terça-feira, 27 de maio de 2008

Novos atores da desobediência judicial

Depois dos professores, que se negaram a cumprir a ordem judicial de retorno às atividades regulares, agora são os rodoviários que desafiam o Judiciário: as notícias dão conta de que nenhum ônibus urbano circula por Belém.

A adesão integral à greve deflagrada ontem, à meia-noite, contrapõe-se à determinação de que 40% da frota permanecesse em funcionamento. Os prejuízos, mais uma vez, são da população.

O Quinta Emenda noticia, no caso dos professores, que estes estariam reunindo com pais de alunos, externando suas razões e, inclusive, sendo por estes apoiado - o que tem sido fundamental para a manutenção do movimento. A fonte é insuspeita; porém, não acredito que o movimento tenha conseguido a adesão de pais e alunos a tal ponto que os prejuízos pela paralisação sejam superados por uma solidariedade sem restrições. Parece-me que a causa de tal apoio decorre mais da ausência de organização dos usuários do sistema público de educação, que assim não conseguem se opor à organização sindical dos professores, do que de qualquer outro motivo.

O que dizer, sob este prisma, da greve de ônibus? O serviço de transporte coletivo enquadra-se perfeitamente no conceito jurídico de direito difuso, que não pode ser determinado pela categoria, classe ou grupo de usuários. Aí então é que se esvai toda e qualquer possibilidade de que o grupo atingido se organize e, eventualmente, se oponha àquilo que lhe seja prejudicial. É com isso, também, que contam as categorias organizadas para dar vasão à antijuridicidade.

Para que não me venham com agressões gratuitas, porém, faço duas importantes ressalvas.

A primeira é que não sou, absolutamente, contra a greve. É esta um instrumento legítimo de luta dos trabalhadores por melhorias de suas condições laborais. Mas a greve de trabalhadores de serviços públicos, em especial os essenciais (como ninguém duvida que são a educação e o transporte), tem sutilezas que vão muito além do simples paredismo. Cabe aos atores em cena serem cautelosos, para não macular a legitimidade do movimento.

A segunda é de que, lição primária, um Judiciário forte é garantia do Estado Democrático de Direito. Democracia pressupõe contraditório, desde que respeitadas as regras do jogo. Rasgar uma ordem judicial simplesmente por não concordar com ela não é a forma correta de atuar. A irresponsabilidade pode gerar um incômodo revés: o Estado, em retaliação, ver-se legitimado a também não cumprir as decisões contra si expedidas. Sobre isso, recomendo vivamente a leitura do artigo do último Jornal Pessoal, do jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, sobre a sentença que inocentou o fazendeiro Bida, acusado de ser o mandante da missionária Dorothy Stang.

8 comentários:

Anônimo disse...

O pior é ter que ir a pé da Scaramenta ao Ver-o-Peso

Francisco Rocha Junior disse...

Ou então, Erik, ter que pagar R$ 1,50 pela porcaria de serviço ilegal denominado de "transporte alternativo".
Obrigado por sua visita. Volte sempre.

Anônimo disse...

Quem respeita ordem judicial no Brasil? O que é lamentável, entretanto, o exemplo é fornecido pelos agentes políticos, o que torna o Judiciário ridicularizado, sem "Poder" algum, o que é preocupante, pois é um Poder sem respeito e qualquer valor, pois não faz cumprir suas próprias decisões, qual o motivo da inércia do Judiciário, em não tomar uma atitude com relação a tal fato, caso contrário a insegurança jurídica prevalecerá a cada dia, e aí só Deus sabe.

Francisco Rocha Junior disse...

Das 18:08hs, o Judiciário é inerte por definição. Só se move se provocado.
Neste caso específico, o Estado se movimenta para impor judicialmente o retorno dos professores às aulas. Já se anunciou, inclusive, o desconto dos dias parados em contracheque. É esperar para ver.
Obrigado por sua visita e comentário.

Anônimo disse...

Reiteradas "inércias convenientes" (desembargadora e juíza de Abaetetuba) tem contribuído para a desmoralização do Judiciário, fragilizando um dos pilares do Estado Democrático de Direito, qual seja, o respeito ao Judiciário enquanto instância final de decisão. Muitos dos seus membros tem contribuição decisiva para tanto. Difícil pretender que os expectadores da ponta do sistema, ao testemunhares reiterados gestos de desprezo ao caráter próprio de suas funções, as respeitem. Muito lentamente, a sociedade vai entendendo o mal que tal postura injeta no corpo social.


Fernando Bernardo de Souza Neto

Francisco Rocha Junior disse...

Fernando,
Não sei de que desembargadora, especificamente, você fala. Se for da Ana Murrieta, o caso dela é muito diferente da da juíza de Abaetetuba: a uma se imputa uma conduta dolosa, comissiva, de desvio de dinheiro de terceiros em proveito próprio; à outra, bem ao contrário, não há acusação de corrupção ou coisa que o valha.
De resto, concordo com você que várias atitudes do Judiciário invocam um certo desrespeito por parte do jurisdicionado. No entanto, um mal não justifica o outro.
Obrigado pela visita e comentário. Venha sempre.

Anônimo disse...

A visão de que o Judiciário é inerte, apenas se move se for provocado, necessita ser repensada dentro de um visão moderna do Direito, o juiz (agente político) deve estar inserido dentro do contexto social e atuar dentro de uma realidade na busca de um verdadeiro Estado de Direito, preferencialmente Democrático, não se concebe um magistrado que está alheio aos problemas sociais e aguarda provocação, se estiver devidamente legitimado, pode e deve atuar. É proporcional, é lógico, é razoável o juiz aguardar motivação externa. O Direito é uma ciência brilhante, e deve ser interpretada dentros dos seus princípios, base, sustentação de qualquer ciência, de tal sorte que qualquer outra forma de pensa-lo, deve ser banida, a lei é uma fonte do Direito (mediocre), devido ao Congresso, Assembléias e Câmaras que atuam no Brasil, portanto, os operadores, tem a missão de analisar o Dirieto e aplica-lo, dentro da principiologia, outra forma é fazer economia da inteligência, pois nunca nada mudará.

Francisco Rocha Junior disse...

Das 20:09hs, o "juiz que age" invoca o chamado processo inquisito, que era a regra na época em que não havia tripartição entre poderes estatais, na lição clássica de Mostesquieu. O rei feudal, por exemplo, promovia a ação, instruía-a sem participação das partes e julgava a lide. Não estamos mais nesta época. Trata-se esta questão, portanto, de doutrina mais que superada. Talvez o que você invoque como responsabilidade do Judiciário seja, na verdade, competência do Ministério Público.
Quanto ao alheamento do magistrado dos problemas sociais que o circundam, concordo com você: o juiz, em muitas situações, deve dar atenção às circunstâncias sociais que cercam determinados fatos, e assim, inclusive, o direito atual o exige, como no caso dos litígios que envolvem família, menores, relações de trabalho, dentre outros. Isto falta em muitos dos nossos juízes.
Obrigado pela visita e comentário.