quarta-feira, 6 de março de 2013

Cinismo?


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Não gosto de líderes, tenho preguiça de exemplos autodeclarados, desconfiança de referências, ojeriza a modelos. Nunca fui fã nem de artista para prantear sua morte. Talvez, esteja ficando cínico. Ou tenha sido sempre.
Movimentos sem um único rosto são, hoje, os que mais me apaixonam. Daqueles que trazem a mente a imagem de uma maré de gente e não de uma única pessoa.
Se tivesse que eleger um herói, escolheria Antônio como o meu. Ele acorda às 5h da manhã, arruma suas coisinhas, pega duas conduções e vai até Santo Amaro para vender café da manhã na rua. Depois, quando os clientes desaparecem, é hora de começar a trabalhar como pintor, bico que rende algo no final do mês que sinceramente não vale a pena – mas como ele tem três crianças e uma mulher com câncer em casa, que luta há anos para não morrer na rede pública, pois não tem acesso ao Sírio Libanês, é o jeito. À noite, acende o fogo e começa a vender churrasquinho no ponto de ônibus para completar a renda. Chega em casa cinco horas antes de ter que acordar novamente. Como mora perto do autódromo de Interlagos, pôs sua churrasqueira perto de casa para conseguir algo em um final de semana lotado. A Guarda Civil Metropolitana levou tudo embora. Como ele ia trabalhar no dia seguinte? Sei lá.
É claro que ninguém gostaria de seguir o exemplo de Antônio. A sua vida, muito provalmente, não terá um final feliz para ser levada às telas do cinema. Não irá vencer a pobreza do sertão de Pernambuco e virar presidente ou superar o racismo da sociedade norte-americana e virar presidente – ou sair da periferia de qualquer país e virar presidente. Também não será usado como exemplo de programas como o “Amigos do Joãozinho”, em que crianças que comem biscoitos de lama seca e andam 115 quilômetros diários para ir à escola, sem a ajuda do Estado, superam tudo e tornam-se presidentes de multinacionais para, depois, superexplorar sua terra natal.
Mas no seu sacrifício diário, é ele quem faz o mundo girar. E luta contra a exploração que lhe foi imposta. E, nisso, ele não está sozinho.
Esperemos que os livros de história e nós, narradores da contemporaneidade (não apenas os profissionais, mas todos que têm uma conta de twitter, um blog, uma rádio comunitária ou um jornal mural e, portanto, são tão jornalistas quanto os outros), tenhamos a decência de registrar que não foram apenas reis, ditadores e presidentes que mudaram a realidade do nosso tempo mas, sim, o conjunto dos carregadores de pedra. Que leiamos Brecht e entendamos o que ele diz! Isso não tem sido o padrão da História, que supervaloriza e mitifica o indivíduo em detrimento ao coletivo quando escrita e passada adiante.
Não tiro a importância de pessoas, mas queremos heróis quando eles, simplesmente, não precisariam ser tratados como tal.
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4 comentários:

Yúdice Andrade disse...

Mais um triunfo do Sakamoto. Este texto emociona.

Marise Rocha Morbach disse...

Emociona sim.

Scylla Lage Neto disse...

Sakamoto, na veia!!!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Que visão! Que visão! Que texto! Que aprendizado! Que história! Que tudo! Que sacada! Que Sakamoto!