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Com exceção dos fanáticos religiosos que enxergam sinais da primeira ou da segunda vinda do messias (dependendo da religião em questão), apenas os mais míopes não percebem que o planeta está dando o troco. Não estou falando apenas do aquecimento global e das já irreversíveis mudanças climáticas que vão gratinar a Terra nos próximos séculos, mas também dos crimes ambientais que fomos acumulando debaixo do tapete e que, agora, tornaram-se uma montanha pronta a nos soterrar.
Muitos falam de tragédias em Xerém, Santa Catarina, Angra dos Reis, Blumenau, Ilha Grande, Alagoas, São Luiz do Paraitinga, Jardim Pantanal, como se fossem situações desconectadas da ação humana, resultados da fúria divina e só. Um prefeito de uma cidade atingida, anos atrás, disse que só restava a ele rezar para Deus controlar as águas. Coitada da população que votou nele e viu o administrador do município “terceirizando” o trabalho para o plano superior, provavelmente dando continuidade ao que foi feito pelos que vieram antes dele.
A declaração é da mesma escola daquela de um assessor de George W. Bush quando questionado sobre a herança deixada às próximas gerações pelos gases geradores de efeito estufa da indústria norte-americana. Não me lembro da frase exata, porque lá se vão anos, mas foi algo do tipo: “não será um problema, porque Cristo voltará antes disso”. Virgem Maria…
Um renomado cientista declarou pouco antes da cúpula do clima em Copenhague que era melhor deixar os fatos tomarem seu curso natural, o mundo aquecer, refugiados ambientais quadruplicarem, cidades nos países ricos serem invadidas pelo mar, a fome surgir no centro do mundo. Só assim pessoas e países tomariam atitudes reais. Situação que, no Brasil, é vulgarmente conhecida como “a hora em que a água bate na bunda”. O problema é que, se nada for feito até lá, quando chegarmos nesse ponto, talvez não haja mais bunda para salvar. Apenas lamentar. E rezar.
O fato é que ocupação irregular, planejamento, plano diretor, reforma urbana são expressões ouvidas apenas no tempo das chuvas. Na seca, elas evaporam do léxico não só dos mandatários, mas também de pobres e ricos, que continuam construindo, desmatando e poluindo. Suas razões são diferentes, uns lucram com isso e outros são empurrados pela falta de condições materiais. Mas o efeito é o mesmo.
Vale lembrar que tudo o que foi dito aí em cima não gera um voto, pelo contrário: quem é o doador que vai ficar feliz por ter a construção de sua casa em uma área de preservação ambiental embargada? Ou qual o famoso apresentador de TV, que teve sua pousada de luxo removida de um paraíso ecológico cercado de água por todos os lados por estar em local impróprio, toparia fazer campanha de graça para o político que atuou firmemente para a referida pousada ir ao beleléu?
Considerando que quando há um problema urbano os mais pobres são expulsos do lugar onde estavam para um lugar perto da esquina entre o “não me encha o saco” com o “não me importa aonde”, é de se esperar também que a remoção deles de áreas de risco e de locais inundáveis também seja precedida de grandes protestos que irão reverberar nas urnas. Então, ninguém faz nada, só promete e faz cara de preocupado e de entendido. Afinal, é de palavras vazias que vive nossa política.
Todas essas considerações já foram ditas neste espaço. Qualquer solução eficaz adotada vai passar por mudanças no comportamento de todos nós. Como diria Cecília Meireles, no Romanceiro da Inconfidência, “todos querem a liberdade, mas quem por ela trabalha?” No Brasil, muito poucos. A maioria segue escondida no conforto do anonimato, defendendo o seu, fazendo meia dúzia de ações insignificantes para dormir sem o peso da consciência e o resto que se dane. Não querem mudanças no modelo de desenvolvimento que impactaria o “American Way of Life” que importamos, apenas reciclar latinhas de alumínio e dar três descargas a menos no vaso sanitário por dia. E seguem respondendo de boca cheia que fariam de tudo para ajudar o meio ambiente.
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Leonardo Sakamoto
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