CAPÍTULO 1 (19/02/2013)
Médica é presa sob suspeita
de provocar mortes de pacientes no PR
A médica responsável pela UTI
(Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba
foi presa nesta terça-feira sob suspeita de ser responsável pela morte de
pacientes internados no local.
Virgínia Helena Soares Souza é
médica há 30 anos e intensivista no Evangélico, hospital filantrópico que é
referência para o atendimento pelo SUS em Curitiba e região. Ela foi presa em
caráter temporário pela manhã.
Em nota, o hospital afirmou que
"desconhece qualquer ato técnico [da profissional] que tenha ferido a
ética médica" e disse "reconhecer sua competência".
As investigações correm em
segredo de Justiça, motivo pelo qual nem a polícia, o hospital ou o Ministério
Público fornecem informações detalhadas sobre o caso.
Foram cumpridos nesta terça-feira
mandados de busca e apreensão de prontuários médicos de pacientes já atendidos
na UTI do hospital, composta por 18 leitos. A unidade serve de retaguarda para
o pronto-socorro do hospital, que é o maior de Curitiba.
Como a instituição é referência
no atendimento pelo SUS, as secretarias da Saúde do Paraná e de Curitiba
instauraram uma sindicância para apurar os fatos.
A prefeitura também solicitou a
substituição de toda a equipe da UTI até a conclusão das investigações e disse
que vai nomear um médico-observador para acompanhar a unidade nesse período.
Reportagem publicada no Jornal "Folha de São Paulo"
Capítulo
2:
Anatomia
de um crime
Pelas
primeiras informações divulgadas, seria o maior escândalo médico da história do
país. Num consórcio macabro, médicos, funcionários e a direção de um hospital
de Curitiba estariam assassinando pacientes na UTI para substituí-los por
outros mais rentáveis e aumentar seu faturamento.
Profissionais
foram presos e estão sendo investigados por homicídio doloso qualificado.
Surgiram testemunhas descrevendo o inferno. Um delegado anunciou que checaria
todos os óbitos ocorridos no hospital nos últimos sete anos.
A história
era muito inverossímil desde o início, mas, à medida que o tempo foi passando,
a polícia entrou em mais contradições que os suspeitos e o grande escândalo foi
murchando. A motivação financeira foi a primeira a ser descartada. Depois,
desapareceu misteriosamente o policial que havia sido infiltrado na UTI e, ao
longo de dois meses, constatara os abusos. Agora, a polícia diz que obteve
autorização judicial para fazer a infiltração, mas desistiu. Surgiu até um erro
grave de transcrição no material coletado pelas autoridades.
Ainda é cedo
para cravar que não houve nenhum tipo de delito, mas, aparentemente, só o que
sobra são algumas declarações meio destrambelhadas da chefe da UTI. Há
gravações que registram frases como "Quero desentulhar a UTI, que está me
dando coceira". Isso é compatível com a síndrome do "burn out"
(esgotamento), comum entre médicos, mas dificilmente uma prova material de
assassinato.
Na verdade,
se despirmos a frase de seus aspectos mais grosseiros, ficamos com uma verdade.
As UTIs brasileiras, de um modo geral, retêm os pacientes por muito tempo. Por
aqui, ainda é comum indicar cuidados intensivos para doentes terminais, o que
implica altos custos não apenas financeiros como também morais e psicológicos.
Essa é uma discussão que, por razões culturais, evitamos, mas deveríamos
travar.
Hélio Schwartsman (Folha on line) é bacharel
em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma
Aventura no Afeganistão" em 2001.
Da Escola
Base à UTI de Curitiba
Capítulo
3:
Há 19 anos, os responsáveis pela
Escola de Educação Infantil Base foram surpreendidos por um redemoinho de
acusações, todas falsas.
Receberam reparação financeira
por danos morais mas, para as sequelas dos danos emocionais, não houve nem
haverá consolo.
No dia 19 deste mês, foi presa a
médica-chefe da UTI de um hospital universitário de Curitiba, onde atuava há
vários anos. Dias depois, o mesmo ocorreu com três outros médicos da mesma UTI.
O crime: eutanásia (abreviar a vida, sem
dor ou sofrimento, de doente incurável).
Até o dia 23, o Conselho Regional
de Medicina do Paraná nunca havia recebido denúncia contra a UTI. Com
insistência, solicitou à Polícia cópia dos autos, recebida no dia 26, por
decisão judicial.
A direção do hospital,
indiferente ao destino dos médicos, apenas comunicou mudanças na equipe.
Da mesma forma que no escândalo
da Escola Base, é possível que seja outra a verdadeira história.
Uma UTI dispõe de avançados
recursos e tratamentos de suporte a doentes em risco de vida. Os pacientes,
encaminhados à UTI, em situação crítica, têm ali maior chance de sobrevivência
que no leito comum do hospital. Apesar
disso, segundo explica o professor J. Randall Curtis, da Universidade de
Washington, na revista "Lancet", por mais avançados que sejam os
recursos de uma UTI, esse é o local onde a morte é comum e cuidados de fim de
vida são constantes.
Julio Abramczyk (Folha on line), médico formado
pela Escola Paulista de Medicina/Unifesp, faz parte do corpo clínico do
Hospital Santa Catarina, onde foi diretor-clínico. .
Capítulo 4:
A
Dignidade de Morrer
Um velho e bem-humorado clinico da
Columbia University admitiu que, comparado com seu tempo, hoje está mais difícil
morrer e que a maioria das pessoas não conseguem mais na primeira tentativa.
Na imensa gama de conquistas que tornaram
a medicina mais ousada e mais eficiente, certamente um papel importante coube à terapia intensiva, que, enriquecida de uma
tecnologia cada vez mais sofisticada, tem garantido o suporte das funções
vitais em situações absolutamente críticas e recuperado para a vida normal milhares
de pessoas, que em outras épocas morriam de mãos dadas com a família.
As famílias estavam convenientemente
condicionadas pelo irreversivel, e as lagrimas e as orações e o incenso queimando eram poções obrigatórias
de um ritual que envolvia a dor da perda inevitável, a preparação para o que acreditavam que viria depois e a
tentativa de disfarçar o inconfundível cheiro da morte.
o prestígio da
tecnologia e a divulgação dos grandes feitos da medicina moderna têm conduzido
a maioria dos leigos à ideia equivocada de que
a morte que ocorra fora das unidades de terapia imensiva significa, em
princípio, uma decorrência da subutilização dos recursos médicos disponíveis.
E com isso os medicos são muitas vezes
pressionados a levarem para a UTI pacientes moribundos, porque os familiares
inconscientemente consideram que a morte natural, cercada do carinho dos que
realmente vão lamentar a sua perda, simboliza uma desistência antecipada, com
direito a sentimento de culpa no futuro.
E o médico menos experiente, não sabendo como
manejar essa situação difícil e temendo ser acusado de omissão ou negligência,
sucumbe ao impulso de mostrar serviço e protela o sempre desconforravel exercício de impotência
que envolve o anuncio de que a morte é
inexorável.
Ignoram que a UTI não é lugar de se
morrer, mas de se lutar·contra a morte, com toda a força e desesperadamente,
mas tão-somente quando se antecipe uma vida digna depois desse enfrentamento.
Ninguem que seja portador de uma condição
clínica irreversível merece a frieza, o tumulto, a independência afetiva e a impessoalidade
de uma Unidade de Terapia Intenslva.
Os alarmes os bipes, o ruído das máquinas,
a luz constant, a proximidade da desgraça, a nudez desprotegiada, a conversa
alienada de pessoas que parecem não entender o significado dad or física nem
ter a minima ideia do que seja o medo da morte fazem da UTI o inferno terrestre
para os pacientes lúcidos.
Precisamos definitivamente entender que
toda a tecnologia maravilhosa, mas agressiva, só tem sentido para recuperar a
vida, nunca para protelar a morte.
Preservar a dignidade de morrer é
conservar-lhe a naturalidade. É fugir do horror contido no olhar perplexo
dos moribundos que, sem chance de escolha, sentem-se encurralados entre máquinas
frias e encaram-nos com o cenho franzido, o rosto encovado e o nariz
pontudo. Como uma acusação!
José Camargo (Jornal Zero Hora), Cirurgião
Torácico e Autor do Livro: "Não pensem por mim".
4 comentários:
Muito bem narrada a sua mini série; quanto mais acompanho este caso, mais concordo com o último capítulo: 1. Não queremos olhar a morte dos nossos queridos; 2)Acreditamos que é possível não enxergar a dor da morte; 3. A morte dói, mas não mata. Muito corajoso da sua parte trazer isto aqui; precisamos desesperadamente de ter dignidade diante da morte.
Marise, essa é uma discussão que vai além da medicina. Sua opinião é exatamente o objetivo deste roteiro, quando finda no último capítulo, do José Camargo (aliás, um amigo particular). Se olharmos retrogradamente, os CTIs estão repletos de pacientes sem indicação, e o abarrotamento acaba causando esse viés de interpretação: "a monstra" Dra. Virginia. Se ela, ao final, estiver com a razão, eu não sei onde vai acabar essa minissérie. Teremos farpantes capítulos. Vamos aguardar. Esse início é só um ensaio.
Caro Roger, esta médica segundo uma gravação de voz que foi exibida na televisão ela era quem escolhia quem devia morrer, salvo melhor juizo ela e ninguem tem este poder. No meu entendimento enquanto a vida existe esperança. O meu pai sofreu muito em uma UTI por causa dos médicos e atendentes que cuidavam destes doentes, não entrei na justiça contra estas pessoas porque sabia que não ia dar em nada. Esta ai o caso do "Doutor" Duciomar Costa que clinicava com diploma falso de oftalmologista e nada pegou. Infelizmente existe Médicos e médicos!
Pedro, sua opinião, eu respeito, mas o que eu estou querendo informar com esta minissérie, é uma questão mais que social, que parece estar dando um redemoinho na polícia e na nossa cabeça. O que parecia ser, parece que não é. E o que é, parece não ser. Tudo é o que te parece, mas nem sempre o que te parece, é.
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