domingo, 8 de setembro de 2013

O barbeiro-cirurgião, segundo ato

Logo após o dia amanhecer, antes do primeiro talho, Ambrósio costumava instalar a mini-caixa de som entre a parede e a pedra. Com a cumplicidade de seus pares, a benevolência dos enfermeiros e a resiliência dos enfermos de alma e de carne, Ambrósio se permitia ouvir "Il barbiere di Siviglia" (O Barbeiro de Sevilha, Rossini, 1816).  Assim disfarçava o tilintar das pinças, o fole da máquina respiratória, o gotejar do soro e o som do traçado do (próprio) coração. Eram apenas diérese, hemostasia, exérese e síntese -os fundamentos de sua ciência-, como se fossem acordes, batutas, barítonos e tenores. Era quando o barbeiro se envergava cirurgião e começava a sentir o peso da própria arte. O talho virou obra. 

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