Pierre Bourdieu foi um sociólogo francês que desenvolveu o conceito de
habitus. Sim, tem a ver com hábitos, com posturas arraigadas que acabam sendo transmitidas de uma geração a outra. Como o patrimonialismo e a safadeza entre os políticos brasileiros.
Veja-se o caso de Henrique Eduardo Alves, atual presidente da Câmara dos Deputados. O parlamentar do Rio Grande do Norte é filiado ao PMDB, o que já diz muito sobre ele. Mesmo na persistência da onda de manifestações populares por todo o país, com suas graves consequências até o momento (de mortes à súbita aprovação, pelo Congresso Nacional, de matérias do mais alto interesse dos brasileiros), o cidadão não se pejou de ir bordejar no Rio de Janeiro, com familiares e agregados, para ver a final da copa das confederações, usando um jato C-99 da Força Aérea Brasileira. Ou seja, nós, contribuintes, pagamos o lazer dos aristocratas.
Para o azar do legítimo peemedebista, a
Folha de S. Paulo estava na área e
tornou público o malfeito (ganhando
destaque até no New York Times) . Aí a coisa se resolveu, certo? Errado. Aí a coisa piorou. Porque Alves, a fim de tirar o seu da reta, mentiu descaradamente, dizendo ter
requisitado o avião porque possuía um compromisso oficial com o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.
Ocorre que nem na agenda de Alves, nem na de Paes, havia o tal compromisso. A imprensa também tornou isso público. O que havia, isto sim, era o mencionado evento esportivo, ao qual Alves e seu séquito compareceram, ocupando cadeiras comuns e não a de autoridades, a revelar que o compromisso não era
oficial. E como bons aristocratas contemporâneos, rechearam as redes sociais com fotos de seus momentos de deleite custeados com recursos públicos.
Paes ainda não admitiu a mentira. Como bom político pego coma boca na botija, tergiversou, disse que levou a família apenas porque
havia lugar no avião. Mas já que mesmo isso é um problema, então mandou pagar o valor correspondente às "passagens". Um santo, como se pode ver. Mas eu, que sou um demônio, insisto em perguntar: Não sendo a FAB uma companhia comercial, como se pode falar em "pagar passagens"? Como se chegou ao valor de 9.700 reais como despesas de viagem da patota inteira (segundo a
Folha, o custo do voo chega a 158 mil reais)? Esses valores correspondem ao preço de mercado de passagens aéreas naquela data? Nesse montante foi incluído o custo da viagem do próprio deputado, já que o mesmo, comprovadamente, não viajou a serviço? Mesmo que, hipoteticamente, não houvesse prejuízo aos cofres públicos, a requisição indevida de uma aeronave não deveria ser objeto de investigação e punição?
E a pergunta mais importante de todas: o deputado mandou pagar as despesas com recursos próprios ou com verba de gabinete ou afins? Porque se usar dinheiro público, estará colocando dinheiro no nosso bolso direito e tirando de novo, do bolso esquerdo. Que é o que normalmente eles fazem.
Eu nem vou comentar aquelas declarações genéricas de virtudes que o Código de Ética e Decoro Parlamentar manda observar. Destaco, apenas, para o seguinte:
Art. 4º Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:
I - abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1°);
V - omitir intencionalmente informação relevante ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o art. 18;
VI - praticar irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes, que afetem a dignidade da representação popular.
Art. 5º Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código:
VII - usar verbas de gabinete ou qualquer outra inerente ao exercício do cargo em desacordo com os princípios fixados no caput do art. 37 da Constituição Federal;
Nem vou falar do uso de verbas públicas, porque não sei a esse respeito. Mas até onde compreendo, mentir acerca da atividade parlamentar e da utilização de recursos públicos constitui falta grave e deveria ser punida com a perda do mandato.
Vale lembrar, ainda, que em caso de ausência ou impedimento do presidente e do vice-presidente da República, é o presidente da Câmara dos Deputados que assume o comando do país (art. 80 da Constituição de 1988). E esse é um risco que eu não gostaria de correr, mesmo considerando que o vice-presidente da República já é o peemedebista Michel Temer. Jesus...