domingo, 3 de março de 2013

minissérie: A médica e o monstro



CAPÍTULO 1 (19/02/2013)



Médica é presa sob suspeita de provocar mortes de pacientes no PR

A médica responsável pela UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba foi presa nesta terça-feira sob suspeita de ser responsável pela morte de pacientes internados no local.

Virgínia Helena Soares Souza é médica há 30 anos e intensivista no Evangélico, hospital filantrópico que é referência para o atendimento pelo SUS em Curitiba e região. Ela foi presa em caráter temporário pela manhã.

Em nota, o hospital afirmou que "desconhece qualquer ato técnico [da profissional] que tenha ferido a ética médica" e disse "reconhecer sua competência".

As investigações correm em segredo de Justiça, motivo pelo qual nem a polícia, o hospital ou o Ministério Público fornecem informações detalhadas sobre o caso.

Foram cumpridos nesta terça-feira mandados de busca e apreensão de prontuários médicos de pacientes já atendidos na UTI do hospital, composta por 18 leitos. A unidade serve de retaguarda para o pronto-socorro do hospital, que é o maior de Curitiba.

Como a instituição é referência no atendimento pelo SUS, as secretarias da Saúde do Paraná e de Curitiba instauraram uma sindicância para apurar os fatos.

A prefeitura também solicitou a substituição de toda a equipe da UTI até a conclusão das investigações e disse que vai nomear um médico-observador para acompanhar a unidade nesse período. 
Reportagem publicada no Jornal "Folha de São Paulo"





Capítulo 2:

Anatomia de um crime

Pelas primeiras informações divulgadas, seria o maior escândalo médico da história do país. Num consórcio macabro, médicos, funcionários e a direção de um hospital de Curitiba estariam assassinando pacientes na UTI para substituí-los por outros mais rentáveis e aumentar seu faturamento.

Profissionais foram presos e estão sendo investigados por homicídio doloso qualificado. Surgiram testemunhas descrevendo o inferno. Um delegado anunciou que checaria todos os óbitos ocorridos no hospital nos últimos sete anos.

A história era muito inverossímil desde o início, mas, à medida que o tempo foi passando, a polícia entrou em mais contradições que os suspeitos e o grande escândalo foi murchando. A motivação financeira foi a primeira a ser descartada. Depois, desapareceu misteriosamente o policial que havia sido infiltrado na UTI e, ao longo de dois meses, constatara os abusos. Agora, a polícia diz que obteve autorização judicial para fazer a infiltração, mas desistiu. Surgiu até um erro grave de transcrição no material coletado pelas autoridades.

Ainda é cedo para cravar que não houve nenhum tipo de delito, mas, aparentemente, só o que sobra são algumas declarações meio destrambelhadas da chefe da UTI. Há gravações que registram frases como "Quero desentulhar a UTI, que está me dando coceira". Isso é compatível com a síndrome do "burn out" (esgotamento), comum entre médicos, mas dificilmente uma prova material de assassinato.

Na verdade, se despirmos a frase de seus aspectos mais grosseiros, ficamos com uma verdade. As UTIs brasileiras, de um modo geral, retêm os pacientes por muito tempo. Por aqui, ainda é comum indicar cuidados intensivos para doentes terminais, o que implica altos custos não apenas financeiros como também morais e psicológicos. Essa é uma discussão que, por razões culturais, evitamos, mas deveríamos travar.

Hélio Schwartsman (Folha on line) é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. 

Capítulo 3: 
Da Escola Base à UTI de Curitiba

Há 19 anos, os responsáveis pela Escola de Educação Infantil Base foram surpreendidos por um redemoinho de acusações, todas falsas.

Receberam reparação financeira por danos morais mas, para as sequelas dos danos emocionais, não houve nem haverá consolo.

No dia 19 deste mês, foi presa a médica-chefe da UTI de um hospital universitário de Curitiba, onde atuava há vários anos. Dias depois, o mesmo ocorreu com três outros médicos da mesma UTI.  O crime: eutanásia (abreviar a vida, sem dor ou sofrimento, de doente incurável).

Até o dia 23, o Conselho Regional de Medicina do Paraná nunca havia recebido denúncia contra a UTI. Com insistência, solicitou à Polícia cópia dos autos, recebida no dia 26, por decisão judicial.

A direção do hospital, indiferente ao destino dos médicos, apenas comunicou mudanças na equipe.

Da mesma forma que no escândalo da Escola Base, é possível que seja outra a verdadeira história.

Uma UTI dispõe de avançados recursos e tratamentos de suporte a doentes em risco de vida. Os pacientes, encaminhados à UTI, em situação crítica, têm ali maior chance de sobrevivência que no leito comum do hospital.  Apesar disso, segundo explica o professor J. Randall Curtis, da Universidade de Washington, na revista "Lancet", por mais avançados que sejam os recursos de uma UTI, esse é o local onde a morte é comum e cuidados de fim de vida são constantes.

Julio Abramczyk (Folha on line), médico formado pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp, faz parte do corpo clínico do Hospital Santa Catarina, onde foi diretor-clínico. .



Capítulo 4:

A Dignidade de Morrer 
Um velho e bem-humorado clinico da Columbia University ad­mitiu que, comparado com seu tempo, hoje está mais difícil morrer e que a maioria das pessoas não conseguem mais na primeira tentativa.

Na imensa gama de conquistas que tornaram a medicina mais ousada e mais eficiente, certamente um papel importante coube à terapia intensiva, que, enriquecida de uma tecnologia cada vez mais sofisticada, tem garantido o suporte das funções vitais em situa­ções absolutamente críticas e recuperado para a vida normal mi­lhares de pessoas, que em outras épocas morriam de mãos dadas com a família.

As famílias estavam convenientemente condicionadas pelo irreversivel, e as lagrimas e as orações e o incenso queimando eram poções obrigatórias de um ritual que envolvia a dor da perda inevi­tável, a preparação para o que acreditavam que viria depois e a tentativa de disfarçar o inconfundível cheiro da morte.

o prestígio da tecnologia e a divulgação dos grandes feitos da medicina moderna têm conduzido a maioria dos leigos à ideia equi­vocada de que a morte que ocorra fora das unidades de terapia imensiva significa, em princípio, uma decorrência da subutilização dos recursos médicos disponíveis.

E com isso os medicos são muitas vezes pressionados a leva­rem para a UTI pacientes moribundos, porque os familiares inconscientemente consideram que a morte natural, cercada do cari­nho dos que realmente vão lamentar a sua perda, simboliza uma de­sistência antecipada, com direito a sentimento de culpa no futuro.

E o médico menos experiente, não sabendo como manejar essa situação difícil e temendo ser acusado de omissão ou negli­gência, sucumbe ao impulso de mostrar serviço e protela o sempre desconforravel exercício de impotência que envolve o anuncio de que a morte é inexorável.

Ignoram que a UTI não é lugar de se morrer, mas de se lutar·contra a morte, com toda a força e desesperadamente, mas tão-­somente quando se antecipe uma vida digna depois desse enfren­tamento.

Ninguem que seja portador de uma condição clínica irrever­sível merece a frieza, o tumulto, a independência afetiva e a impes­soalidade de uma Unidade de Terapia Intenslva.

Os alarmes os bipes, o ruído das máquinas, a luz constant, a proximidade da desgraça, a nudez desprotegiada, a conversa alienada de pessoas que parecem não entender o significado dad or física nem ter a minima ideia do que seja o medo da morte fazem da UTI o inferno terrestre para os pacientes lúcidos.

Precisamos definitivamente entender que toda a tecnologia maravilhosa, mas agressiva, só tem sentido para recuperar a vida, nunca para protelar a morte.

Preservar a dignidade de morrer é conservar-lhe a naturalida­de. É fugir do horror contido no olhar perplexo dos moribundos que, sem chance de escolha, sentem-se encurralados entre máqui­nas frias e encaram-nos com o cenho franzido, o rosto encovado e o nariz pontudo. Como uma acusação!

José Camargo (Jornal Zero Hora), Cirurgião Torácico e Autor do Livro: "Não pensem por mim".

4 comentários:

Marise Rocha Morbach disse...

Muito bem narrada a sua mini série; quanto mais acompanho este caso, mais concordo com o último capítulo: 1. Não queremos olhar a morte dos nossos queridos; 2)Acreditamos que é possível não enxergar a dor da morte; 3. A morte dói, mas não mata. Muito corajoso da sua parte trazer isto aqui; precisamos desesperadamente de ter dignidade diante da morte.

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Marise, essa é uma discussão que vai além da medicina. Sua opinião é exatamente o objetivo deste roteiro, quando finda no último capítulo, do José Camargo (aliás, um amigo particular). Se olharmos retrogradamente, os CTIs estão repletos de pacientes sem indicação, e o abarrotamento acaba causando esse viés de interpretação: "a monstra" Dra. Virginia. Se ela, ao final, estiver com a razão, eu não sei onde vai acabar essa minissérie. Teremos farpantes capítulos. Vamos aguardar. Esse início é só um ensaio.

Pedro do Fusca disse...

Caro Roger, esta médica segundo uma gravação de voz que foi exibida na televisão ela era quem escolhia quem devia morrer, salvo melhor juizo ela e ninguem tem este poder. No meu entendimento enquanto a vida existe esperança. O meu pai sofreu muito em uma UTI por causa dos médicos e atendentes que cuidavam destes doentes, não entrei na justiça contra estas pessoas porque sabia que não ia dar em nada. Esta ai o caso do "Doutor" Duciomar Costa que clinicava com diploma falso de oftalmologista e nada pegou. Infelizmente existe Médicos e médicos!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Pedro, sua opinião, eu respeito, mas o que eu estou querendo informar com esta minissérie, é uma questão mais que social, que parece estar dando um redemoinho na polícia e na nossa cabeça. O que parecia ser, parece que não é. E o que é, parece não ser. Tudo é o que te parece, mas nem sempre o que te parece, é.