O simpático Elias Pinto escreve, na coluna que mantem no Diário do Pará, sobre quem seriam as personalidades ilustres fichadas no DEOPS* - Pará, uma dessas sombrias repartições policiais, mantida no país entre 1924 e 1983, com o fim de identificar, monitorar, prender e fichar cidadãos considerados inimigos políticos do sistema, especialmente nos tempos de ditadura, fosse ela varguista ou a dos generais pós-64.
Como se tivessemos em sintonia telepática, eu exatamente pensava sobre o assunto ontem, no final da noite, quando fechei o livro Caça às Suásticas/ O Partido Nazista em São Paulo sob a Mira da Polícia Política, de autoria da pesquisadora Ana Maria Dietrich, 388 pp, edição conjunta da Humanitas, Imprensal Oficial e FAPESP em 2007. Dietrich, ela própria descendente de alemães, usa como fonte primária os arquivos do extinto DEOPS-SP, integrado ao projeto PROIN (Projeto Integrado Arquivo do Estado/USP), "que tem contribuído para a construção do conhecimento histórico acerca do exercício moderno do poder por meio de instituições públicas".
Não temos nada assemelhado no Pará, até porque, salvo engano, os arquivos do DEOPS-PA foram destruídos, quando o orgão foi extinto no processo de redemocratização do país nos meados dos anos 80. Perdemos assim uma das mais ricas fontes materiais para o estudo de nosso passado recente, assim como depois perdemos todos os arquivos na extinção do Hospital Juliano Moreira e, com eles, a possibilidade de escrever-se uma história da Psiquiatria no Pará, que fosse além da biografia deste ou daquele médico atuante na especialidade.
Mas, voltando ao artigo do Elias Pinto. Demonstra ele surpresa em saber que Jarbas Gonçalves Passarinho teve ficha no extinto DEOPS-PA, aberta em algum momento de sua vida pública. O espanto demonstrado pelo jornalista se explica pelo fato de Passarinho ter sido não só um dos mais ativos conspiradores para a derrubada do governo democrático do presidente João Goulart, mas também um dos mais poderosos condestáveis dos sucedidos governos militares, quando exerceu cargos federais de presidente da Petrobrás, ministro de estado do Trabalho e da Previdência Social, da Educação e Cultura e presidente do Senado Federal - todos cargos de extremo valor estratégico para a consolidação do projeto político da ditadura militar e para a distensão "lenta, gradual e segura" com que o último general - aquele que dizia preferir o cheiro de cavalo ao do povo -, enfim devolveu aos brasileiros a democracia representativa, vinte anos depois, exaurido que estava o regime de arbítrio, de apoio interno e externo.
É do tempo dos anos de chumbo a frase emblemática de Passarinho de mandar às favas todos escrúpulos de consciência, dita à ocasião de reunião do Conselho de Estado, quando justificou para a posteridade a assinatura do Ato Institucional no. 5, instrumento discricionário que mergulharia o país nas trevas da violência política, com o fortalecimento ainda maior dos DEOPS, DOPS, dos serviços secretos militares e fecharia a porta das delegacias para a prática de tortura e morte de dissidentes. A sinceridade da afirmação se confirmaria cinco anos depois, em 1973, quando, em carta ao arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, deu satisfações sobre a tortura e morte do estudante Alexandre Vanuchi Leme nas salas do DOPS-SP, sem se importar com o impacto que a resposta amoral teria na amizade que cultivava com o religioso, dali em diante em definitivo destruída:
Alexandre foi atingido não enquanto estudante, mas enquanto terrorista.
Mas, nos anos pré-64, o DEOPS-PA tinha razões para vigiar o então major JG Passarinho, considerado potencialmente perigoso na percepção da polícia política. Exatamente porque os meganhas desse nível têm faro apurado para intelectuais, e o futuro ministro dos governos militares sempre foi e é um intelectual de grande atividade, concordemos ou não com as suas idéias de extrema-direita. E como agravante para atrair a atenção da polícia secreta, em algum momento, naquela época, o hoje Coronel Passarinho, na sua inquietude por conhecimento, fosse lá por qual interesse, também se mostrou interessado por idéias socialistas. Por essa época, não só discutia o assunto com seus pares de letras na planície, mas mantinha até correspondência ativa com intelectuais cubanos, que o obsequiavam com livros, autografados com o calor próprio de quem é gauche na literatura, sem se darem conta, porém, do feroz anti-comunismo daquela alma híbrida que segredava com seus camaradas de caserna um golpe de estado que fosse fértil. Essas raridades bibliográficas não se perderam, ainda existem. Algumas delas tive a oportunidade de manusear, quando visitei anos atrás um homem de letras, dos mais importantes no Pará, que zelava por elas para uso da História.
*Departamento de Ordem Política e Social
Como se tivessemos em sintonia telepática, eu exatamente pensava sobre o assunto ontem, no final da noite, quando fechei o livro Caça às Suásticas/ O Partido Nazista em São Paulo sob a Mira da Polícia Política, de autoria da pesquisadora Ana Maria Dietrich, 388 pp, edição conjunta da Humanitas, Imprensal Oficial e FAPESP em 2007. Dietrich, ela própria descendente de alemães, usa como fonte primária os arquivos do extinto DEOPS-SP, integrado ao projeto PROIN (Projeto Integrado Arquivo do Estado/USP), "que tem contribuído para a construção do conhecimento histórico acerca do exercício moderno do poder por meio de instituições públicas".
Não temos nada assemelhado no Pará, até porque, salvo engano, os arquivos do DEOPS-PA foram destruídos, quando o orgão foi extinto no processo de redemocratização do país nos meados dos anos 80. Perdemos assim uma das mais ricas fontes materiais para o estudo de nosso passado recente, assim como depois perdemos todos os arquivos na extinção do Hospital Juliano Moreira e, com eles, a possibilidade de escrever-se uma história da Psiquiatria no Pará, que fosse além da biografia deste ou daquele médico atuante na especialidade.
Mas, voltando ao artigo do Elias Pinto. Demonstra ele surpresa em saber que Jarbas Gonçalves Passarinho teve ficha no extinto DEOPS-PA, aberta em algum momento de sua vida pública. O espanto demonstrado pelo jornalista se explica pelo fato de Passarinho ter sido não só um dos mais ativos conspiradores para a derrubada do governo democrático do presidente João Goulart, mas também um dos mais poderosos condestáveis dos sucedidos governos militares, quando exerceu cargos federais de presidente da Petrobrás, ministro de estado do Trabalho e da Previdência Social, da Educação e Cultura e presidente do Senado Federal - todos cargos de extremo valor estratégico para a consolidação do projeto político da ditadura militar e para a distensão "lenta, gradual e segura" com que o último general - aquele que dizia preferir o cheiro de cavalo ao do povo -, enfim devolveu aos brasileiros a democracia representativa, vinte anos depois, exaurido que estava o regime de arbítrio, de apoio interno e externo.
É do tempo dos anos de chumbo a frase emblemática de Passarinho de mandar às favas todos escrúpulos de consciência, dita à ocasião de reunião do Conselho de Estado, quando justificou para a posteridade a assinatura do Ato Institucional no. 5, instrumento discricionário que mergulharia o país nas trevas da violência política, com o fortalecimento ainda maior dos DEOPS, DOPS, dos serviços secretos militares e fecharia a porta das delegacias para a prática de tortura e morte de dissidentes. A sinceridade da afirmação se confirmaria cinco anos depois, em 1973, quando, em carta ao arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, deu satisfações sobre a tortura e morte do estudante Alexandre Vanuchi Leme nas salas do DOPS-SP, sem se importar com o impacto que a resposta amoral teria na amizade que cultivava com o religioso, dali em diante em definitivo destruída:
Alexandre foi atingido não enquanto estudante, mas enquanto terrorista.
Mas, nos anos pré-64, o DEOPS-PA tinha razões para vigiar o então major JG Passarinho, considerado potencialmente perigoso na percepção da polícia política. Exatamente porque os meganhas desse nível têm faro apurado para intelectuais, e o futuro ministro dos governos militares sempre foi e é um intelectual de grande atividade, concordemos ou não com as suas idéias de extrema-direita. E como agravante para atrair a atenção da polícia secreta, em algum momento, naquela época, o hoje Coronel Passarinho, na sua inquietude por conhecimento, fosse lá por qual interesse, também se mostrou interessado por idéias socialistas. Por essa época, não só discutia o assunto com seus pares de letras na planície, mas mantinha até correspondência ativa com intelectuais cubanos, que o obsequiavam com livros, autografados com o calor próprio de quem é gauche na literatura, sem se darem conta, porém, do feroz anti-comunismo daquela alma híbrida que segredava com seus camaradas de caserna um golpe de estado que fosse fértil. Essas raridades bibliográficas não se perderam, ainda existem. Algumas delas tive a oportunidade de manusear, quando visitei anos atrás um homem de letras, dos mais importantes no Pará, que zelava por elas para uso da História.
*Departamento de Ordem Política e Social
3 comentários:
Caro Oliver,
talvez por excesso de trabalho, por excesso de esperança rediviva nesta campanha eleitoral chinfrim, quem sabe porque o Pondera diário não dá conta ou porque minha melancolia ativa está hoje exorbitando, derramo-me em excessos.
E nesta derrama,li seu post e chorei. Rios de lágrimas. Não pelo coronel, que ele há de ter quem chore por ele ou por causa dele.
O choro veio sem querer, devagar, aumentando ao longo da leitura e eu agora identifico-o com uma nostalgia de um país que nunca seremos. Uma esdrúxula saudade do país que jamais será o Brasil.
Um Brasil onde não sabe em qual prateleira da memória da construção da sociedade deve ou pode colocar - porque exigimos uma classificação rigorosa de corações e mentes - um coronel como Jarbas Passarinho e suas idiossincrasias, um intelectual que se arvorou a ser presidente como FHC ou um trabalhador metalúrgico que escapou das impossibilidades da mobilidade social.
Acho que é isso, companheiro de viagem. Eu choro por mim.
Um abraço
Adelina (que hoje não estou pra apelidos...rsrsrs..)
Mais uma antológica, Oliver. Tu és um manancial delas. Esta merecia ser publicada em qualquer veículo de comunicação do país. Parabéns.
Professor e Bia, vocês me emocionaram.
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