terça-feira, 10 de agosto de 2010

Comentários Sobre Marina Silva no JN

Há quem justifique o estilo de jornalismo grosseiro adotado no JN com o argumento de que ali não é entrevista chapa branca, cabendo por isso o uso de atitudes agressivas para quem de antemão sabe que está ali para o sacrifício. Mas porque esse destino do entrevistado para o sacrifício? Acaso a Rede Globo é algum templo pagão? Ou King Kong mora lá? Trata-se de um argumento de quem desconhece regras básicas de jornalismo responsável e o confunde com uma sala de interrogatório, em que pese que tais encontros sejam promovidos por uma empresa de telecomunicação que claramente sempre optou por construir fatos associados aos piores momentos pelos quais passou esse país nos últimos 50 anos.
Na entrevista de Marina no JN, as perguntas foram orientadas para explorar defeitos: de que ela possuiria insuficiente experiência administrativa, certa ingenuidade política e de que pesaria sobre ela atitude de parcimônia com respeito a desvios morais na conduta política "de alguns petistas". Nada lhe foi perguntado sobre qual projeto de desenvolvimento tem para o Brasil, nem qual seria a sustentabilidade dele.
A pergunta da experiência administrativa, se a memória não me trai, foi feita exatamente para o presidente Lula nas campanhas que o elegeram presidente. O objetivo sem dúvida é contrastar candidatos com a imagem de José Serra, tido como o administrador 9 entre 10 conservadores de variado matiz e periculosidade. A despeito da pergunta, creio que feita pelo mesmo Bonner, Lula foi eleito, governou dois períodos e nos deixa um país com um cenário sócio-econômico bem melhor do que aquele recebido há oito anos atrás, quando substituiu o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, da coligação PSDB - Democratas.
Imaginemos, porém, no contexto das preocupações do JN, se acaso algum foca norte-americano desavisado perguntasse ao então senador Barack Obama como ele governaria os EUA, visto que até então o democrata só ocupara cargos no Legislativo norte-americano. No mínimo seria demitido, porque sua pergunta partiria da suposição de que o candidato seria uma fraude, ou mesmo um alucinado que desconhecia o tamanho da responsabilidade que é despachar no Salão Oval da Casa Branca e tomar decisões que afetam o mundo. E essa é uma diferença demarcada: perguntas não surgem do nada, mas derivam de um olhar ideológico sobre um objeto. Perguntar, portanto, é por o dedo no gatilho.
Na verdade, a pergunta não seria feita porque nosso hipotético foca poderia até responder que a capital do Brasil é Buenos Aires, mas não ignoraria que um presidente da República não chega pelo acaso ao poder, e que uma vez eleito trará consigo lideranças da sociedade que formarão a entourage que administrará o país durante o mandato, cabendo a ele, presidente, a decisão quanto ao direcionamento da execução estratégica do programa político de que é portador e depositário.
No domínio jornalístico da Rede Globo, Marina teria respondido a essa pergunta de forma perfeita, não houvesse usado do messianismo, quando avaliou que alguém eleito por um partido pequeno, isolado de alianças, teria a "legitimitade" para trazer para si "aqueles que não se entendem", como se ela nessa condição fosse abrir o Mar Vermelho para o quadro partidário político brasileiro enfim chegar a Canãa. Convenhamos... no estado de direito eleitos todos são, e todos são legítimos na situação e na oposição. Além do mais, podemos recordar que o Partido Verde não é exatamente um paradigma de pacificação partidária. Sobre esse tema, no JN de ontem, Dilma Roussef teve uma leitura de realidade ao apontar que o projeto político de governo representa o elemento aglutinador para a aliança de forças políticas, mesmo para aquelas em princípio antagônicas lato senso.
E aqui chegamos ao que eu considero o principal problema da candidatura Marina Silva. Até o momento não foi apresentado ao eleitor um projeto consistente para o Brasil, com princípio, meio e fim claros, nem sequer tendo como ponto de partida o que a candidata efetivamente realizou no Ministério do Meio Ambiente. Além do mais incomodo-me profundamente com figuras públicas que usam do cacoete da Mônica, os que abusam da primeira pessoa do singular com uns eu fiz, eu estruturei, eu aprovei, eu isso, eu aquilo; e, convenhamos, a candidata do PV abusa dessa conjugação, como fosse ignorante de que na complexidade de um governo federal um ministro só não faz verão. Nas tratativas com o Congresso Nacional, por exemplo, além do titular da pasta, entram em campo outros ministros, os líderes de bancada, o presidente do senado, o presidente da Câmara, os governadores e, se for o caso, o presidente da República. De novo messianismo.
A resposta sobre o mensalão porém foi didática. Faltou aclarar que, depois do escândalo, Marina permaneceu no partido porque reconhecia que o governo Lula representava um projeto político viável para a sociedade e, principalmente, porque constituia espaço estratégico para a disputa do projeto ambiental de seu grupo político com outras forças da sociedade, dentro do PT e demais partidos da aliança que elegeu o presidente Lula. Na medida em que viram perder esse espaço interno, em grande parte pela intransigência de negociar posições e admitir erros, por admitirem-se vocacionados para a vanguarda, decidiram sair para salvar o que lhes restava de patrimônio político. E porque foi didática? Por esclarecer, na sua resposta, a complexidade das relações estabelecidas dentro de qualquer partido político, quer ele seja de direita, de esquerda ou de centro. A importância que dou a essa resposta de Marina decorre que não tenho notícia que alguém tenha dito isso na Rede Globo de TV, e, principalmente, tenham transmitido descrição tão honesta sobre um assunto, que, em geral, a emissora aborda pelo viés pragmático da desinformação do senso comum.
Por último considerei incompleta a resposta a Fatima Bernardes sobre as licenças ambientais. Marina praticamente justificou o aumento do número desses documentos expedidos pelo Ibama, como resultado de sua ação administrativa. Mônica-Marina deixou de falar da outra banda da laranja, que igual a da Lua existe: reconhecer o vínculo de que se há desenvolvimento econômico, maior será o número de licenças ambientais solicitadas ao governo federal, governo em que ela imaginou que sozinha, por considerar-se vanguarda do movimento ambiental, faria um verão. Deu no que deu.

Um comentário:

Luiza Montenegro Duarte disse...

Concordo que ainda não foi apresentado um programa de governo da Marina. Não sei se porque ela não tem ou se porque não lhe foi dada oportunidade de apresentá-lo ainda. Estou ansiosa para descobrir.
De qualquer forma, Dilma e Serra também não mostraram ainda propósitos muito claros, fora a "continuidade" ou "mudança", respectivamente. Aliás, pelo Programa de Governo que Dilma protocolou no TSE e depois desmentiu quase tudo, parece que ela também está perdidinha...
Por fim, digo que gostei da avaliação do debate. Hoje tem o Serra, então, por favor, contenha-se! hehe.
Abraços.