domingo, 8 de novembro de 2020

Passeio dominical de um apanhador de mangas.

Não me venha com loxias! 
Conselho que não entendo, 
não me praz: é agouro!
Guimarães Rosa, em: "Urubuquaquá, no pinhém

    Recebi de um amigo, neste domingo, ainda cedo, um texto do excelente Alexandre Garcia sobre a pandemia. Craque com as palavras, Garcia é capaz de driblar nossos neurônios com frases estonteantes e fazer gols de letra: “higiene neurótica impede que o corpo crie anticorpos”.

Mas não é pelo fato ser craque que eu não possa roubar-lhe a bola, mesmo que tenha que dar uma canelada - ou uma caneta. Faz parte do futebol; é do jornalismo.

Recebi o texto quando já estava de volta para casa nesta manhã de domingo, após passar visita em meus pacientes operados e em alguns amigos que foram infectados pelo SARSCoV2, mas que andam pagando uma etapa no CTI e Unidades Intermediárias.

Deixei aquele texto pregado na tela do computador e saí para dar a caminhada. Nesta época gosto de voltar pela Generalíssimo para apanhar mangas que vão ao chão e se debruçam sobre as calçadas. Juntei umas cinco entre bolso e a própria mão. Pra semana já tenho boa sobremesa.

Enquanto juntava as mangas cegava-me a imagem do texto. A dúvida era hamletiana: respondo ou não. Será que meu amigo ficaria aborrecido... O Alexandre sei que não, pois ele já deve estar acostumado a ler estes escritos das cavernas e levar botinadas de zagueiros sem recursos nas letras, tal como eu. Mas queria mesmo era falar ao amigo, que segue enclausurado com RT-PCR positivo para o dito-cujo. Diga-se: está enclausurado para não contaminar mais ninguém.

Então juntei umas palavras toscas e uns pensamentos de jogador-sem-recurso e pus no meu alforje, que carrego à sombra da ciência. Decidi responder ao amigo.

Segue...

O Garcia escreveu um texto jornalístico, não um texto científico. Isso é a primeira coisa que vi, apesar de ter feito poucas referências a artigos. Mas escreveu com uma primazia que certamente deve ter deixado meu amigo desassossegado. Tem mais: ainda escreveu acima do cabeçalho com esferográfica: “eu já sabia desde o dia 19/03/2020”. Pergunto por onde anda a verdade e essa tal sabedoria embasada no texto jornalístico.

Como o meu lado dominante é a ciência, sob a base socrática “Só sei que nada sei”, nem por isso deixo de ler outras coisas que representem o pensamento da humanidade. Pus-me, sem infectar ninguém, a buscar saber o que é SABER ou VERDADE, nesse terreno baldio da epidemia.

Repensar todos os caminhos percorridos pela ciência ao longo de tantos séculos, assim como leituras filosóficas, era minha missão quando chegasse em casa. Lá terei cancha para rever o tema. A começar por Karl Popper, fundador do cientificismo, a Mario Bunge, que conceituou cientificismo como “a concepção segundo a qual a investigação científica é o melhor modo de se assegurar um conhecimento factual preciso”. O cientificismo vem do positivismo lógico como braço do Iluminismo, na incessante busca da razão. Sou fã não só desses dois estudiosos, mas também de toda corrente positivista fundada por Augusto Comte, cuja razão, sob o pêndulo do Garcia, mais parece loxia, se consultarmos o léxico de Guimarães Rosa.

Portanto, voltando a apanhar mangas, posso dizer que a dita-verdade apregoada no texto em epígrafe, não é absoluta, independente de não discordar, mas ver os amigos de futebol olhando pelo canto do olho para o tubo, ou seja, à beira da entubação - ou da cova, como ele mesmo cita – me faz rever as verdades daquele texto. O que precisamos, de fato, é de um registro científico acerca do tema, ou seja: vamos sendo imunizados pelas ruas ou preferirmos nos trancafiar em casa a esperar a vacina. Mas não é só ciência por ciência, é pôr o registro do Campelo em parelha com uma revisão sistemática, ou outro pesquisador, para se tirar conclusões do que é melhor.

E sobre as máscaras. Perguntei ao prof. David Normando, da UFPA, dada nossa convivência bem próxima e que recentemente publicou um artigo internacional de revisão sistemática sobre o uso de máscaras. Ele me respondeu o seguinte: “Prefiro a filosofia do só sei que nada sei”. Completou: “Estou cansado e até impaciente com o descarte da ciência.” Embora seja um pensamento de Sócrates, a frase é um trocadilho proposital com Reneè Descartes.

Mas tudo bem... É jornalismo e o dom de conseguir driblar os pensamentos com as palavras só pertence a craques. Entretanto para ele me fazer acreditar precisamos pesquisar e a pandemia criou um campo com arquibancada bastante adequado para isso, mas o que fazemos é apenas negar a ciência, ou seja, deixar a arquibancada vazia de verdades. Precisa-se das revisões sistemáticas, se tiver, e citar outros estudos. Neste casos, para mim, estamos abjurando a filosofia positivista.

Se chamarmos as universidades para produzir essa resposta, quem surgirá será Drummond: “Minas não há mais, José, para onde...”. Porque  não há pesquisa e aí não posso desdizer o que o Garcia escreveu, mas me dêem o direito também de desconfiar, pois do outro lado tem o humanismo, irmandade e um bando de gente jovem no meio da rua, pagando uma etapa nos hospitais para serem imunizados em doses cavalares, sem direito a pinote - Aí ninguém merece chupar essa manga!

Nenhum comentário: