Hello
darkness, my old friend
I've come to talk with you again
Paul Simon & Garfunkel, in: Sounds of Silence
Em “Hamlet”, ato V, cena I, ambientado num cemitério, o personagem Hamlet conversa com o crânio de Yorick. A cena com a caveira à mão se tornou um ícone do teatro universal e da finitude humana. Ao segurar o crânio de Yorick, a arte contempla a morte.
Na semana passada, uma sequência de reuniões clínicas evocaram o tratamento atual do câncer de pulmão avançado. Ou seja: nós, feito Hamlet, fitando Yorick, por meio de uma reunião comandada pelo trio SBCT/GBOT/ALAT, com u’a massa densa de médicos nacionais e estrangeiros que estudam o assunto. As ondas cibernéticas tinham alvo único: a América Latina. Um verdadeiro caldo de novidades, como se estivéssemos experimentando uma sopa em alguma esquina de Lima, misturando encantaria e delírio com goladas de piscou sour e esperança.
Sem querer desdizer da quimioterapia clássica, ou da cirurgia moderna - a que me “avicia” -,
chamaremos essa esperança de: imunoterapia, cujas bases estão na imunologia contemporânea.
Ao
acompanhar as conferências, o que mais impressiona é a quantidade de novos
medicamentos para frear o câncer. Multipliquem por zilhares as
pesquisas e seus resultados cada vez mais eficazes. Vem daí encantaria e esperança,
mas que ainda precisa ser analisada em rodas multidisciplinares.
A
imunoterapia traça a busca sedenta para encontrar o Santo Graal do câncer. A idéia
atual é embeber o cálice da salvação com anticorpos (substâncias de defesa) ditos monoclonais
(clones de laboratório a partir de células do sistema imune - leia-se linfócito T), que representa o
que melhor temos de esperança atiradas ao pescoço da ciência. Nesta corrida, laboratórios
porfiam para tomar a frente nos melhores desfechos, aumentando nossa confiança,
em que pese o os dólares e as dores. Já os cirurgiões, estes ficam hipnotizados com o alumbramento da
imunoterapia – basta entender o estudo Pacific com o Durvalumabe, uma dessas novidades.
Olhar e ser olhado criticamente foi um atributo do ato criador de Sheakspeare, e por ele, os médicos-pesquisadores devem encarar Yorick, como a questão mais importante em Hamlet. A voz acesa de Paula Ugalde pode representar o que li na sua rede social após sua ativa participação no evento: “Avanços sempre renovam nossas dúvidas”. A frase é para refazer o olhar hamletiano no silêncio das provocações do nosso bardo, quando olhamos àquele crânio enigmático.
Então: por quê a história do câncer carrega tantos olhares?
Quem nos alenta é Nassim Taleb, um matemático investidor na bolsa de
Chicago que lecionou em algumas universidades novaiorquinas e vem se tornando
um escritor audacioso e de idéias eviscerantes. O livro “Antifrágil”, regalo de
uma paciente operada por um tumor de parede torácica, é um calhamaço de mais de
600 páginas que vem apimentando minhas têmporas, sem abandonar aquele velho
navio que singra os mares da literatura clássica e do pensamento consistente
moderno. Taleb inicia com a mitologia grega e deságua na nossa reunião científica
sobre câncer: “quanto mais se tenta danificar as bactérias, mais fortes serão
as sobreviventes” é o pensamento nato para fazer entender o paralelo com o câncer:
“com bastante freqüência as células cancerígenas que conseguem sobreviver à
toxicidade da quimioterapia se reproduzem mais rapidamente e assumem o vazio
deixado pelas células mais fracas”. Taleb e o câncer vem beber na fonte de Nietzsche :”Aquilo
que não me destrói, me fortalece”.
Dá-se assim o axioma da imunoterapia: que as células cancerígenas, com autonomia própria, vão se desdobrando para se tornar resistentes às drogas, ao produzirem proteínas chamadas checkpoints. Algumas delas (CTLA-4 e a PD-1, por exemplo), vestidas de paletó e gravata e usando colônia da Phebo, despistam os sistema Imune ao inebriarem as células de defesa (os linfócitos T), que não as reconhecem como meliantes. Vestido de cordeirinho em pele de lhama, o câncer produtor de PD-L1 cresce sob os coturnos da imunidade sem ser notado, para seguir disfarçado com sua espada em punho, por trás das cortinas, a ceifar nossas ilusões.
O que nos resta, segundo a palestrante e pesquisadora Heather Wakelee (EUA), é apostar nos fármacos que desmascarem estas substâncias falseadoras (checkpoints) e, a partir daí, que o sistema imune passe a reconhecer e aniquilá-las com os anticorpos monoclonais, cujo codinome é esperança.
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