No dia em que muitos brasileiros tinham a obrigação de depositar seu voto nas urnas do segundo turno das eleições municipais no país, a alagoana Nise da Silveira completou 17 anos de falecida. Minha memória provavelmente não me permitiria lembrar dessa data se eu não tivesse acabado de ler o livro sobre a “psiquiatra rebelde”, assinada por Luiz Carlos Mello, sugerido e emprestado a mim pelo meu irmão Murilo, um leitor voraz.
Há muitos anos eu já havia lido algumas poucas coisas sobre o trabalho de Nise, que inspirou recentemente um filme sobre sua vida. Bom e fiel a muito do que li sobre ela, por sinal. Mas nada comparado ao que o livro me proporcionou. Uma delícia de leitura! Contém muito de escritos dela mesma, tanto que dá pra esquecer que o livro é de Luiz Mello. Que escrita emocionante e límpida! Tão clara que nem parece conter a densidade de conhecimentos que apresenta.
Não bastasse a belezura, o conteúdo da obra “Nise da Silveira. Caminhos de uma psiquiatra rebelde” (2014, Automatica Edições Ltda) é extremamente instigante. Permite a discussão de diversos temas, além do que notoriamente está posto em questão, que é a metodologia de tratamento de esquizofrênicos numa época não tão remota e o esforço monumental da alagoana por desenvolver uma forma diferente de relação com internos em centros especializados da qual fez parte no Rio de Janeiro.
Parêntese Um: foi por se permitir ler obras então criminalizadas pela ditadura militar que imperava no Brasil que Nise chegou a ser presa e compartilhar cela com a escritora e jornalista paraense Eneida de Moraes. Ficou detida por um ano.
Nise era aprendiz e mestre ao mesmo tempo, e desbravou um nicho que ainda lhe exigia enfrentar o machismo. Não duvidou em estudar Medicina, mesmo sendo a única mulher da turma. Não duvidou em abrir mão de estatus privilegiado entre homens - que se vangloriavam em adotar as mais novas tecnologias oferecidas pelo mercado para esquizofrênicos, como a lobotomia – e cuidar do então chamado centro de terapia ocupacional criado para quem ela insistia em chamar de clientes. Ela não titubeou em enfrentar colegas de profissão por diversas vezes. Uma ousadia... uma coragem invejável!
Parêntese Dois: barrada de um primeiro congresso internacional pelos próprios colegas de casa, preparou-se para o próximo que seria realizado sete anos depois. Sete anos! É muita determinação. E ela foi e arrasou.
Quando viu nos estudos de Carl Jung uma possibilidade para aprofundar seu saber, foi continente adiante e foi muito bem recebida por cartas e pessoalmente. Quando via na articulação com artistas a chance de expandir suas propostas e melhorar a qualidade de vida de quem aceitou se inserir em seus ateliês, também superava cada barreira que colocavam em sua rota. Impossível não admirar essa mulher.
Nise talvez seja mais conhecida entre os ativistas da luta antimanicomial. Mas me parece muito pouco conhecida para tamanha contribuição que deu não só na terapia junto a quem era diagnosticado com esquizofrenia, mas para tamanha contribuição que deu, isso sim, para iluminar a forma de relação entre seres humanos, nossa maneira de lidar uns com os outros. Esse é um desafio e tanto.
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