Aqui o divisor de águas é desconcertante. Com base em melhor compreensão da correlação internacional de forças e em crença permanente no potencial do Brasil, os condutores da política externa nacional enfrentaram com altivez os grandes temas que afligiam o Brasil. Foi relativizada a fé do governo FHC em organismos multilaterais como ONU e OMC e na relação sempre preferencial com EUA e Europa, buscando-se abordagem mais pragmática que identificasse e conciliasse melhor os princípios e os interesses da sociedade brasileira. Façamos um apanhado:
· A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que representaria grandes perdas para o projeto de um Brasil e de uma América Latina soberanos e prósperos, foi exitosamente enterrada. O governo FHC parecia inclinado a buscar algum tipo de acordo com os EUA, que permitisse a entrada em vigor da ALCA. Os setores industriais e de serviços teriam sido afetados de forma quase irreversível.
· A Rodada Doha de negociações da OMC encontrou a firmeza de propósitos de um grupo que transformou a própria gramática dos arranjos políticos no âmbito daquela organização: o G-20, que reuniu países de agricultura de subsistência e grandes países exportadores em desenvolvimento para contra-arrestar o domínio da pauta e das decisões que exerciam Europa e EUA.
· Novas embaixadas foram abertas ou reabertas em inúmeras capitais da África e da Ásia. Essa ênfase em relações bilaterais com o mundo em desenvolvimento garante presença e informação de primeira-mão em ambientes cada vez mais cruciais para o desenvolvimento econômico mundial. Além disso, nossa capacidade de barganha frente às potências ocidentais, sem dúvida importantes, aumenta consideravelmente na medida em que temos outras alternativas de comércio, intercâmbio, cooperação e investimento. Essa política também atende à reivindicação histórica de maior integração com a África e com a América Latina, regiões que compartilham conosco uma identidade, uma história de colonialismo, culturas, religiões e populações.
· Novos grupos foram criados para reinserir o Brasil no mundo de forma mais soberana e capaz de promover os seus interesses sem idealismos estéreis:
¨ O IBAS, articulação internacional de Brasil, Índia e África do Sul, representa uma aposta principista em valores democráticos comuns e também a consciência crítica do lugar que tais nações ocupam na hierarquia de poder do mundo, bem como a capacidade delas de lutar, conjuntamente, por sua superação.
¨ O BRIC, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China, busca explorar áreas de cooperação entre grandes economias que tendem, permanecendo no rumo certo, a exercer cada vez mais influência na economia global.
¨ As cúpulas que reuniram os países da América do Sul e os países árabes abriram um campo promissor para o engajamento da sociedade brasileira, resgataram uma importante herança constitutiva de nossa nacionalidade e inseriram o Brasil e a América do Sul num jogo que é definidor do escopo de ação das grandes nações.
¨ As cúpulas que reuniram América do Sul e África desempenharam papel semelhante e forjaram relações que não apenas abrem mercados para o Brasil, mas, sobretudo, contribuem para o desenvolvimento sustentável africano, interessante para o Brasil no longo prazo, especialmente com padrão inovador de cooperação técnica nas áreas de agricultura, energia, biocombustíveis, educação e medicina.
¨ O início do fim do G-8 e sua paulatina substituição pelo G-20 financeiro, por definição mais inclusivo, não ocorreram sem a posição convicta do Brasil de que um novo espaço, em que tivéssemos participação integral, fosse estabelecido (no G-8 éramos convidados, porém devíamos chegar quando os debates fundamentais já haviam sido travados).
¨ A União das Nações Sul-americanas (UNASUL, de 2004)) deu expressão concreta ao desejo de integração física e cooperação política dos povos de nosso continente.
¨ A primeira Cúpula dos Estados da América Latina e do Caribe (de 2009, na Costa do Sauípe, Bahia) constituiu novo espaço de discussão valioso de um grupo de nações que se vê em situação similar no contexto de globalização econômica e cultural, e em posição semelhante diante da riqueza de seus vizinhos ao norte do Rio Grande (que separa o México dos EUA).
- O Brasil não se furtou a atuar com coragem e independência no Conselho de Segurança das Nações Unidas, acreditando na sua capacidade de negociação, no que representamos de novo no jogo de poder tradicional e em nossa competência diplomática. No que diz respeito à questão nuclear iraniana, o resultado foi um acordo entre Brasil, Turquia e Irã (a Declaração de Teerã) que será lembrado sempre como tentativa digna de evitar a guerra, ou mais propriamente, de evitar o desenho de um caminho de sanções e reprimendas que geram radicalização de ambos os lados e aumentam sobremaneira o risco da guerra. Por um lado, caso a guerra ocorra, o acordo terá sido a prova de que havia uma alternativa. Por outro, caso um acordo abrangente com o Irã seja alcançado, é inevitável que elementos da referida Declaração sejam utilizados. E nos momentos de indefinição, como o atual, a ação brasileira constitui exemplo de que é perfeitamente possível discutir racionalmente com os líderes iranianos e que uma atitude de cooperação é mais produtiva que a arrogância dos ultimatos.
É por tudo isso, e por todas as conquistas do governo Lula, que defendo a candidatura Dilma 13. A alternativa do PSDB-PFL/Democratas não pode representar a continuidade de nossas conquistas recentes, apesar de discursos falaciosos que fazem tudo parecer uma questão de gerenciamento dos atuais modelos e programas, que dependeria da experiência ou da competência dos líderes. Há diferenças de fundo, que não podem ser reduzidas sem estelionato eleitoral, e que passam por compreensões díspares do lugar do Brasil no mundo, do potencial de desenvolvimento e igualdade da sociedade brasileira e do papel do Estado em nosso espinhoso caminhar de emancipação social e econômica. Essas diferenças, por seu turno, podem refletir-se em oportunidades ou entraves para a vida digna e a autonomia de milhões de brasileiros. Aos que votaram nulo, se abstiveram, optaram por Marina, ou por outros candidatos da esquerda, faço um apelo sincero para que não deixem de fazer a escolha por um dos dois projetos conflitantes que se apresentam hoje ao Brasil.
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