(Pedro Vallinoto Neto, Médico)
Quando
li neste Blog “Na cabeceira da existência: a Faculdade de Medicina”, epigrafado
pelo Aristóteles, lembrei-me de “A Arte Perdida de Curar”, do laureado Bernard
Lown (Nobel da Paz, 1985), médico e pacifista. Grifou assim: “A razão básica de
a medicina ter perdido o rumo, senão a alma: partiu-se o pacto implícito
existente entre médico e paciente, consagrado durante milênios”.
Segundo Lown, falta hoje
na medicina o interesse inato de ser médico por bem sê-lo, fazendo o melhor
para curar ou amenizar o sofrimento de outrem. O vínculo, hoje, é arrefecido
pelos avanços tecnológicos, importantes, porém não imprescindíveis e muito menos
substituto da conversa. É deixar o paciente falar: o bom médico deve primeiro
aprender a ouvir.
A retratação
de Anatole Broyard, crítico literário e escritor americano, morto em 1990,
vitimado pelo câncer de próstata, é o maior exemplo desse grifo. Ele escreveu
no The New York Times Magazine, no
ano de sua morte: “Eu não tomaria muito tempo do meu médico. Desejaria apenas
que matutasse sobre minha situação talvez uns cinco minutos, que por uma vez me
franqueasse a mente por inteiro, que por um breve tempo vinculasse comigo,
esquadrinhando-me a alma tão bem como meu corpo, para então entender o meu mal,
pois cada indivíduo adoece à sua maneira. Assim como me pede exames do sangue e
dos ossos de meu corpo, desejaria que meu médico me examinasse considerando o
meu espírito tanto quanto minha próstata. Sem um reconhecimento desses, não sou
mais que uma doença.”
Igualmente, embebido pelo
mistério de curar, a epígrafe de Aristóteles de Miranda, no
texto postado, nos transporta para uma medicina mais humanística que científica;
mais beira de leito que tecnológica; mais arte que matemática. Ademais, também
asfixia a Bíblia e sentencia Eclesiastes (38:15) à guilhotina, quando diz: “aquele que pecou aos olhos
do Criador, que caia nas mãos dos médicos”.
4 comentários:
Roger, gostei muito do texto do Vallinoto - direto na veia!
Quando tentamos transportar, no entanto, o "pacto médico-paciente" para o mundo nada maravilhoso dos planos de saúde, com suas glosas, remunerações indecentes e até mesmo intimidações à prática da boa medicina, todo o conteúdo acaba esparramado da tigela das boas intenções.
Ouvir pode corresponder de 50 a 100% de todo o ato terapêutico, e paradoxalmente tal fica mais difícil a cada dia.
A solução pode ter que passar por uma verdadeira revolução.
Um abraço aos dois.
Prefiro a medicina "mais arte que matemática".
Bela colocação Marise. A criação de diretrizes e, por conseguinte, números, pode até ajudar, mas engessam a arte. No mesmo compasso, diria que o Scylla retrata tem todo o sentido quando nos remetemos aos planos de Saúde. Eles andam algemando a arte e aviltando a ciência. É isso.
Pegando carona no assunto, sugiro-lhes esse vídeo: http://youtu.be/fNbsPh5VLI4
Vocês (médicos) provavelmente já conhecem o Patch Adams né? E quanto a cientista política aqui do blog, fica a dica também, já que ele é também um ativista. =D
Interessante é que conversando com o "meu" médico (O Dr. Jazon me viu crescer!) ele me disse justamente sobre essa questão do atendimento "fast-food" de hoje em dia, me falou da época que atendia de graça e ganhava leitoa de presente... rsrs Definitivamente isso é algo que não deveria ser perdido!
Até.
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