quinta-feira, 19 de novembro de 2020

A luz bruxuleante de uma poronga

O meu amor se magicou no dia que o arco íris lambeu as pontas do Rio e os dedos do Cristo. Feito esfinge, de braços abertos, mergulhou nas águas salgadas, desaguou preto, retinto - pra devoção dos homens afeitos ao sol da cor e veio varar em boca de rio.

Este dito mundo nasceu do abraço entre o rio e floresta, lá pelas ilhargas do rio Acre, donde me vi pedaço de gente carnificado sobre osso. Depois esses dois mundos, floresta e rio, se amaram, se encantaram, frutificaram em seres, mangues, mitos e nas ocas e malocas dois curumins brotaram feito gente grande de minha mistura afro-disíaca. Hoje eles ganharam mundo na barcarola daquele Acre-manifesto, a bem do amor e do conhecimento.

É desse mundo que venho, de mistureba de cores - é o mundo que tenho guardado, imaginado, imaculado, que serve de porto quando a noite de sábado chega imprevista e tudo que resta é beber um vinho e assentar sobre o colo da terra que, feito mãe, estende o abraço pro filho que berra e se esconde dentro dos poetas e dos sofrimentos alheios...

Venho aqui, afeito à poesia de Corisco, para falar deste mundo alheio e do abismo que alberga o sofrimento, que se esvoaça no pensamento: “O abismo olha de volta, com uma flor nas mãos.”  

Há um lustro, subsidiado por essa poesia de Corisco, que desferi de meu parabelo feito devaneio pelos renováveis palimpsestos atemporais, assim como pelo pergaminho de Sabá de Abadia e pela alegria de Zabelê, criei uma lista de transmissão para fins de desejar bom dia: bom dia!

Inicialmente era uma forma de dar bom dia aos, aos sábados. Depois passou a incluir a sexta, assim que os primeiros grânulos do sol abraçavam a minha floresta, até findar em domingo. Na medida do possível, sempre muito cedo. Cognominei de Bando de Corisco em homenagem ao poeta, que vive escondido nas redondezas, e que me batizou de Labareda.

A coisa foi crescendo e me absorvendo. Fui pondo mais amigos que respiram literatura e a lista foi ganhando megabites, giga e tera - tomando fôlego e virando rotina. A cada um deles foi sendo batizado com a alegria que merecem: Os nomes seriam uma forma de imitar “Grande Sertão: Veredas”. Fui sendo consumido pela poesia, pelos incrementos pontuais de Sabá e por aqueles que arvoravam a escrever para nossa bandoleiragem. Cada vez mais ficou puro-malte conversar com cada um que responde às postagens.

Não sou da poesia, mas em algumas oportunidades, como esta, Labareda se verga pelas letras e posta aqui e ali um modesto texto. É quando desopilo de minha rotina escaldante, agora recheada pela pandemia.

Já tem tanta gente, que perdi o controle. Vez por outra mudo o telefone e acabo perdendo alguns números e a lista fica desfalcada e emudecida de pessoas que tanto estimo. Nesses cinco anos, perdemos Zabelê para um entupimento nas coronas e o Paulo Bandeira para o abecedário do AVC, mas a lista também ganhou ilustres e virtuosos ligados às letras. Alguns músicos, como o Nemequi e Nilson Chaves. Sim, o Nilson, que sempre estava participando, enviando sinal de positivo, aprovando cada texto e cada resposta. Nunca escreveu, mas sinalizava.

Certa vez, no meio da pandemia, ele me ligou para pedir ajuda sobre alguém que precisava de meu estetoscópio - alguém contaminado pelo Corona. No final da ligação, ele me perguntou se aquela lista de transmissão havia acabado, pois nunca mais recebera os textos. Ele fora um desses que acabou escapando de minha atenção.

Fiquei apequenado, porque jamais imaginei que ele fosse sentir falta de nossas postagens, afinal, o Nilson representa claramente a voz da Amazônia, pois suas canções voam por esses recantos, entre floresta e rios.

Sei que nestas próximas semanas o Nilson não estará nos encontros do bando, mas queira ele saber, ao ler esta, que estaremos orando para que logo se recupere e abandone aquele vírus, pois o Bando tem a certeza absoluta que porá tapioca e farinha d’água no caldo da bandoleiragem e seguirá firme pelas ribeiras da poesia destemida de Corisco.


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