sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O Primeiro Debate: Algumas Notas Rápidas.

1. No debate da Band, o candidato Jose Serra (PSDB/SP) sugere que uma pequena propriedade rural, para lazer de final de semana no Brasil tem 80 hectares. Inventa o que diz. Primeiro que 80 ha. é terra pra chuchu; depois, hoje propriedades com 10 ha no âmbito da economia familiar produzem e muito para as grandes cidades, sendo as principais responsáveis pelo que chega as feiras e aos supermercados. Mas eu entendo o pensamento escalar do candidato tucano: na altura do agro-negócio qualquer outra dimensão é pequena demais até para almas liliputianas.
Um outro aspecto do discurso de Serra são os mutirões de cirurgia, que tanto defendeu com garbo e fantasia no debate de ontem. Eu vivi essa realidade como médico e como gestor do SUS em Belém na administração petista de Edmilson Rodrigues. Embora soubesse tratar-se de resposta a uma insuficiência da gestor federal do sistema, ou seja, em resposta à pressão de superar uma iniquidade no acesso aos cuidados de saúde, também interrogava quanto ao efeito lesivo dos tais mutirões em termos de política pública, porque ao fim deixava-se de criar os remédios necessários para que o estrangulamento no acesso aos cuidados de média complexidade fossem resolvidos em definitivo.
Tirando o mérito imediato de resolver a fila, sem que na verdade a resolvesse por aplicação de medida estruturante, antevi neles uma possível dissimulação politiqueira, meio aparentado com aqueles de distribuir muletas, dentaduras, aterro e um pé do par de sapatos em véspera de eleição. De outro lado, ajustando a lente sobre a dimensão técnica da medida, fiquei mais desconfiado quando em nenhum momento falou-se em avaliar se de fato o investimento aplicado nos mutirões foi traduzido em melhoras ou ganho na qualidade de vida das pessoas operadas. Depois que li um estudo canadense que apontava haver não linearidade entre a realização de cirurgias de catarata em massa e efetivo ganho visual naquele país, mantive minha desconfiança quanto a panacéia serrista apenas estreitar o gargalo do acesso aos procedimentos de média complexidade no SUS, posto que se resolvia no imediato o problema da média complexidade, por outro, ao negar-lhe definitiva solução, confirmava-se como exclusiva administração de uma fila. Portanto, como política pública mutirão nunca foi, nem o será em tempo algum.
2. No foco da polarização com o candidato tucano, Dilma Roussef apresenta-se como herdeira inconteste de um programa de governo que inegavelmente tem diferencial positivo, programático e executivo com o programa de governo executado e o atualmente proposto pelo PSDB de FHC/José Serra. Foi bem na média geral, mas irá melhor se alcançar a malícia necessária para desconstruir alguns pontos relacionados ao discurso de Serra no que respeita ao tempo em que foi ministro da saúde na presidência de Fernando Henrique Cardoso e governador do Estado de São Paulo. E não é questão de enveredar por baixarias, mas tão só de ajustar o salto alto do opositor à necessária dimensão técnica e, especialmente, no que concerne às políticas sociais de garantia constitucional, quer sejam elas, entre outras, afeitas à saúde, à segurança, ao emprego ou à renda. Teve um desempenho cauteloso, evitando ir além do estrito necessário nas respostas às provocações de seu principal opositor na disputa pela cadeira do presidente Lula.
3. Marina Silva é um caso de fundamentalismo religioso que, entre outras coisas, propõe uma visão de economia ambiental estreita para o país. E paro aqui por ter sobre ela opinião formada quanto a um certo tipo de messianismo que não desejo para o Brasil. Dela fartei-me quando testemunhei as ações de seu grupo político, ainda quando ministra do governo Lula, reunião após reunião dos fóruns de competitividade do Ministério do Planejamento no que respeita à política nacional de fomento à biotecnologia, ora colocando obstáculos, ora inviabilizando o andamento de assuntos de interesse fundamental para o desenvolvimento do país. Por seus asseclas o país estaria, e assim permaneceria até o fim dos tempos, alguns degraus abaixo das humanidades norte-americana, européia e chinesa no que concerne aos avanços científicos e tecnológicos em termos de nanotecnologia, células tronco e transgênicos. Nessa linha, comprova-se que a proposta de economia sustentável para o meio ambiente da Amazônia de Marina Silva não vai além dos interesses da Natura e da boa intenção de quem pretende salvar o Brasil e o planeta fazendo estofamento de assento de carro com refugo da economia do côco, que sequer autóctone da região é. Tem, contudo, simpatia e leva um discurso estruturado na militância que teve no PT e no pastoreio religioso.
4. Plínio de Arruda Sampaio; sem dúvida uma reserva moral do socialismo no Brasil. Entrentanto, apenas tateou no debate, pela decisão de buscar uma polarização infrutífera com as posições de Serra, Dilma e Marina, sacrificando o papel de educação política que o PSOL detem com o manancial intelectual de Florestan Fernandes ou - desculpai-me as almas mais sensíveis que aqui nos honram- por meio das lições comunistas de um Carlos Marighela, de modo a conjugar a teoria social com a praxis política que juntas representam o fundamento revolucionário da dialética e do materialismo histórico. Ficou-me a impressão que usou mal o tempo que teve no debate, resumido na tecla de contrastar sua diferença pela semelhança ou identidade que apontava em seus adversários. Faltou ao seu discurso, por exemplo, apontar um modelo de desenvolvimento atualizado para o país, que se erguesse sobre as sentenças costumeiras da sociologia marxista. Mas, face às circunstâncias da audiência, tenho de reconhecer que peço demais dessa figura carismática, e sem dúvida gessada ao formato de um debate voltado primordialmente para a classe média brasileira. Nesse sentido, Plínio esteve próximo do heróico, para encontrar a medida certa de levar adiante o recado de seu partido aos eleitores brasileiros.

PS - Hoje ouvi numa agência reguladora quem imprecasse, referindo-se a Serra, para que Jason acordasse na noite de hoje. Pelo que vimos o saudosista continuará sem ter o desejo atendido, até mesmo para alívio do Serra que, em definitivo, não merece alcunha tão tenebrosa. A propósito: o postulante do apelido a Serra foi empregado pelo governo Lula, que regularizou o subemprego nas agências regularoras mediante concurso público para níveis superior e médio. Fosse em tempos tucanos estaria o quase citado postulante por aí roendo beira de penico, com seu vínculo precário de trabalho em organismo internacional, pulando de galho em galho para sobreviver a cada término de contrato, sem FGTS, sem 13 ro. salário, sendo pago por serviço prestado a cada três meses. Mas pelo que ouvi, ainda estivesse ele nessa condição, estaria sem dúvida feliz da vida. Pois há gente assim, por incrível que pareça.

8 comentários:

ASF disse...

Apesar de minhas divergências de ordem filosófica e ideológica com o petismo sou forçado a reconhecer que, mais do que os avanços alcançados nos 8 anos de governo Lula, são as práticas nefastas à população perpetradas pelos governos anteriores que hoje estão produzindo o crescimento das intenções de voto na candidata Dilma.

Não estamos vendo uma aversão à José Serra. Acontece que o povo brasileiro está amadurecendo politicamente e compreensivelmente está dando às costas àqueles que por anos à fio assumiram exatamente essa postura com relação ao Brasil.

A candidatura de Serra enfrentará um fardo pesado demais para ser superado já nesse pleito.

ASF disse...

Diria mais, o crescimento de Dilma nas pesquisas tem muito menos relação com as qualidades da petista do que com a rejeição daquilo que a candidatura de Serra pode representar.

Tanto disse...

Comentei em outros blogs minha alienação: fiz dever de casa com a filha, lemos e não vimos o debate. Eba nós.

Itajaí disse...

ASF, a política expressa os equívocos, os sonhos e os limites de uma sociedade, que, a despeito deles, deve teimosamente buscar sempre o melhor para a coletividade, renegando aquilo que é interesse de lideres, grupos ou partidos, tendo por consciência os deveres éticos para com a coisa pública, os seus e os outros, aqui no presente e no futuro. Se discernirmos, estaremos em bom caminho.

Itajaí disse...

Tanto, é a vida. Antes, na época da televisão convencional e do VHS, era simples, pois bastava empurrar uma fita na goela do vídeo-cassete, tecla REC e pumba! garantíamos assistir em melhor hora o que era impossível fazê-lo na hora imprópria.
Mas, nesses tempos digitais, a coisa se complica: porque ou temos uma engenhoca do provedor que grava programas, ou bem compramos um reprodutor de dvd que também é gravador. Qualquer que seja a solução o custo será alto.
De qualquer modo, a causa de sua ausência na assistência do debate está incluída entre aquelas consideradas nobres, e que prescindem de qualquer justificativa.

ASF disse...

Calma meus camaradas, que tal recorrer a boa e velha web?

eBand Vídeos: http://videos.band.com.br/
Youtube: http://migre.me/134Wj

Itajaí disse...

Claro! Como fomos esquecer da"tábua de salvação" You Tube?! Está tudo lá.

Armando disse...

Pra dizer a verdade: estamos péssimos em matéria de candidatos.