domingo, 4 de janeiro de 2009

Mosqueiro: vá sim. Mas exija limites de todos!

Sou frequentador de Mosqueiro desde a mais tenra idade, quando meus pais construíram uma casa, em uma frequentada praia da ilha. Isso, numa época onde não havia luz elétrica e nem água encanada. Aliás, apenas um único veículo (uma Rural verde do Ceci), circulava pela ilha levando os visitantes que chegavam através do navio Presidente Vargas, aos rincões mais longínquos. Lembro-me como se fosse hoje, que meu pai utilizava os lampiões à querosene e tinha um poço artesiano, que no início, funcionava através de bombeamento manual de água para a caixa. É isso mesmo! Pagava um nativo, forte feito um cavalo, para bombear água às 6 h da manhã e às 6 da tarde. Era o "caçamba", apelido que ele mesmo utilizava para se apresentar ao serviço.

Depois, muito depois, veio a ponte, e com ela, os demais serviços públicos como luz elétrica, água encanada e finalmente, o telefone. Estes serviços foram muito bem vindos tanto aos que moram quanto aos que utilizam a ilha para seu descanso. E todos puderam de fato progredir e usufruir destes avanços. Longe de mim, justo eu, um saudosismo pelo primitivo ambiente da ilha, à ponto de atravancar os "avanços" para aquela região. Muito embora, seja de opinião que alguns lugares devam mesmo ser preservados da barbárie humana. Mas Mosqueiro, pode perfeitamente adaptar-se as novas necessidades, sem que para isso, instale-se a ditadura de um setor da sociedade sobre outro. Está em questão portanto, a definição de "avanço".

Todos podem e tem o direito de usufruir de suas delícias. E para isso, tanto o poder público quanto o homem, devem estar atentos. O primeiro, tem maior responsabilidade pois tem poder de estruturação, planejamento, de educação, de legislação e de fiscalização. O segundo tem no mínimo, um dever ético (definido como "a consciência do outro") de respeitar o próximo e o bem comum. No mínimo.

Mas ao longo de alguns anos, a ilha vem sendo sim maltratada. Não só pelo funcionamento cada vez mais precário destes mesmos serviços, bem como pelo próprio homem que a frequenta.
Não que se trate de alguma anomalia exclusiva de Mosqueiro. É óbvio que não. Longe de mim simplificar as coisas. É complexa a questão sim. E por isso mesmo, cabe a discussão.

Há tempos, o ex-prefeito Hélio Gueiros, alegando uma "queda pessoal" pela ilha e seus encantos, levou o carnaval de Belém para a orla. Mas como sempre parecem fazer, as autoridades incorrem no mesmo erro: atraem uma horda de frequentadores de ocasião, sem que a ilha tenha a estrutura adequada para recebê-los. E quando digo estrutura, digo não só luz e água. Mas também policiamento ostensivo para coibir os abusos e outros crimes, daqueles que se aproveitam exatamente disso. Onde existe álcool em profusão, música em profusão e, uma boa motivação, advinhem o que pode acontecer? Excessos.

A questão dos veículos com sons automotivos super-hiper dimensionados, é antiquíssima. É um excesso flagrante e contumaz. E posso afirmar que contribui muitíssimo para a insalubridade crescente daquele lugar. E isso, certamente, não é privilégio de Mosqueiro. Belém é uma cidade barulhenta. Mas tanto em Mosqueiro quanto em Belém, carros parados à porta de sua casa, com som em altíssimo volume, à ponto de fazer tremer as janelas, é algo definitivamente inaceitável. É avançar ilegalmente em cima do meu direito líquido e certo de viver em paz em minha casa.

Ao longo de anos, enfrentando com a devida cautela o problema, já tentamos todas as maneiras possíveis de abordar os infratores amigavelmente. Mas sempre, mesmo quando "pedimos" que diminuam o volume para algo tolerável, sofremos em 90% das vezes, ameaças de agressão. Agora, não mais perdemos tempo. Chamamos a polícia. E esta, vez por outra, atende. Outras tantas, não. E aí? Confesso que neste último caso, já imaginei uma máquina de atirar ovos nos carros. Mas certamente, não seria a melhor solução não é verdade?

Focando especificamente o Mosqueiro, sou historicamente sensível a necessidade de gerar renda para aquela comunidade de residentes, com a qual convivo há 46 anos. Mantenho-me disposto a ajudá-los a manter seu ganha-pão. Mas não poderia concordar com nenhuma solução intrusiva, sem que limites mínimos fossem respeitados. Não radicalizem, portanto. Assim, continuarão contando com minha tolerância.

É interessante que, neste ponto, a questão parece encontrar alguma similaridade com a dos camelôs na Avenida Presidente Vargas. Em nome da necessidade, da busca de alternativas para o pequeno comércio, do "pelo menos não vou roubar", aplicam-se soluções desproporcionais, que desrespeitam o bem comum.

Mas não vou mais me alongar. Há quem apareça para dizer que estaria interessado em atacar de morte o suado provento dos "pequenos" comerciantes de Mosqueiro. Desde já, minha declarada disposição em garantir seus proventos. E eles, se de fato zelam por seus interesses, deveriam unir-se aos que desejam luz, água, saúde, policiamento com repressão sistemática aos excessos.
E neste sentido, uno-me aos interesses daqueles que lá residem, desde que unam-se aos meus, que lá procuro um lugar para descanso também. E neste sentido, garanto o "ganha-pão" dos comerciantes, deixando de ir nos períodos mais agitados. Mas faço a mais absoluta questão da aplicação das leis que regem a poluição sonora e ambiental.

Portanto, vá sim em Mosqueiro. Mas não admita os abusos. Venham de onde vier. Do poder público, ou do próprio homem.
Mas no reveillon, pessoalmente, nem se preocupem. Não mais irei lá, incomodar.

15 comentários:

Anônimo disse...

Você já começou a explicar o tal do círculo indestrutível...

Yúdice Andrade disse...

O problema é a merda da mentalidade local. Assim mesmo, sem meias palavras. Há locais neste país em que o caráter edênico da paisagem - mas sobretudo o amor sincero das pessoas pelo lugar onde vivem - faz com que os próprios habitantes entendam que é melhor para todos preservá-lo dos abusos. E eles entendem que é dessa forma que podem ganhar dinheiro.
Os moradores - as pessoas que têm um direito natural a explorar economicamente o lugar - passam a auferir renda com ele através da natureza preservada, do silêncio, das atividades artesanais, etc. É isso que eles vendem. São esses lugares, por mais rústicos que sejam, que acabam nos guias de lugares que você deve conhecer, se tiver oportunidade.
Mas aqui, onde a egolatria prepondera sobre tudo, o que interessa é a esculhambação. Há praia? Vamos enchê-la de carros. Há carros? Vamos transformá-los em aparelhagens móveis. Há chances? Vamos abrir uma barraca de qualquer porcaria em cada milímetro livre que encontrarmos. E quem se opuser a isso deve ser tratado como mesquinho, palhaço, saco de pancadas.
Por que será que Mosqueiro, linda como é, não aparece nos ditos guias turísticos? Só por causa do tão decantado preconceito contra os paraenses?

Carlos Barretto  disse...

Este é certamente um dos modelos que acharia plausível para o Mosqueiro, Yúdice.
O atual, necessita de urgentes reparos. As distorções e abusos são muitas. E muitos, ainda se aproveitam de alguns raros momentos onde a barbárie gera algum ruído de maior alcance, para tirar proveito da situação, acenando com a defesa dos nativos. O objetivo é claro. Desfocar a questão e defender interesses estranhos, talvez mal intencionados, trazendo para si, a defesa daquela comunidade que de fato necessita não só de renda, mas também de dignidade.
Mas podem ser alcançados por alguma política pública não predatória, capaz de lhes gerar a renda devida sem barbarizar a ilha, deixando os dejetos e mau cheiro de sempre.
E o amanhecer no Mosqueiro no "day after" é sempre desolador. O silêncio que se segue às batalhas. Mau cheiro, vidros quebrados pela praia, muitas vezes, cortando os próprios pés dos amalucados.
Em nome da "geração de renda", pura e simples, assim exposta, não sacrificaria a ilha.

Abs

Scylla Lage Neto disse...

Hey, Charlie, talvez por frequentarmos a mesma praia há décadas, penso exatamente como você.
As palavras do Yúdice foram direto ao ponto. As minhas dúvidas são: a mentalidade mudará? E se tal acontecer, será para melhor? Seremos nós apenas saudosistas
de uma ilha onírica, de tantas lembranças boas? Terá o Mosqueiro atingido um ponto irremediavelmente descendente na sua curva histórica?
Francamente, espero que não.
Continuemos então indo ao Mosqueiro! Nem que seja apenas para resgatar as nossas unidades de memória...
Um abraço.

Anônimo disse...

Mosqueiro nunca mais será a dos Farazinhos!

Nunca mais teremos caranguejos andando, de noite, pelas ruas, com velas acesas sobre os cascos!

Nunca mais teremos "a vila", com sua roda gigante de 10 metros, carrinhos bate-bate, dados do flamengo-vasco-botafogo-remo-paysandu (os de fora, vale o dobro, os de dentro, vale o quádruplo, mas só o dado vermelho!), com seu algodão-doce cor-de-rosa de anelina...

Daquelas corrida, debaixo do toró, até a praia para jogar uma pelada, de lei, mas quem ganha tem direito de atacar no rumo da decida...

Outra Mosqueiro nunca mais!

Frederico Guerreiro disse...

Saudações, meu caro!
Há um ponto interessante que, fora a falta de educação e de uma cultura de preservação ambiental, em tese, explicaria o comportamento das pessoas em relação não só a Mosqueiro, como também a todo e qualquer lugar onde as "tribos" se reúnam para se excederem: ganhamos as liberdades que desejávamos nas décadas de 1970 e 1980 para os nosso filhos, demos-lhes os meios para exercê-las, mas perdemos a autoridade do poder público para limitá-las e o pátrio poder de educar (não especialmente eu, você e os amigos que comentaram, é claro - falo de um modo geral).
A impunidade é gasolina na fogueira das liberdades, dos excessos. Quando um povo não sabe viver em liberdade, dá nisso tudo a que você se referiu na postagem.
Paro por aqui porque o que mais teria a dizer vai de encontro aos direitos humanos daqueles que não respeitam o meu direito humano de ter um meio ambiente saudável, de ter preservado meu direito humano de privacidade e intimidade.
Abraço

Anônimo disse...

Caro Carlos,

sobre a minha admiração por Mosqueiro, já comentei aqui com você diversas vezes. E tenho certeza que não há lugar tão bonito por características tão peculiares - aquelas ondas de água doce! - como aquela ilhota.

Sobre a nossa vil incivilidade, nunca é demais comentar, ainda que seja para lembrarmos sempre a origem dela. De uma elitezinha medíocre e abastada de maus costumes- no sentido mais amplo que se possa dar às elites, sejam elas econômicas ou políticas - mantida per omnia seculorum (tá certo esse latinorium, Yúdice?)de desconhecimento de direitos e deveres.

Ando pelas ruas de Belém percebendo isso no cotidiano. Nos ônibus lotados de rostos inertes, que acreditam piamene que o transporte público é beneplácito das empress de transporte porque o poder público mantém essa lenda, omitindo-se do mínimo que a legislação o obriga a cumprir: definir e fiscalizar o serviço. Tropeço nas calçadas que cada um faz do jeito que entende, ou não faz, porque dá no mesmo: o espaço público é do Abreu e se ele não cuidar, nem eu.

Passo diariamente na esquina da Lomas com a Almirante onde um posto de gasolina apropria-se da calçada e caminho pelo meio-fio, desviando dos carros que avançam no sinal. Passo em frente ao muro de uma escola pública onde s escuridão, a sujeira e o descaso dão uma pálida idéia do que deve ser a qualidade do ensino. Nesses dois quarteirões, duas grandes empresas ignoram seu entorno. Uma revendedora de veículos e uma de material elétrico.

Se perguntados porque não apoiam, por exemplo, a manutenção da escola pública ou o ajardinamento do quarteirão, diriam que isso é responsabilidade do "governo". Então tá. Mas a cumplicidade com os desmandos do mesmo "governo", bem aí não vale conversar!

O exercício do poder mais para o mal do que para o bem, está imbricado na nossa história de donos de sesmarias. Na expoliação do bem comum. E não há Yamadas, Lider, Nazaré ou Big-Ben que tenha vindo para alterar ou "modernizar" isso. Nossos "empresários" são a versão modernosa de Átila. Por onde crescem, a grama não nasce.

Não. Não vou falar sobre o rebatimento disso na classe política. Ela fala por si.

Cabe ao povo reproduzir e perpetuar essa falta de amor e respeito pelo que é comum e matar pelo zelo do que é próprio, tal qual as notícias das páginas policiais, sobre o vizinho que matou o outro porque o cachorro latia demais. Até que se aproprie da noção de direito e dever como cidadão.

Não há mágica nenhuma na transformação disso, eu sei. Há muita persistência, clareza e disposição. Coisas que a idade já faz rarear em mim e, por isso, não vou ser velhinha em Belém.

Vou voltar pra casa, em busca de um lugar onde a cidadania tenha avançado um pouco mais, não porque as pessoas são melhores, mas porque a história da cidade assim o exigiu. Volto pra casa no final do ano. Mas temos ainda 2009 inteiro para, juntos, amarmos Belém, Mosqueiro e continuarmos avançando nesse caminho, assim que ultrapassarmos a difícil linha divisória da garantia de direitos para todos. A partir de 2010, você carrega o bastão...rsrsrs...

Abração.

Anônimo disse...

Amigos
É a nova civilização chegando. Sem Cultura, Educação, Saúde, Saneamento, Trabalho, Futuro, nada, as pessoas vão recriando o mundo segundo suas necessidades. Não há lei. É a volta à floresta, onde não há ruas, mão e contramão, legislação alguma e nós, somos a caça preferida, únicamente por ter estudado, morar razoavelmente, ganhar razoavelmente e querer ser feliz. Vou escrever sobre isso no opiniaonaosediscute.
Abs
Edyr Augusto
Mosqueirense

Carlos Barretto  disse...

Queridos Bia e Edyr.
Ótimas suas opiniões.
Vão para a ribalta agora mesmo.

Abs e Feliz 2009

Carlos Barretto  disse...

Aliás, vão todos para a ribalta agora mesmo!
Obrigado a todos!

Val-André Mutran  disse...

Caro Carlos.
Parabenizo-o pelo post sobre o "reveillon dos infernos" no Mosqueiro.
Sobre suas observações pertinentes ao acontecido, gostaria de tecer alguns comentários:
1- A ilha do Mosqueiro merece nosso empenho para tentar sair do estado de absoluto abondono em que se encontra;
2- As pessoas que fazem um lugar é que são responsáveis pela áurea mágica a nós emprestada pela natureza;
3- As agências reguladoras para por um freio nas empresas consecionárias de serviço público não passam das mais desatada vergonha para a administração pública nacional. Só hajem sob extrema pressão política e quando o "caldo já entornou";
4- A maior parte da população é a principal culpada pelo declínio de lugar tão bonito e finalmente;
5- Enquanto o povo paraense não se libertar das correntes da ignorância, exclusão de oportunidades para suas novas gerações e um governo um mínimo decente, prejuízos incalculáveis no que se chama de a indústria sem chiminé, nunca sairão da alçada das (boas e más) intenções. E isso meu caro, o cemitério está lotado.

Yúdice Andrade disse...

Barrettão, arrasaste com este post!

Carlos Barretto  disse...

Obrigado, Yúdice.
Foram provocar, não é verdade?
Então toma-te!

Rssss...

Anônimo disse...

A respeito da matéria de Carlos Barreto sobre Mosqueiro, além de endossá-la, pergunto: E o que nós cidadãos comuns podemos fazer para reverter a situação se o poder público é silente ou ausente. Parece que faltam ações de nossa parte, juntar esforços, criar um grupo e ir em busca de realizações, de sonhos. Proponho-me a isso. Possuo algum conhecimento (Economista/projetos) e tempo disponível.Quero parceiros. Contatos:32421292/91445889

Carlos Barretto  disse...

Ótima proposta, Oscar.
No que me concerne, qualquer ação em busca de cidadania, dentro do estado de direito é legítima e desejável.
Seu comentário vai para a ribalta agora, se me permite.
Vejamos as idéias que surgem.

Abs e obrigado por nos vistar.