seu Cavalo de Tróia

A moeda é a síntese das relações sociais
(Karl Marx)

Parte da crise que a Grécia sofre hoje resulta da conjugação de pelo menos três fatores relacionados ao mecanismo que a asfixia: 1) não possui moeda nacional porque adotou o Euro; 2) o sistema bancário do país foi pulverizado para se tornar transnacional e) a Comunidade Européia não possui um orgão ágil para socorrer seus estados membros em crises econômicas, embora Alemanha e França atuem como um FMI sob a inspiração de Frederico, o Grande e Napoleão Bonaparte.
É neste cenário pouco equânime para pretensões federativas, que Alemanha e França tratam os demais países como fossem satélites ou estados-membros de segunda classe, como tal qual alguns deles foram tratados pela extinta URSS. Esse paradoxo está exemplificado na pressão insuportável que os alemães fazem para que os gregos engulam as amarguíssimas pílulas neoliberais, panacéias que prometem curar desde que o país fique estagnado por no mínimo 15 anos.
Nós, brasileiros, sabemos qual o custo moral, político e econômico disto, especialmente porque a fila anda e rápido para Wall Steet e os centros financeiros de Londres e Frankfurt. Remédio cavalar, as receitas de ajuste fiscal desimportam do conteúdo humano da sociedade, simplesmente porque, conforme concluiu Foucault, para a ideologia neoliberal a supremacia ordenadora do tecido social é o mercado e seus agentes, que, uma vez expostos ao perigo, ainda que derivado de tal sistema de pensamento, deverão ser protegidos a todo e qualquer custo com a canalização das energias vivas da sociedade - o emprego, a renda, a auto-determinação, o patrimônio público, os direitos sociais - para alimentar a fornalha até que fiquem mínimos; reduzindo-os para quem precisa de mais, a favor daqueles que precisam de menos.
O credo neoliberal defende que equidade é considerar que todos possuem chances iguais na vida social. Desnecessário refletir aqui o quão amoral é defender esse tipo de princípio em sociedades desiguais. Pobre em casa onde mandam ricos, a Grécia irá capitular frente a esta reformada versão do franco-germanismo, que por várias vezes já ensanguentou o solo europeu e levou tanta infelicidade aos povos do mundo. Para alguns especialistas no assunto, depois da crise grega chegará a vez dos remediados Portugal, Irlanda e Espanha - os PIGS, como pejorativamente se referem os jornais ingleses a essas economias. Vamos torcer que não; que o respeito entre europeus seja resgatado, para que o encouraçado União Européia navegue livre de sérios riscos nesses mares de intranquilidade econômica.

2 comentários:

Edvan Feitosa Coutinho disse...

Itajaí, não tenho base de conhecimento econômico suficiente para fazer uma análise como a sua, porém, no cá no meu parco conhecimento, concordo
com você, principalmente no que se refere à dobradinha França-Alemanha, e acrescentaria, Grã-Bretanha, sempre agindo nos bastidores, mas sempre para
garantir a supremacia político-financeira da City. Porém, lembro um outro lado dessa crise: outro dia, concordei inteiramente com a opinião de um cidadão comum,
que vi numa TV belgo-flamenga, durante uma enquete sobre a crise na Grécia (e nas futuras Grécias que seriam Portugal e Espanha).
O entrevistado disse que, durante anos, ia quase todos os verões à Grécia. Nunca, em anos, recebeu uma nota fiscal num restaurante.
Se pedia, era até mal tratado. E concluiu: "E agora, nós, mais uma vez, vamos pagar pela péssima administração pública grega, pelos hábitos dos gregos de sonegar imposto, e depois vamos pagar
pelos demais países que têm esse tipo de costume? Viva a Europa!"
Para mim, isso resume toda a situação. A questão grega é, em boa parte, ligada à práticas cotidianas
que refletem uma mentalidade geral, não só na Grécia, mas em muitas outras paragens ao sul e ao norte do Equador. Eu, pequeno comerciante ou grande
industrial, escondo meus lucros debaixo da mesa, e depois culpo o governo pelas crises econômicas.
Eu, cidadão, não tenho nenhuma crise de consciência ao fazer "pequenas arranjos", mas
grito quando sou atingido pelas consequências da macro-economia que nada mais são do que resultado de "tantas coisinhas miúdas" praticadas
cotidianamente por mim e por outros milhões de cidadãos.
Vivo num país europeu onde a carga de tributos sobre o salário é das mais altas. Dói-me pensar que boa parte disso vai agora financiar a Grécia, depois Portugal, Espanha...

Itajaí disse...

Edvan, você expôs o problema de forma muito clara, na perspectiva dolorosa e cotidiana do cidadão. Ocorre que o problema da Grécia se arrasta há 12 anos. Por isso eu digo que o problema está em que a UE precisa de um orgão ágil que supervisione de modo eficiente o desempenho da economia de seus estados-membros.
Ora,se contarmos desde quando a crise veio pra valer, neste primeiro semestre, as autoridades monetárias da UE levaram meses para enfim decidir seguir enfim o modelão FMI, enquanto a Grécia dia a dia se aproximava claramente da bancarrota.
Toda a imprensa européia anunciou a crônica dessa morte anunciada, mas foi preciso que a quase defunta Grécia num abraço de afogado ameaçasse a estabilidade do euro para que as coisas começassem a andar.
Esse processo denuncia um grave problema de equilíbrio político e de falta de consenso entre as autoridades para tomada de decisão. É, portanto, uma questão de gestão na prevenção e no controle de crise.
Quanto ao fato de que o pagador da conta é o cidadão da UE não tenho a menor dúvida. Mas de todas a mais amarga caberá ao cidadão grego.