Em 18 de agosto do ano passado, publiquei uma postagem afirmando que, a despeito de toda a minha admiração por sua pessoa, não votaria em Marina Silva. Isto não exatamente por conta de suas opções religiosas, mas pela forma como - segundo se tem dito na mídia - ela se relaciona com o seu sentimento religioso. Naturalmente, não me interesso e não me preocupo com a religião que ela professa, mas teria grandes preocupações com eventuais influências da religião do sujeito que me preside. Até porque, sendo o Estado laico (de novo o velho assunto...), a religião do(a) presidente não poderia exercer influência alguma sobre o país.
Agora, a senadora decidiu mexer num vespeiro muito maior do que as inquietações educacionais deste desconhecido blogueiro. Ela se declarou contrária à união civil entre homossexuais. Rapidamente, sentindo os primeiro efeitos de sua declaração, tentou explicar-se e, de certa forma, recorreu a gongorismos pouco eficientes. Disse discordar do casamento entre homossexuais, porque seria uma instituição antiga, criada especificamente para unir um homem a uma mulher. Mas seria favorável à união de bens entre homossexuais. Se a emenda não piorou, também não corrigiu o soneto. A senadora se pôs em maus lençois, porque não escapará à acusação de discriminação, por mais que a negue.
A luta dos homossexuais não é por casamento, mas por reconhecimento. Reconhecimento como seres humanos e, portanto, como famílias, com todos os direitos jurídicos, morais e espirituais de qualquer outra família. A união entre indivíduos do mesmo sexo seria uma mera característica, tão irrelevante quanto a cor dos cabelos. Por isso, ao dizer que eles podem constituir patrimônio comum e assegurar, suponho, direitos sucessórios e previdenciários, ela não lhes concede a tão sonhada condição de família. E isto, provavelmente, é o que eles mais querem.
Pesa contra a senadora, ainda, a sua condição de profitente de uma religião que, tradicionalmente, condena a homossexualidade e sustenta, até hoje, que o indivíduo pode se curar caso se entregue a Jesus1. Ela também se mostra reticente em relação à adoção de crianças por homossexuais, embora saia elegantemente pela tangente, dizendo apenas que não tem qualificação técnica para resolver isso, dando a entender que poderia ser convencida.
Os homossexuais votam, mobilizam e podem subtrair da pré-candidata uma quantidade expressiva das intenções de voto que, no caso de Marina Silva, nem são tão expressivas. Mas uma coisa é certa e, por isso, Marina merece um elogio: ela é honesta. Porque o padrão dos políticos é mentir e omitir para conquistar simpatias. Depois de eleitos, só fazem o que querem. Ela, pelo menos, está dizendo ostensivamente em que acredita. Quem concordar, vota nela. Quem discordar, vota em outro.
Isso sim é democracia.
1 Os verbos "condena" e "curar" foram escolhas minhas. Posso estar equivocado, mas acredito que, muito em síntese, minha afirmação corresponde à realidade.
8 comentários:
Marina tem um discurso radicalmente conservador: é contra a Teoria da Evolução de Darwin, contra os homossexuais (deve ter alguma teoria que possibilite torna-los heterossexuais, com certeza), contra a construção de estradas na Amazônia,contra a liberação da maconha,contra o aborto e o uso de células troncos em pesquisa. Só faltou ter o sobrenome Bush, porque ele pensa exatamente igual a ela com respeito a esses assuntos.
Ah, é contra também os trans-gênicos!
Como eu sempre a vi com reservas, mesmo quando a senadora militava no PT, não me surpreende suas posições retrógradas e seus discursos piegas. Nem que fosse Serra x Marina, ela não teria meu voto. Nunquinha.
Excelente post, Yúdice. Para variar, não é?
Soube deste "incidente" agora, graças a seu texto.
Por motivos pessoais e óbvios, não há mais qualquer possibilidade de a candidata levar o meu voto.
Abraços.
Pois é, definitivamente Marina não é a terceira via. Mas Serra, mas Dilma, onde estão as diferenças? Com certeza prometerão (e cumprirão) o que Marina nega?
Amigo virtual Itajaí, concordo com tudo que você escreveu, assino embaixo.
Ao amigo virtual Yúdice: você tem razão em temer a mistura de conceito religioso pessoal com o exercício do cargo. Ouvi de um funcionário graduado do MMA, sobre a época em que Marina foi Ministra, que era comum reuniões de trabalho serem iniciadas com preces pela Ministra, as quais os católicos, espíritas e ateus presentes, constrangidos, eram obrigados a aguardar, para só então iniciar-se a reunião. Era comum também a realização de mini-cultos no Ministério.
Em tempo: a pessoa que me contou isso também é protestante. Esclareço isso para que ninguém diga que se trata de campanha contrária de algum professante de outra denominação religiosa.
Caríssimo Yúdice, eu nunca vou cansar de lê-lo.
Você está de parabéns pelo seu texto.
Preconceito é uma coisa irritante e descabida.
Infelizmente, eu só voto 00-CONFIRMA. Até andei brincando que votaria na Marina pela sua integridade (parece-me que ela é uma pessoa íntegra), mas preconceito é uma coisa que eu não engulo, seja ele de ordem sexual, racial, social ou outro qualquer.
Caro Yúdice, vejo essas questões de maneira pontual, não vivemos em uma monarquia em que uma pessoa impõe sua vontade às outras, logo, deveríamos observar questões mais amplas e importantes que essas como: meio ambiente, recursos hídricos, desmatamento, recursos energéticos etc...
Sem expressar preconceito algum, até porque não tenho problema algum com a preferência afetiva e sexual das pessoas, prefiro polêmicas como essa do que uma Dilma empurrar goela abaixo uma belo monte qualquer e um Serra com toda a sua hipocrisia e desconhecimento da amazônia.
Saudações
Saul
A comparação é forte, Itajaí. Sobretudo porque Bush foi um presidente sanguinário e sabidamente despreparado. Imagino que Marina não seja a segunda coisa e, definitivamente, não é a primeira. Compreendo qual o cerne da tua colocação e, quanto a isso, estou certo de que pensamos do mesmo modo.
Infelizmente, Rita, uma eleitora do teu nível, que escolhe ou rejeita um candidato por motivos concretos, pessoais ou não, mas devidamente refletidos, são minoria neste país. Isso explica muita coisa.
Das 17h08, acredito que Marina teria muito a oferecer ao país no Senado. Se as nossas instituições, particularmente o Congresso Nacional, soubessem se fazer respeitar, seria mais fácil perceber o peso de um senador combativo. Mas neste país só se dá atenção ao Poder Executivo e assim cabeças que poderiam ser úteis num certo nível acabam se desviando, em campanhas inócuas como esta. Há razões partidárias para isso, claro. Penso que o PSol foi mais sensato, apostando em outro nome e reservando Heloísa Helena para uma disputa que ela tenha chances de vencer.
Caro Prof. Alan, as pessoas, de um modo geral, acostumadas que são a cerimônias religiosas em órgãos públicos, sequer conseguem ver que isso viola a Constituição deste país e atinge, negativamente, os profitentes de outras religiões.
Estou certo, Ana, que ela é uma pessoa íntegra e, somente por isso, merece estar numa posição privilegiada na República. Mas reforço os meus senões quanto à chefia do Executivo nacional.
No mais, em algum momento, mais cedo ou mais tarde, vais ter que votar em alguém.
É verdade, Saul. Marina não poderia fazer o que bem entendesse, até por conta de protocolos que estão acima de qualquer presidente. Mas Lula instituiu a festa caipira (dinheiro público custeando um rega-bofe para convidados), o jeitão escrachado e as metáforas futebolísticas. Isso não ajudou nem prejudicou o país. Mas prova que o estilo pessoal do presidente influencia a forma como as coisas funcionam no Executivo, num nível muito elevado. Bastaria que Marina começasse a dar muita atenção à bancada evangélica no Congresso e começaríamos a ter problemas. Um exemplo concreto? Poluição sonora advinda de templos religiosos.
As pautas que mencionaste são relevantíssimas e talvez Marina seja, de fato, a pessoa mais indicada para enfrentá-las. Mas será que o PV realmente está pronto para encará-las de modo realista e pragmático? Eu não sei.
Seja como for, o meu medo são as pautas que ela poderia instituir no país.
Abraço.
Quando li a notícia tive o mesmo pensamento: Marina é íntegra, com uma história de vida impressionante e totalmente capacitada para um cargo de comando, mas, por posições como essas, nunca terá o meu voto.
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