sábado, 5 de julho de 2008

Uma questão de confiança

Em pelo menos três ocasiões, fui convidado por uma professora do curso de Odontologia, da instituição em que leciono, para conversar com seus alunos sobre responsabilidade do profissional odontólogo - civil e criminal, a que incluí o aspecto específico das relações de consumo. Em um desses encontros, após me ouvir falar em conseqüências jurídicas de seus atos, um aluno disparou:
- E o que o senhor acha que podemos fazer para evitar isso?
Felizmente, nessa época eu já advogava para o Sindicato dos Médicos, junto com minha querida amiga Silvia Mourão, e por isso já me deparara com diversas situações capazes de me permitir uma resposta imediata ao acadêmico:
- Construa com seu paciente uma relação de confiança. Quanto mais atenção e informações úteis você lhe der, mais fácil será que ele compreenda quando algo sair errado e não for sua culpa.
Volto a esta questão por causa do debate solicitado pelo AK e aceito pelo nosso chefe de redação, com mote no atual imbróglio da Santa Casa. Esta é minha modesta contribuição, como usuário de serviços de saúde e como alguém que pôde refletir um pouco mais sobre a temática.
Já vi, concretamente, vários profissionais serem responsabilizados pelo que não lhes era imputável, porque na hora do desespero o paciente e seus familiares não pensam com clareza. Querem respostas ou punições. Se o paciente morre ou sofre um dano grave, é mais fácil responsabilizar o médico do que pensar numa miríade de concausas, inacessíveis ao leigo.
Esses transtornos certamente seriam minimizados se o médico recebesse o paciente sem pressa, olhando-o nos olhos, chamando-o pelo nome e tirando suas dúvidas. Falando especialmente dos riscos e manifestando interesse real e pessoal sobre os desdobramentos dos fatos. Mas a arrogância de expressiva parcela da classe médica, associada a sua avidez por produtividade, gera maus atendimentos e, na hora do problema, a fatura será cobrada.
Evidentemente, os médicos também são profissionais sacrificados, como bons brasileiros. Têm vários empregos e não podem dedicar-se a contento a nenhum. Devemos reconhecer que são explorados pelos planos de saúde (ou donos de hospitais e clínicas, muitas vezes seus colegas e, declaradamente, até amigos) e que, na rede pública, são pressionados por uma demanda aviltante de trabalho - e sem infra-estrutura. Dando esses descontos, ainda sobra muito espaço para a responsabilidade pessoal. Quanto a esta parte do assunto, não lhes faço concessões. Vamos ao médico porque precisamos. Jamais por gosto. Portanto, trate-me muito bem quando eu chegar. Não me conte os seus problemas: vá resolvê-los. E se não dá conta, mude de profissão.
No affair Santa Casa, acredito que os malditos interesses políticos - que sempre custaram e continuam custando muitas vidas inocentes - impediram os médicos de enfrentar os problemas como realmente necessário. Inclusive levando ao conhecimento público as mazelas existentes, prenunciando os riscos e clamando por soluções. Pressionando o governo. Mas isso não pode ser feito, porque tudo tem que parecer às mil maravilhas, até quando um acontecimento muito grave obrigue a todos a vir para o mundo real. Mas aí alguém já pagou a conta. E não foi quem merecia.

3 comentários:

Anônimo disse...

ak diz
Flanar : o comentário do Yúdice acrescenta mais ao que penso. Contato humano, gente. Não só na saúde, também na segurança, na educação, no lazer. Quando falo em lazer, falo em cultura. Os jovens e até a chamada terceira idade, querem se encontrar. Pontos de encontro. Na saúde, na educação, no lazer, com segurança. Isso é Cultura.
No caso da Santa Casa, que virou um escândalo, que a mídia esquece rápido pela profusão de escândalos, e que pode ser um marco de participação da chamada sociedade civil, quero acrescentar duas coisas que lí hoje.
Na revista Época, o médico Paulo Bronze, da Santa Casa, diz o seguinte : - "o médico tinha de escolher, por falta de equipamentos e medicamentos, o bebê que iria viver.....o problema é que morreram crianças que poderiam viver".
No caderno Revista do Diário, o médico Drauzio Varella diz o seguinte - : mais de 97% dos médicos prestam serviços aos planos de saúde e recebem de 8 a 32 reais por consulta....aos médicos que atendem por tão pouco, só resta explicar a população que é tarefa impossível trabalhar nessas condições".
E aí, Governos, planos de saúde, médicos, quem paga o pato no final?
Gente, contato humano.
Afonso Klautau

Anônimo disse...

Draúzio Balela, ao jogar pra platéia, olha exatamente para onde... convidado para ser ministro da saúde pelo Serra correu da raia... convidado para ser ministro da saúde pelo Lula correu da raia... sem experiência nenhuma de gestão critica, critica, critica. E aí? Deve ser bom pra ele.

Yúdice Andrade disse...

Sem qualquer credencial ou interesse específico para defender Dráuzio Varela, devo dizer que ele não tem a menor obrigação de ser ministro da saúde, secretário de saúde ou de exercer qualquer função pública. Sua recusa não o desqualifica. Sua alegada inexperiência em gestão também não. Ele é médico, entende do assunto e pode opinar. E teve a sorte de a Globo lhe dar projeção suficiente para isso. Considero o comentário anônimo injusto com uma pessoa que, até aqui, até onde sei, tem-se portado de maneira correta e útil, no que usa sua imagem para orientar as pessoas acerca de cuidados com saúde.
No mais, pelo que percebo, à exceção dos que têm interesses políticos pilantras na exploração do caso Santa Casa, há uma nota recorrente nos discursos dos demais que se manifestam. Uma nota de não-é-bem-assim-como-estão-pintando. De minha parte, prefiro ficar com as impressões de quem trabalha na área de saúde, tenham ou não gestão administrativa.