Assim que acabo de folhear poemas de Quintana me vem
a prosa sagaz de Varga Llosa, logo na primeira linha de “Tia Julia e o escrevinhador”: En
ese tiempo remoto, yo era muy joven […]. Sem dó, o tilintar da campainha da infância e adolescência ressoam. Enxugo as lágrimas de um tempo que se
esvaiu na poeira da estrada sem asfalto, e tudo vira memória coagulada.
E de toda infância, a do Acre marcou feito
tatuagem no peito, grafando: frágil. Meus irmãos David e Paulo vez por outra
abrem meu peito com as lâminas do passado e voltam a falar do cine Menezes com
o paladino Giuliano Gema, dos Índios às margens do rio Envira e do próprio rio quando alagava
a frente da cidade, que se chama Feijó. Também se danam a falar dos
primeiros passos na sala de aula, e que eu temia o colégio como se fosse um
calabouço.
Também riem de certa história em que nossa mãe entrou na sala de aula só para ficar ao meu lado para que eu assistisse à aula e aceitasse de vez os cadernos. De fato, espantava-me só de pensar que iria viver submetido ao regime de uma campainha e 15 minutos de recreio para comer pão-doce com Q-suco de groselha embrulhados na merendeira. Hoje é engraçado, confesso, mas en ese tiempo remoto, yo era muy joven e não aceitava.
Também riem de certa história em que nossa mãe entrou na sala de aula só para ficar ao meu lado para que eu assistisse à aula e aceitasse de vez os cadernos. De fato, espantava-me só de pensar que iria viver submetido ao regime de uma campainha e 15 minutos de recreio para comer pão-doce com Q-suco de groselha embrulhados na merendeira. Hoje é engraçado, confesso, mas en ese tiempo remoto, yo era muy joven e não aceitava.
Não lembro, mas minha mãe diz que cheguei a repetir a primeira série e, a partir daquele ano e um senhor puxão de orelha do papai, eu me
desembestei a estudar. Meu pai dizia que o estudo era minha possibilidade de
gozar uma vida livre, e que eu, o mais velho da prole, serviria de molde para
os irmãos.
A partir de então virei rato de biblioteca. Gostava daquela descoberta
do Robert Hook, quando olhou no microscópio um pedaço de casca de árvore e descreveu
a célula. Fascinante. Queria também saber que geringonça era microscópio. A
ciência de Galileu sempre me fascinou; até bem mais que a poesia de Quintana. A
única coisa que não me fascinava era a eletricidade daquela cidade interiorana,
que sempre acabava no melhor da leitura. Era quando eu saia à praça pra brincar
de esconde-esconde com os irmãos, iluminado apenas pelo farol da lua e
os vaga-lumes.
Mas lembro perfeitamente quando a professora
Irineia me fez certo elogio por responder aquela tabuada da casa dos nove, que
havia decorado com minha mãe, e também às perguntas de citologia que havia lido na
pequena biblioteca local. Desde aí imprimi um beat acelerado até chegar à Universidade.
Mas neste intervalo teve uma pedra no caminho: mudança
para Belém, lá pelos 13-14 anos. Meu pai, entusiasmado por nossa capacidade, gostaria
que estudássemos no colégio Marista, mesmo sem saber se teria condições de pagar.
A questão empacou pois tínhamos que fazer um teste por termos vindo do
interior e estudado em colégio público. Sem direito a cota, tomamos ferro eu e David.
De tudo aquilo que nosso pai achava ser suficiente, virou balela. Colocamos o
rabo entre as pernas e fomos estudar no Benjamin Constant, até uma próxima
investida.
Foi quando, ainda inconformados, nossos pais pediram à
Julia Capeloni que ajudasse. Tia Julia, irmã santarena da Mamãe, arrumou duas
vagas com bolsa, ano seguinte, no Colégio Moderno, com a condição que Clodomir
Colino, então diretor e amigo, impôs: só permanecer se tivessem boas notas.
Tia Julia, que fez aniversário esses dias, apostou
cegamente nesse périplo. Ela é essa peregrina que empresta a luz de seus
olhos para alumiar caminhos alheios, mesmo os caminhos à luz de lua e vaga-lumes.
Labareda, do bando de Corisco