Em 1948, ano da fundação do Estado de Israel, Ilya Ehrenburg, escritor e jornalista russo de origem judaica e considerado o maior propagandista do Exército Vermelho, escreveu um artigo no Pravda em que afirmava:
Dizem os obscurantistas que existe uma ligação mística entre os judeus do mundo. Mas pouca coisa há em comum entre um judeu tunisino e um judeu de Chicago, que fala como americano e pensa como americano. Se realmente existe uma ligação entre eles, essa ligação não é mística de modo nenhum; foi criada pelo anti-semitismo (...). As inauditas atrocidades dos fascistas alemães, o extermínio total da população judaica que proclamaram, e que levaram a termo em inúmeros paises, a propaganda racista, primeiro as injúrias, depois os fornos de Maidanek – tudo isso faz surgir uma profunda ligação entre os judeus dos diversos países. É a solidariedade dos ofendidos e dos indignados. (extraído da obra Do Anti-Sionismo ao Anti-Semitismo, de Léon Poliakov, publicado na série Debates da editora Perspectiva)
Três anos antes, o Exército Vermelho havia sido o primeiro dentre as armadas aliadas a chegar a Berlim. Na oportunidade, os soldados soviéticos hastearam a bandeira da extinta União Soviética no mastro do Reichstag, o parlamento alemão, e com este símbolo sinalizaram definitivamente ao mundo a vitória aliada sobre Adolf Hitler.
Poucos meses depois do artigo de Ehrenburg e da fundação de Israel, porém, iniciou-se um longo período de perseguição anti-semita pelo regime stalinista. Inicialmente, agia o Estado policial detendo judeus soviéticos e detratando-os nos órgãos oficiais de informação; posteriormente – como foi praxe no governo de Stálin –, processando, condenando e executando-os sumária e kafkianamente.
Completam-se, nestes dias, 60 anos da criação do Estado hebreu no Oriente Médio. O povo israelense celebra o sucesso de seu Estado, após 60 anos de superação e de dificuldades. Na mesma data, os vizinhos palestinos prostram-se em luto simbólico, no que chamam de Naqba, ou Dia da Catástrofe. É este o dia em que lembram da perda de suas terras, das quais foram expulsos para a constituição do território israelense.
O que viveram, porém – uns como experiência própria, outros como parte do arquétipo de sua sociedade –, parece ainda não creditar aos israelenses tolerância para a convivência harmônica com um povo de mesma raiz histórica e geográfica. O desafio do pacifismo também é de uma dificuldade incomensurável para o outro lado.
8 comentários:
Na época em que a Palestina era dominada manu militari pelos ingleses, lá viviam árabes e judeus. Bem verdade que menos judeus. Nessa época também, na Europa, surgia o movimento sionista que buscava um estado para o povo judeu. Em Jerusalem, Arafat também organizava a resistência para enfrentar os ingleses, e tomar posse da terra. Aí, Hitler domina a Europa, anexando a Austria e invadindo a Polônia, a França, os Países Baixos. Declara guerra à Inglaterra e o conflito se torna mundial, com o envolvimento dos EUA e outros contra os países do eixo. O Oriente Médio, rico em petróleo, obviamente era objetivo militar dos nazistas.
A campanha contudo precisava do ponto de vista logístico ser bem pensada. Alemanha ocupa o Norte da África, com os tanques de Hommel. A vida segue na Palestina, com um aumento pequeno de judeus sionistas que tinham conseguido chegar por lá, fugidos da Europa. Continua o domínio inglês. Arafat olha a guerra dos infiéis e erroneamente avalia que a guerra será ganha pelos nazistas. Passa então a cortejá-los e a se reunir com eles no Cairo, sempre de olho para que a Palestina no pós-guerra fosse um estado árabe.
Acabada a guerra, as potências ocidentais precisavam redividir o mundo não mais pela antiga lógica colonial. Havia também a pesada herança dos crimes nazistas contra os judeus e sobrevia o pensamento sionistas (matam-se homens, mas não idéias). Decidiram então criar o Estado de Israel, garantindo um estado para o povo judeu exatamente na Palestina até então dominada pela Inglaterra.
Arafat, desmoralizado pela escolha errada que fizera pelos nazistas, mergulha na clandestinidade e não aceita a decisão, prometendo destruir o novo estado.
Veio a Guerra Fria. Novas-velhas polarizações. URSS x EUA. Petrodoláres. OLP de Arafat sob influência de Moscou. Israel aliada dos EUA, junto com o Xá Reza Pahlevi no Irã. Chegam os Aiatolás e o Oriente Média dá a guinada definitiva rumo ao obscurantismo do fundamentalismo islâmico. Mais ódio, mais sangue, mais ódio, mais sangue. Não é mais a disputa da terra que importa, não é mais o estado, agora é a destruição física e cultural dos judeus proposto por Bin Laden. Hitler gargalha no inferno. Os falcões israelenses reagem de forma brutal; a sociedade israelense vai adquirindo cada vez mais um pensamento militarista. Reduz-se a influência do Partido Trabalhista Israelense e os grupos pacifistas árabe-israelense vão perdendo progressivamente espaço e influência na sociedade palestino-israelense.
Não houve assim a tal expulsão das terras que você se refere em tom quase bíblico. Houve sim uma progressiva escalada de hostilidades e de ódios mútuos, que levaram às situações desonrosas que hoje assistimos dia a dia pioradas.
Não há, portanto, num quadro complicado desses a possibilidade de bem x mal, porque em ambos os lados encontramos esses dois valores.
A possibilidade de paz entre árabes e israelenses é muito remota, mas, certamente, a única chance dela acontecer é quando enfim ambos perceberem do quanto o conflito entre eles é instrumentalizado pelo interesse de outras nações na região, que sempre e continuam operando na região sem deixar de instrumentalizar ódios e desconfianças entre os povos que ali habitam.
Oliver, o que dizes não contraria o que afirmei. Ao final do meu texto, asseverei que "o desafio do pacifismo também é de uma dificuldade incomensurável para o outro lado" - não por outras, mas pelas exatas razões que descreves.
O mote do post foram os 60 anos de Israel e a tragédia que precedeu a fundação de um Estado Hebraico para os judeus, e como agora se comporta Israel em muitas das situações para com seus vizinhos. Em que pese, talvez, a "primeira pedra" atirada por Arafat, que tu suscitas, é fato inconteste que havia palestinos habitando a região, e que estes foram expulsos de lá e até hoje ainda se ressentem da formação de um Estado palestino, exatamente como se ressentiam os hebraicos.
Por outro lado, ainda que concorde contigo sobre o ringue de influências em que se transformou o Oriente Médio para as lutas entre nações ricas, não se pode esquecer que Israel não é criança nesta história, e que, dentre outras coisas, o país é o terceiro em número de empresas com ações à venda na NASDAQ. Só isto já dá uma idéia da diferença de posição e situação no quem é quem desta história.
Obviamente, porém, isto não representa uma tomada de posição maniqueísta sobre o assunto. Da mesma forma, é bom que se diga, não estou comparando (eu não seria louco) o estado nazista com o estad ohebreu. Espero ter tornado claro meu pensamento a respeito.
Essa é a questão do texto: não foram expulsos para a criação de Israel. Mas, certamente, o foram no processo de mútuo enfrentamento, nas guerras que se sucederam nesses 60 anos. Se olharmos para a Constituição israelense veremos que ela prevê inclusive o assento de palestinos no Parlamento. Em termos de educação, garante-lhes o acesso a saúde, ao direito de propriedade, o acesso ao ensino, inclusive superior. A lei não foi, contudo, suficiente para assegurar a convivência harmônica entre os dois povos em litígio. Mesmo assim, hoje, na Universidade de Haifa vê-se muito mais árabes estudando do que vemos negros em nossas universidades.
É verdade que Israel não é mais criança. Mas, estados não nascem prontos, feitos, são construídos. E aqui chegamos na minha tese: o que acontece no Oriente Médio é a instrumentalização de desconfianças e disputas, transformando-as em ódios seculares, para o proveito daqueles países com pretensões hegemônicas mundiais. Foi com a inteligente instrumentalização dos fatos políticos - no pós-guerra imediato, na Guerra Fria e nesses tempos pós-derrocada do bloco soviético - que se permitiu que grupos políticos tornassem Israel um estado fundamentalista, militarizado e excludente para os palestinos e para alguns poucos judeus que buscam ainda uma solução pacífica para o conflito. Foi também com esse nexo que foi fortalecido o fundamentalismo islâmico e a pavimentação para o acontecimento das aberrações sucedidas: da Olimpíada de Munique à 11 de setembro, tendo de permeio Chabra e Chatila, intifada e bloqueio econômico total à autoridade palestina.
Ora, não há como negar que há muita política em jogo dos dois lados em conflito, ou melhor, nos três lados, pois existe o das potências mundiais, de que é líder inconteste os EUA, que defendem de forma intransigente seus interesses globais e na região.
Por fim um esclarecimento: Eu tenho convicção que não quizeste de forma alguma sugerir que Israel fosse comparável ao estado nazista. Conheçomo-nos o suficiente para que eu saiba que não há remota possibilidade de assim pensares. Por outro lado, sabemos, esse é um discurso frequentado à boca de alguns líderes das esquerdas nacionais, que o fazem por obrigações assumidas, sem se importarem com o fato de que essa acusação em nada ajuda a compreender ou reduzir a desgraça que enluta esse dois povos.
Vou te sugerir um livro que estou lendo, que, apesar de ser um tijolão daqueles, lança luzes esclarecedoras sobre o que ocorre naquela região. Trata-se do "A Grande Guerra Pela Civilização. A Conquista do Oriente Médio. O autor é um jornalista, famoso correspondente de guerra, o inglês Robert Fisk.
Abs
Caro Oliver,
Gostei da dica: já havia visto e folheado o livro antes e me interessei em comprá-lo. Com tua sugestão, vou procurá-lo novamente.
O fato é que a discussão rende muito, e há muita contrariedade entre os argumentos, inclusive os factuais. A respeito da expulsão dos palestinos do território ocupado por Israel, sugiro uma leitura inicial destes sítios, que confirmam o que eu disse:
- Sobre uma entrevista de Herbert Marcuse ao The Jerusalem Post, há um breve artigo no Le Monde Diplomatique: http://diplo.uol.com.br/imprima877
- Há também este blog português dedicado ao assunto que indica vasta bibliografia a respeito: http://sol.sapo.pt/blogs/yusuf/archive/2006/12/11/O-CONFLITO-DA-PALESTINA-POR-ANDR_C900_-GATTAZ-_2D00_-Parte-III_3A00_-1948_2D00_1967.aspx
Abraços.
Obrigado aos dois pelo debate maravilhoso
Beto Carepa
Obrigado a você, Beto, pela gentileza, pela visita e pelo comentário.
Venha sempre.
Essa discussão, complexa, demonstra a dificuldade de firmar/assumir posições só pautadas pela racionalidade... Meus amigos Jr e Oliver haverao de entender a que me refiro, sem risco de interpretar-me como adesão ou crítica a eventuais divergências apontadas no rico debate. Acho que sobre a PAZ só nos resta, como diz a Zizi, deiá-la invadir nossos corações...
Marcos Damasceno
Constata-se ainda, Damas, um contra-senso grave na questão do Oriente Médio: as religiões, que deveriam tramar a paz (já que é sempre de amor ao próximo que falam, ou deveriam falar), aumentam a desagregação, fomentando o ódio.
Abraços.
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