domingo, 18 de julho de 2010

Quando Nem Tudo que Reluz É Verdade

"O modelo de democracia no mundo muçulmano, apesar de falhas graves, é a Turquia, que tem eleições relativamente livres, e também tem sido objecto de duras críticas nos EUA. O caso mais extremo foi quando o governo adoptou a posição de 95% da população e se recusou a participar na invasão do Iraque, provocando dura condenação de Washington pela sua incapacidade de compreender como um governo democrático se deve comportar: sob o nosso conceito de democracia, a voz do Mestre determina a política, não a voz quase unânime da população.

A administração Obama enfureceu-se de novo quando a Turquia se juntou ao Brasil para um acordo com o Irão visando restringir o seu programa de enriquecimento de urânio. Obama elogiou a iniciativa numa carta ao presidente do Brasil, Lula da Silva, aparentemente no pressuposto de que iria falhar e fornecer uma arma de propaganda contra o Irão. Ao ter sucesso, os EUA ficaram furiosos e rapidamente o minaram, forçando uma resolução do Conselho de Segurança com novas sanções contra o Irão, que eram tão insensatas que a China alegremente se lhes juntou – reconhecendo que, no máximo, as sanções impediriam interesses ocidentais de competir com a China pelos recursos do Irão. Mais uma vez, Washington agiu abertamente para garantir que outros não pudessem interferir no controlo da região pelos EUA.

Não surpreendeu portanto que a Turquia (juntamente com o Brasil) votasse, no Conselho de Segurança, contra a moção dos EUA relativa às sanções. O outro membro regional, o Líbano, absteve-se. Estas acções despertaram ainda mais consternação em Washington. Philip Gordon, o proeminente diplomata da administração Obama para os assuntos europeus, advertiu a Turquia de que as suas acções não eram compreendidas nos EUA e que tinha de “demonstrar o seu compromisso de parceria com o Ocidente,” noticiou a AP, “uma advertência rara a um aliado crucial da NATO."

A classe política também concorda. Steven A. Cook, académico do Conselho de Relações Externas, observou que a questão crucial agora é “como mantermos os turcos na sua rota?" – seguindo ordens, como bons democratas. Uma manchete do New York Times captou o sentimento geral: “Acordo com o Irão Visto como uma Mancha no Legado dos Líder Brasileiros”. Em suma, façam o que dizemos, senão...

Nada indica que outros países da região, tanto quanto a Turquia, continuem a favorecer as sanções dos EUA. No lado oposto da fronteira do Irão, por exemplo, o Paquistão e o Irão, reunidos na Turquia, assinaram recentemente um acordo para um novo oleoduto.

Ainda mais preocupante para os EUA é que o oleoduto possa prolongar-se até à Índia. O tratado de 2008 dos EUA com a Índia que apoia os seus programas nucleares – e, indirectamente, os seus programas de armas nucleares – pretendia impedir que a Índia se ligasse ao oleoduto, de acordo com Moeed Yusuf, um conselheiro do Sudeste Asiático do Instituto da Paz do Estados Unidos, expressando uma interpretação habitual. A Índia e o Paquistão são duas das três potências nucleares que se recusaram a assinar o Tratado de Não Proliferação (TNP), sendo o terceiro Israel. Todos têm desenvolvido armas nucleares com o apoio dos EUA e continuam a fazê-lo."

********************************************

Estes parágrafos são trechos do mais recente artigo do linguista norte-americano Noam Chomsky, que referem-se à questão dos EUA contra o Irã, no que aparentemente respeita ao controle da tecnologia nuclear para fins bélicos. Os destaques feitos abordam de forma esclarecedora como o esforço diplomático brasileiro foi recebido pela Casa Branca. Serve também para compreender o nível de subserviência ou vassalagem da imprensa brasileira aos centros hegemônicos do poder mundial, se compararmos o texto aqui transcrito com as manchetes publicadas nos principais jornais brasileiros na época. O artigo completo do professor do MIT - Massachussets Institute of Technology - , da Universidade de Harvard está aqui ( em tradução portuguesa, que não resisti intervir), ou aqui em inglês.

2 comentários:

marise morbach disse...

Itajaí, os posts que você escreve são muito interessantes, vou postar este do /Norte, um abração.

Itajaí disse...

Muito obrigado, Marise.