Recebi
de um amigo, neste domingo, ainda cedo, um texto do excelente Alexandre Garcia
sobre a pandemia. Craque com as palavras, Garcia é capaz de driblar nossos
neurônios com frases estonteantes e fazer gols de letra: “higiene neurótica
impede que o corpo crie anticorpos”.
Mas não é pelo fato ser craque que eu não possa roubar-lhe
a bola, mesmo que tenha que dar uma canelada - ou uma caneta. Faz parte do futebol; é do
jornalismo.
Recebi o texto quando já estava de volta para casa
nesta manhã de domingo, após passar visita em meus pacientes operados e em
alguns amigos que foram infectados pelo SARSCoV2, mas que andam pagando uma
etapa no CTI e Unidades Intermediárias.
Deixei aquele texto pregado na tela do computador e
saí para dar a caminhada. Nesta época gosto de voltar pela Generalíssimo para
apanhar mangas que vão ao chão e se debruçam sobre as calçadas. Juntei umas
cinco entre bolso e a própria mão. Pra semana já tenho boa sobremesa.
Enquanto juntava as mangas cegava-me a imagem do
texto. A dúvida era hamletiana: respondo ou não. Será que meu amigo ficaria
aborrecido... O Alexandre sei que não, pois ele já deve estar acostumado a ler
estes escritos das cavernas e levar botinadas de zagueiros sem recursos nas
letras, tal como eu. Mas queria mesmo era falar ao amigo, que segue
enclausurado com RT-PCR positivo para o dito-cujo. Diga-se: está enclausurado
para não contaminar mais ninguém.
Então juntei umas palavras toscas e uns pensamentos
de jogador-sem-recurso e pus no meu alforje, que carrego à sombra da ciência.
Decidi responder ao amigo.
Segue...
O Garcia escreveu um texto jornalístico, não um
texto científico. Isso é a primeira coisa que vi, apesar de ter feito poucas
referências a artigos. Mas escreveu com uma primazia que certamente deve ter
deixado meu amigo desassossegado. Tem mais: ainda escreveu acima do cabeçalho
com esferográfica: “eu já sabia desde o dia 19/03/2020”. Pergunto por onde anda a
verdade e essa tal sabedoria embasada no texto jornalístico.
Como o meu lado dominante é a ciência, sob a base
socrática “Só sei que nada sei”, nem por isso deixo de ler outras coisas que
representem o pensamento da humanidade. Pus-me, sem infectar ninguém, a buscar
saber o que é SABER ou VERDADE, nesse terreno baldio da epidemia.
Repensar todos os caminhos percorridos pela ciência
ao longo de tantos séculos, assim como leituras filosóficas, era minha missão
quando chegasse em casa. Lá terei cancha para rever o tema. A começar por Karl
Popper, fundador do cientificismo, a Mario Bunge, que conceituou cientificismo
como “a concepção segundo a qual a investigação científica é o melhor modo de
se assegurar um conhecimento factual preciso”. O cientificismo vem do
positivismo lógico como braço do Iluminismo, na incessante busca da razão. Sou
fã não só desses dois estudiosos, mas também de toda corrente positivista
fundada por Augusto Comte, cuja razão, sob o pêndulo do Garcia, mais parece
loxia, se consultarmos o léxico de Guimarães Rosa.
Portanto,
voltando a apanhar mangas, posso dizer que a dita-verdade apregoada no texto em
epígrafe, não é absoluta, independente de não discordar, mas ver os amigos de
futebol olhando pelo canto do olho para o tubo, ou seja, à beira da entubação -
ou da cova, como ele mesmo cita – me faz rever as verdades daquele texto. O que
precisamos, de fato, é de um registro científico acerca do tema, ou seja: vamos
sendo imunizados pelas ruas ou preferirmos nos trancafiar em casa a esperar a
vacina. Mas não é só ciência por ciência, é pôr o registro do Campelo em
parelha com uma revisão sistemática, ou outro pesquisador, para se tirar
conclusões do que é melhor.
E sobre as
máscaras. Perguntei ao prof. David Normando, da UFPA, dada nossa convivência
bem próxima e que recentemente publicou um artigo internacional de revisão
sistemática sobre o uso de máscaras. Ele me respondeu o seguinte: “Prefiro a
filosofia do só sei que nada sei”. Completou: “Estou cansado e até impaciente
com o descarte da ciência.” Embora seja um pensamento de Sócrates, a frase é um
trocadilho proposital com Reneè Descartes.
Mas tudo
bem... É jornalismo e o dom de conseguir driblar os pensamentos com as palavras
só pertence a craques. Entretanto para ele me fazer
acreditar precisamos pesquisar e a pandemia criou um campo com arquibancada bastante adequado para isso,
mas o que fazemos é apenas negar a ciência, ou seja, deixar a arquibancada vazia de verdades. Precisa-se das revisões sistemáticas,
se tiver, e citar outros estudos. Neste casos, para mim, estamos abjurando a filosofia positivista.
Se chamarmos as universidades para produzir essa resposta, quem surgirá será Drummond: “Minas não há mais, José, para onde...”. Porque não há pesquisa e aí não
posso desdizer o que o Garcia escreveu, mas me dêem o direito também de
desconfiar, pois do outro lado tem o humanismo, irmandade e um bando de gente
jovem no meio da rua, pagando uma etapa nos hospitais para serem imunizados em
doses cavalares, sem direito a pinote - Aí ninguém merece chupar essa manga!
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