domingo, 18 de setembro de 2016

Perdidos em Abey Road; achados no Cavern Club

Andando pelo mundo, na lonjura dos meus rincões, vou beirando terras de outros, feito tapuio cosmopolita.  Ao descer do vagão e pisar no chão alheio, costumo atracar meu pericárdio com tachinhas de afixar recado na parede. Bastam quatro delas nos pontos cardeais e pronto, tá lá meu pericárdio, enraizado naquele pedaço de chão, deixando meu coração se levar no rumo das sensações sensoriais e no semblante da cidade. Os suspiros acompanham cada sístole, e a diástole, para cada sopro de emoção.
Foi assim da última, quando pisei na Liverpool Lime Street, a estação de trem da terra dos Beatles. Tinha vindo de Manchester, ao custo de três pounds, para conhecer o Museu da Indústria e da ciência - aquele da revolução industrial- e também para bater uma bola com Sir Alex Ferguson e Bob Charlton, no Old Trafford e satisfazer a felicidade de meu Danilo, torcedor do Manchester, mas um tantinho distante da história dos Beatles.
Para quem é fã, Liverpool dispensa apresentação: foi lá que tudo começou. Isso já é o bastante para uma passagem - ou peregrinação – a esta cidade britânica dentro de um clássico London Cab, modelo FX-4. Para quem não se importa tanto, Liverpool pode não ser uma escolha turística, já que não tem o charme das pequenas vilas do interior, tampouco a beleza e a tradição das grandes cidades, mas se andarmos por outros bairros percebe-se o ar de vilarejo. Essa atmosfera colimante foi onde se ameninaram Ringo e George Harrison.

Andamos por esses espaços para fazemos o trajeto da infância e adolescência dos garotos de Liverpool. Senti Penny Lane nos meus olhos e na minha audição; Strawberry fields ficaram eternamente tatuados no ponto mais alto do meu pericárdio. A minha respiração parou na paróquia onde está sepultada Eleanor Rigby. Lá Paul e John, por meio do Querrymen, celebraram a amizade. O nome do grupo foi inspirado na escola Quarry Bank, onde Lennon e os integrantes estudavam. A banda ainda existe e foi Paul quem o raptou do grupo, para renascer nos Beatles. A gente tinha a sensação de estar participando do clipe de Free as a bird, nas asas do corvo de Edgar Alan Poe.
Passamos o dia inteiro nesta jornada, mesmo no meu inglês reumático, misturado com tapioca e açaí do grosso. Ainda bem que tinha o Danilo me dando suporte na tradução, do contrário não me emocionaria com a história de In my life.  
Na volta sentamos na cavernosa casa de show onde tudo começou, e tomamos uma Pride a cinco libras, para comemorar o passeio. Depois saímos flanando pela Mathews a burilar souvenirs. Aquelas esquinas não escondem a felicidade de tê-los celebrado e, vez por outra, nos deparamos com alguém de jaquetas e óculos de Jonh, ou algum músico com o corte de cabelo do Paul a cantar Here comes the Sun, revigorados pelo tilintar de moedinhas.
Após a jornada, retomamos a estação. Percebi que Danilo começava a entender a minha geração, bitolada em tanta musicalidade. Mais que isso, ele se viu emocionado diante das pegadas deixadas por Lennon e McCArtney na casa da Forthlin Road, onde Paul viveu com a família adotiva. Considera-se que ali foi o nascimento da banda e reza que compuseram mais de 100 músicas.

A visita é restrita, mas juro que deu vontade de escalar aquele muro e entrar pela janela, como faziam Paul e John, matando aula. Não fiz pelo risco de machucar o joelho, que anda sentindo as dores das estripulias de outrora. Também tinha o risco de chegar lá e ter um espasmo coronariano. Foi melhor assim: enxugar a emoção desse passado com lenços da sonata de Let it Be.

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