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Se há uma coisa que sempre admirei em João de Jesus Paes Loureiro foi o tranquilo e apaixonado desejo de ser um intelectual no Pará. Sempre lhe admirei os modos, os trajes, a elegância de caboco circunspecto e sabedor de si. Sem afetações, sem francesismos, sem crises de identidade. Ser o que se é! Admirável! Vivemos por aqui a eterna crise da tradição e do moderno. Quando penso que vamos sossegar, que tudo foi destruído: lá vem a questão do açai, do tucupi e do tacacá. Um verdadeiro carnaval de ambiguidades no qual fomos atirados de forma estúpida e cruel. Temos que viver na procura de um modo de ser genuinamente paraense: decifra-me ou te devoro. Que merda! Não podemos ser multiplus e diversos. Ou somos da terra do tucupi, do açai e do tacacá; ou queremos a separação, a negação e o ocaso. Talvez seja um processo que só tenha existido no seio das elites econômicas - que se tornaram elites culturais - e que tenha se disseminado junto com a entrada do rádio e da televisão. Talvez seja uma forma de melancolia cultural. Talvez seja a nossa enorme pobreza econômica que nos tenha feito negar a multiplicidade que nos constituí. O fato é que a leitura do primeiro romance de João de Jesus Paes Loureiro trouxe de volta àquilo que andava submerso na memória da mulher de 50 anos que ouviu contar, conviveu e sentiu muitas das coisas que o poeta narra em seu romance.
Café Central: O tempo submerso nos espelhos é um romance autobiográfico de uma geração que esteve aqui em um outro tempo, refletindo sobre outros espelhos. Sutil, refinada e intensa, a narrativa de João de Jesus Paes Loureiro é propriamente seu espelho, seu tempo e suas escolhas. Não há julgamentos de valor, culpas, aniquilamento. Não: o poeta sabe de si: e como sabe! Constrói e descreve personagens com a dimensão com que observou os rios e o lento deslizar das canoas. Caboco de Abaeté sem jamais perder a sua condição de cidadão do mundo. Gostei muito de Café Central: que venham outros.
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Café Central: O tempo submerso nos espelhos. São Paulo: Escrituras Editora, 2011.
Um comentário:
João de Jesus Paes Loureiro me respondeu sobre as breves observações que fiz do romance Café Central. Grata poeta!
Querida Marise. Tenho grande alegria em ler tua mensagem sobre meu romance. O autor entrega ao leitor toda sua mais funda emoção. Mas, nem sempre, o leitor tem a generosidade como a tua em devolver ao autor a emoção sentida com a leitura. Tu és uma leitora modelo, cuja opinião é muito significativa para um autor. Além do mais, como escrevemos para que alguém nos leia, o livro, feito uma carta engarrafada lançada ao mar, pode ter dois destinos: ou se perder nas ondas do sem fim do mar e do silêncio; ou ser achada por alguém que devolve a emoção lida na obra a quem a enviou. Só este segundo destino é que pode aquecer o coração do autor! Obrigado.
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