domingo, 11 de maio de 2014

Jornalistas vão às urnas: política sindical e a ... política

Se uma eleição não rende debate, já desconfio. Eleição de uma só voz é falência política certa. Eleição de chapa única mais que modorrenta é pobre em contribuição à comunidade que representa e à comunidade onde está inserida. Não, aclamação não vale, não é eleição pra mim. Mas, convenhamos, não é qualquer tipo de debate que qualifica uma eleição. E agora quero me referir especificamente às eleições do Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjor-PA), que já começa no lucro por oferecer duas chapas ao pleito e com profissionais de peso em ambas.

O fato é que, com o aquecimento das eleições, acabamos por incorrer em erros que nós mesmos, como cidadãos, criticamos quando os cargos em jogo são para outros postos. Questionar pessoas, ao invés de questionar decisões políticas, por exemplo, é um desses erros. Usar as tradicionais táticas do fazer-se de vítima é outro absolutamente desnecessário e mesmo reprovável.

Como boa parte dos leitores do Flanar sabe - se acompanharam minha entrada no coletivo - que trabalho na Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos (SDDH) há alguns anos. Uma entidade que sempre respeitei, desde estudante, quando conheci o trabalho que ela desenvolvia e uma de suas principais ferramentas de comunicação, o Jornal Resistência. A agenda a que a entidade se dedica me toca particularmente e aqui se cruzam os dois assuntos.

Fiquei muito decepcionada ao ver que os colegas da chapa da situação optaram por levar a campanha até a Faepa e tiraram uma foto em que o presidente da entidade ruralista, Carlos Xavier, está vestido com a camisa da chapa 1, numa clara demonstração de apoio. Minha decepção está muito bem justificada no texto que a chapa de oposição produziu recentemente, depois das críticas e justificativas que vieram à baila com o episódio.

Foto: Chapa 1

Considero fundamental que os jornalistas, organizados, se abram para uma discussão fora dos seus próprios muros. Precisamos, sim, dialogar com universidades, outras entidades sindicais, entidades de base, enfim, que estejamos plenamente inseridos e articulados na sociedade em que vivemos. Mas nada justifica a relação fina com órgão patronal e ainda mais do calibre da Faepa, que no mínimo simbolicamente está do lado de quem foi condenado pela justiça paraense nessas últimas semanas - leiam-se casos Dezinho e Chacina da Fazenda Princesa.

Como disse que o texto da chapa 2 bem justificava minha decepção, posto a seguir para quem tiver interesse. Aliás, é uma bela matéria sobre o impacto do agronegócio no Pará e como a imprensa tem falhado na cobertura de temas afins.

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No último dia 06 de maio, vários jornalistas e profissionais de outras áreas foram surpreendidos pela divulgação de uma foto em que o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), Carlos Xavier, aparece vestido com a camisa de uma das chapas concorrentes à diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjor-PA).

Por baixo do paletó, o representante de um dos setores mais criticados da economia paraense exibe o slogan da chapa “Sou mais Sinjor", apoiando publicamente o grupo que o rodeia, composto por alguns candidatos e membros da atual diretoria do sindicato. A imagem, divulgada na página pessoal do assessor da federação, gerou reações e críticas de diversos colegas no Facebook, onde os jornalistas de Belém mantêm um espaço para discutir assuntos de interesse coletivo, trocar ideias sobre pautas e atuar de forma colaborativa por meio da web.

Mas, muito além da picuinha eleitoral e perseguição pessoal alegada pela chapa envolvida, o que está em jogo é uma agenda política que envolve questões maiores, como um modelo de desenvolvimento reconhecidamente predatório para a região.

Alvo de críticas

Carlos Xavier é representante e defensor do agronegócio como modelo de desenvolvimento para o campo, além de conhecido por uma posição política conservadora, manifesta em diversas declarações públicas à imprensa e em eventos, quando estão em pauta assuntos como combate ao desmatamento e medidas de enfrentamento às mudanças climáticas na Amazônia – temas sensíveis e de significativa relevância na atual agenda política dos estados do Norte.

Recentemente, também foi duramente criticado por um artigo em que defende “um legado de bons projetos e ações” do regime militar para a Amazônia, cuja história recente, mais precisamente os últimos 50 anos, é marcada por relatos de violência, exploração e morte de trabalhadores e ativistas políticos nas áreas de fronteira abertas por grandes projetos, sejam os de infraestrutura (abertura de estradas e construção de usinas hidrelétricas), agropecuários e de exploração mineral.

O universo rural não se restringe ao agronegócio, mas parece.

Na imprensa, as pautas sobre o campo comumente apresentam o agronegócio como “motor do desenvolvimento” – gerador de renda, trabalho e exemplo de produtividade – enquanto outras formas de produção, como a familiar e a extrativista, assumem a posição de miseráveis, arcaicas e improdutivas.

Além de concentrarem maior volume de recursos econômicos, ocuparem espaços políticos centrais e, por muito tempo, serem priorizados por instituições formais (linhas de crédito, normas, assistência técnica, por exemplo), esses “grandes” produtores e suas fontes aliadas são quase sempre as únicas citadas em reportagens e entrevistas veiculadas nos jornais de grande circulação.

Quando muito essas pessoas, invisíveis e desautorizadas a falar em espaços midiáticos, são substituídas por porta-vozes de organizações públicas, especialistas de gabinete, por imagens de satélite, por fotos de bichos exóticos, plantas e paisagens naturais.

Excluídos

No entanto, há décadas, estudiosos e grupos de pesquisa das áreas de Sociologia e Economia Rural, assim como da Ecologia Amazônica, assumem um discurso que contraria o que até então vem sendo assumido como “verdade” nas páginas e programações jornalísticas.

O economista Thomas Hurtienne (in memoriam), por exemplo, revela em sua obra que técnicas e o próprio trato dos agricultores familiares com a terra costumam levar em conta as peculiaridades ambientais das áreas em que atuam, utilizando as áreas e os recursos da floresta com eficiência. Para isso, muitos lançam mão de uma sabedoria peculiar quanto aos processos naturais e produtivos, manejando os recursos sem comprometer a capacidade de usufruto em tempos futuros.

Em sua sofisticada e extensa produção, o professor Francisco de Assis Costa, em uma publicação assinada com a geógrafa falecida Bertha Becker, vai além: diferencia grupos patronais e camponeses que atuam em atividades como pecuária de corte e leite, manejo de sistemas agroflorestais (combinação entre áreas de plantios e florestas) e grandes plantações, comparando o desempenho deles em aspectos como geração de trabalho, renda, degradação da terra e emissão de gases causadores do efeito estufa à atmosfera, além dos incentivos institucionais disponíveis (especialmente o crédito).E, para quem tem como referências apenas os espaços tradicionais de informação, os resultados são surpreendentes.

Mesmo dispondo de menos incentivos, os pequenos produtores envolvidos com agricultura permanente (a de plantios de longa duração) e produção de leite, assim como os que manejam sistemas agroflorestais, demonstraram desempenhos bastante significativos quando considerados os valores brutos e empregos gerados, sem maiores impactos sobre a terra e contribuições com a emissão de gases responsáveis pelo aumento da temperatura global.

Além disso, eles demonstram habilidade de diversificar a produção, assim como eficiência na gestão do trabalho e no uso das áreas disponíveis.

O último censo agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) em 2006, aponta na mesma direção, demonstrando que, apesar de cultivar uma menor área com lavouras e pastagens, a agricultura familiar é responsável por garantir boa parte da segurança alimentar do país ao fornecer alimentos para o mercado interno.

No entanto, como contraponto à alta produtividade, os agricultores familiares, junto com extrativistas, produtores de mel ou produtores que já tinham encerrado sua produção em áreas temporárias, formavam um contingente de 255 mil produtores sem terras.
Esse aumento das tensões no interior da Amazônia foi novamente denunciado por um documento divulgado no ano passado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Intitulado “Conflitos no Campo Brasil 2013”, o relatório alerta para um significativo salto nos números de expulsões e despejos na região em relação a 2012, ao contrário do que foi detectado no restante do país.

Na Amazônia, de modo geral, a quantidade de famílias expulsas cresceu 11% e o de famílias despejadas, 76%, passando de 1.795 para 3.167. As taxas para o número de famílias com casas destruídas chegaram a 126%, e as com bens destruídos, 19%.

São alarmantes também os dados que mostram que 20 dos 34 assassinatos no campo se deram na região, onde estão as 174 das 241 pessoas ameaçadas de morte, 63 dos 143 presos, e 129 dos 243 agredidos.

Diante desse contexto de desigualdade e exclusão, outro tipo de violência (dessa vez simbólica) se estende aos meios de comunicação de massa, onde pequenos produtores e trabalhadores rurais, junto com outros grupos como indígenas, atingidos por barragens, quilombolas, entre outros, permanecem invisíveis num cotidiano de publicações diárias que atrelam suas agendas aos interesses de grupos econômicos dominantes e patronais, sem dar conta da diversidade da vida no interior do estado.

Qual a função do jornalismo nesse universo?

O universo rural da Amazônia continua a ser hoje muito mais dinâmico em termos de diversidade de agentes, atividades e contribuições de cada um com a economia e a sociedade, de modo geral, do que o jornalismo factual paraense compreende em suas páginas e programas diários.

Continuará muito além sempre que esses veículos de comunicação se atrelarem a grupos de interesse, entre os quais – formalmente ou não – ainda hoje circulam nomes associados a atividades ilegais como a exploração do trabalho em condições análogas a de escravos, a grilagem de terras públicas, conflitos por terra e expropriação de comunidades indígenas, de antigos colonos e pequenos produtores.

E mais: por seu papel de mediador no processo de construção social, cultural e simbólica, cabe ao jornalismo tanto a opção de dar voz como a de seguir pela contramão – o silenciamento – , de apresentar diferentes pontos de vistas e visões de mundo para melhor informar ou reforçar preconceitos que reforçam o status quo e perversos esquemas de dominação.

Ao jornalista resta o exercício da reflexão crítica e da avaliação sobre qual desses caminhos percorrer. Sem esquecer que sua principal função social envolve o atendimento ao direito básico do homem de acessar livremente à informação, como pressuposto essencial ao desenvolvimento da própria vida e à participação política de qualidade em um contexto democrático.

Foto com Carlos Xavier: ingenuidade ou Indiferença?

Qualquer que seja a resposta, nós da Chapa 2 consideramos que nenhuma delas ajuda a criar condições para um debate maduro sobre questões tão importantes para a agenda midiática e política da região. E mais: a indiferença em relação aos efeitos políticos que essas alianças podem gerar demonstra o descompromisso com questões maiores e de interesse público, que extrapolam em muito as questões estritamente profissionais.

“A ignorância, João, por mais que nos entristeça, ainda é perdoável, num país que só agora vem descobrindo a necessidade de escola para todos. Mas a indiferença, perante o sofrimento e a destruição, é um sentimento maldoso” (Carta de Thiago de Mello a João Meirelles; Prefácio de “O Livro de Ouro da Amazônia”).

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