sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Protesto da comunidade de tecnologia

Recebi esta semana o manifesto abaixo, subscrito pelo Sindicato dos Empregados em Tecnologias da Informação no Pará e Amapá. O texto é longo, mas sua leitura vale a pena. O assunto rende muito pano para manga aos interessados em tecnologia e software livre:

Governadora do Pará e Microsoft Firmam Pacto Contra Governo Federal

A governadora do Estado do Pará Ana Júlia anunciará neste dia 25 de novembro de 2008, as 15h00
em seu palácio dos despachos, assinatura do protocolo de intenções, que será celebrado entre o Governo do Pará e a Microsoft informática LTDA, que passará a fornecer, gratuitamente, o serviço de e-mail para usuários do Programa NAVEGAPARÁ.
A comunidade de Tecnologia poderia se sentir perplexa com o “estrondoso” anuncio, mas faltando pouco mais de 30 dias para completar dois anos de governo, os resultados são pífios em Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Para nós não foi surpresa mais um equivoco.
A Microsoft e o governo do Estado do Pará deveriam no mínimo explicitar dentro da liberdade e transparência pública do que se trata o referido protocolo de intenções, haja vista que até o presente momento as bases desta empreitada não são conhecidas. Mas a julgar pela negociata da Microsoft com os governos de São Paulo e Bahia, pode-se inferir que em nosso estado as bases do pacto não são diferentes.
O programa NAVEGAPARÁ é parte do projeto nacional de infovia do governo federal, tendo sua gestão partilhada pela Secretaria de Estado, Desenvolvimento e Tecnologia e a Empresa de Tecnologia do Estado (Prodepa). Toda a consecução do NAVEGAPARÁ está provida de recursos públicos.
Vale a pena questionar se alguns fatos políticos e econômicos em relação a Microsoft foram
observados pela governadora e de quem lhe assessorou neste pacto:
- A Lei nº 8.884/1994, denominada Lei Antitruste, foi criada para regulamentar as atividades
econômicas, respaldando-se nos princípios da liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
- Ou seja, o objetivo da Lei Antitruste é afastar monopólios e abusos do poder econômico, pois estes são práticas nocivas à sociedade, mesmo que haja tentativa de burlar a lei através do falso discurso da gratuidade com uma multinacional.
- O Princípio da livre concorrência tem como prioridade a tutela do bem estar da coletividade,
constituindo-se em fator determinante para aferir o grau de risco de afronta aos princípios citados na introdução do tópico acima. A Administração Pública tem o dever de intervier nos negócios que envolvam grandes empresas, notadamente quando se trata de monopólios, prezando sempre pelo bem estar da coletividade.
A Microsoft é grande produtora de software no mundo, detentora e defensora de um monopólio reprimido em setembro de 2007 pela Corte de Primeira Instância da União Européia que a ela imputou multa superior a um bilhão de dólares americanos, ao confirmar decisão da Comissão Européia, de 2004, segundo a qual a referida empresa abusou de seu poder de mercado para enfraquecer seus competidores, com práticas predatórias, a exemplo de embutir novas aplicações no sistema operacional Windows de uma forma prejudicial ao poder de escolha dos usuários, e de recusar-se a prestar informações aos desenvolvedores de aplicativos para escritórios, objetivando que seus programas possam funcionar normalmente com o sistema operacional por ela produzido.
Embora a Microsoft haja declarado que cumpriria a decisão, isso não aconteceu. Ao contrário, em fevereiro deste ano de 2008, a Comissão Européia multou a Microsoft em mais 1,35 bilhão de dólares americanos, por não respeitar a decisão antitruste.
As práticas adotadas no mundo todo pela Microsoft são as mesmas, e não encontram guarida na legislação brasileira, que reprime e desaprova tais condutas. A prática predatória da Microsoft configura infração da ordem econômica tipificada no art. 20 da Lei nº 8.884/1994, potencialmente violadora do bem estar da coletividade e da paz social, agredindo o princípio da promoção do bem estar de todos.
Tal prática escraviza o cidadão e o consumidor, que torna-se refém do predador, sem chance de escolher outros produtos, violando os princípios republicanos de liberdade, justiça e solidariedade.
Nenhum Estado da Federação ou Órgão Público pode apoiar tais práticas ilícitas, pois tal atitude consistiria em violação também ao princípio da legalidade.
Neste sentido, é muito estranho que a governadora ressuscite o espólio do ex-monopólio
internacional se igualando ao governo tucano de Serra no Estado de São Paulo, que recentemente adotou este mesmo protocolo com a Microsoft, onde a “expectativa é de fornecimento de 5.5 milhões de contas (Folha de São Paulo: 14/10/2008)” numa tentativa de fidelizar o governo e amarrá-lo na estratégia de controle da rede mundial de computadores.
Além disso, o equivoco da governadora do Estado e seus assessores corrobora com o projeto do senador tucano Eduardo Azeredo em controlar a rede mundial com um projeto dissimulado de crimes na internet, onde o principal interessado é justamente a Microsoft. Este sórdido projeto vem sendo questionado intransigentemente pelo Partido dos Trabalhadores e por setores da sociedade civil.
Cabe indagar a governadora quantas contas de hotmail/MSN a Microsoft disporá para os usuários do NAVEGAPARÁ? Se a governadora está consciente em doar acesso dos cidadãos gratuitamente para uma empresa privada? Aliás, senhora governadora, quem são os usuários do NAVEGAPARÁ?
Se a governadora foi informada pelos seus assessores do NAVEGAPARÁ que empresas privadas como a Microsoft vivem de acessos, anúncios e links patrocinados.
E por último senhora governadora, o que restará do processo de desenvolvimento da ferramenta de colaboração, Expresso-pa, utilizada para correio eletrônico?
Finalizando, a comunidade de tecnologia reprova esta empreitada por não ser transparente, por remar contra a liberdade, por ser contra os princípios de transparência do que defende o Partido dos Trabalhadores no serviço público, por ser uma política nefasta ao que o governo federal vem oportunizando na adoção de tecnologias abertas no setor público, além disso, fere os princípios do próprio Decreto nº 144 de 25/04/2007 (Comissão de Sistemas de Informação e Telecomunicações do Estado -COSIT).
A própria governadora do Estado precisa solicitar que seus assessores reconfigurem sua fala no site do NAVEGAPARÁ (http://www.navegapara.pa.gov.br): “Um povo não pode ser livre sem acesso a informação e à educação. É isto que estamos fazendo com o NAVEGAPARÁ: possibilitando o acesso a informação e a educação. Por isso, mais do que um projeto de inclusão digital, este é um programa de inclusão social”. Que traição governadora!!!.
Sendo assim, a Assembléia Legislativa precisa debater o oportunismo deste protocolo de intenções em audiência pública, cabe ao Ministério Público se posicionar sobre o privilégio de uma única empresa privada controlar o acesso informacional no setor público, cabe ao CADE se manifestar sobre a tentativa de monopólio disfarçado da Microsoft.

12 comentários:

Anônimo disse...

Bom dia, Francisco:

o que desanima não é o tamanho do textó, é o conteúdo. Pela absoluta e injustificável marcha-a-ré de um projeto de "liberdade" tecnológica que ministérios e tribunais já disseminam e recomendam.

E, entendi menos ainda a vantagem da contrapartida da Microsoft. Quer dizer que os meninos vão poder usar "gratuitamente" o Hotmail como correio eletrônico? Ou faltou-me clarividência?

Caramba!

Abração.

Val-André Mutran  disse...

Fiquei confuso também Bia e Francisco.
Se entendi o governo paraense assinou um protocolo com a titã americana para fornecer o que já é de graça?
Até onde sei a abertura de contas de e-mail no msn e hotmail, até o segundo passado quando escrevo essa indagação era de graça.
Estão vendendo o que já era de graça?
Fala sério!
Deixa eu me beliscar para ter a certeza que não é sonho.

Francisco Rocha Junior disse...

Bia, acertaste na mosca: é realmente um passo pra trás, principalmente porque o Expresso Livre, ferramenta baseada em software livre, já vem sendo utilizada há algum tempo pela Administração Pública paraense.

Quanto a não entender o que está acontecendo, dúvida que tu compartilhas com o Val-André, não precisa se beliscar: vocês estão muito acordados. É inacreditável, mas é isso mesmo. O governo do Estado firmou convênio para uso de uma ferramenta que já está disponível de graça na internet, gerando tráfego para a Microsoft. Aqui está o anúncio da celebração do programa pela Agência Pará: http://www.agenciapara.com.br/exibe_noticias.asp?id_ver=35851

Inacreditável, não é mesmo? Como diria a propaganda do governo passado, "é Pará isso".

Val-André Mutran  disse...

Caraca!
Com uma assessoria dessa nem precisa de adversário Francisco.
É o tal "fogo amigo", atualmente um "sú" em voga no Pê Tê.
Rssssssss.

Anônimo disse...

Para quem deseja compreender a real motivação da Microsoft em "doar" as tais contas de correio eletrônico (publicidade dentro do serviço de correio está incluida no pacote), basta lembrar que um dos negócios mais rentáveis da nova economia digital é a venda de publicidade na Internet. Esse negócio movimenta bilhões de dólares é foi responsável por exemplo pelo crescimento avassalador do onipresente Google. Ele é a mola mestra do que chamamos de "economia Google".

É um mercado onde a toda-poderosa Microsoft não tem grande relevância e onde o principal ativo está ligado ao volume de tráfego e transações.

Comenta-se que o plano consiste em fechar acordos semlhantes com pelo menos 13 estados da brasileiros. No ano passado as investidas foram focadas em países como Chile e Peru.

Já comentei sobre o assunto aqui.

Francisco Rocha Junior disse...

Antônio,
Até onde sei, mais negócio que a publicidade na web é a geração de tráfego para telefônicas. Este foi o mote do surgimento das internets grátis da vida (IG e outros). Por trás do papo de publicidade, escondia-se na verdade a geração de tráfego pela infovia espraiada da Embratel e outras. É bem capaz que isto permaneça sendo o filão de hoje.
O que admira é o governo do Estado dar vazão a esta geração de receita sem que tenha sido realizada qualquer licitação.

Anônimo disse...

Francisco,

Os números envolvendo publicidade digital, insuspeitamente para a esmagadora maioria das pessoas, são gigantescos. Engana-se quem acredita que o negócio do Google é buscas, na realidade é a publicidade quem gera um quantidade fabulosa de dinheiro para a gigante da Internet. O motor de buscas é a ferramenta necessária para operacionalizar esse modelo de negócios.

Recomendo a leitura do excelente: "Google: a História do Negócio de Mídia e Tecnologia de Maior Sucesso dos Nossos Tempos" - Ed. Rocco, David A. Vise (vencedor de um Pulizter) Mark Malseed (jornalista pesquisador de Boob Woodward).

Quanto a tarifação de telefonia, é um modelo que já começa a caducar. Exatamente por isso esse modelo de provedores gratúitos vem perdendo força e começa a fazer sentido apenas em caráter regional.

O problema é que ele se apoia no funcionamento de uma rede comutada, ou seja: quanto mais distante a ligação realizada para duas pessoas (comutações) maior o valor da ligação. Com o advento da Internet e da telefonia sobre IP (VoIP) esse modelo passa a deixar de fazer sentido, não existe mais a limitação da distância. Por exemplo, pode sair mais barato ao realizar uma ligação entre SP e RJ fazer o roteamento da chamada através de uma cidade nos Estados Unidos e isso está implodindo o modelo de telefonia comutada.

No caso do governo Ana Júlia, essa hipótese não se sustenta também. Pelo menos no que diz respeito ao acordo com a Microsoft.

Ele está relacionado com o projeto navega pará, uma infovia digital para interligar prédios governamentais e proporcionar inlcusão digital. A rede vem sendo montada utilizando um convênio com a Eletronorte (para interiorizar o acesso) e a quanto a capilaridade e última milha serão utilizadas tecnologias de rádio digital. Eu mesmo participei do processo de elaboração das especificações da rede.

Portanto no momento não se trata em gerar receita para a Prodepa ou para a Microsoft, com a tarifação de acesso.

Agora permita compartilhar aqui um segredinho sujo. Existe uma iniciativa chamada Expresso Livre - PA, que vem sendo paulatinamente abandonada pela Prodepa (trazida para o estado pelos técnicos da Celepar para substituir a poderosa solução Notes da IBM, já a bastante tempo em uso no estado), basicamente pelos seguintes motivos:

1- Deficiência nos quadros da Prodepa. Os cérebros por trás da implantação do Expresso no estado, sairam da Prodepa em busca de melhores oportunidades profissionais. Afirmo isso porque alguns deles são meus amigos pessoais.

2- A utilização do argumento pró-SL ou tecnologias open source apenas como bandeira política na atual gestão. O "alto-comando" prodepiano, essencialmente formado por professoras da Unama e UFPA (sem qualquer experiência prévia tanto em gestão pública como em gestão de TIC - acho que não preciso e também não desejo dar nomes a esses bois), também não possui qualquer familiariada com essas inovadoras tecnologias (responsáveis pela existência de negócios até pouco tempo impensados, como por exemplo o próprio Google) e por isso não tem capacidade de exergar do óbvio, a gratuidade de algumas ferramentas. Pensar dessa forma é apenas o primerio passo para um desastre na implementação (acho que é justamente a fase que estamos experimentando agora).

3- No final do ano passado a Microsoft instalou-se de mala e cuia na cidade, através da implantação de seu escritório regional, em detrimento de Manaus para ser comandao por um colega, o filho da terra Mauro Bastos (ex-Telemar), um competente executivo. De imediato conseguiu-se persuadir o pessoal de tecnologia do atual governo (novamente o alto-comando prodepiano, os professores da UFPA e Unama) que deveriam produzir um registro de preços de licenças de alguna softs da Microsoft - principalmente bancos de dados e servidores de mensagens Exchange (procurem em compras pará). Quase ninguém ficou ciente disso, até mesmo porque estávamos vivendo o auge da cortina de fumação produzida pela Prodepa para capitalizar em cima de afirmações de que haveria uma migração em massa para SL no âmbito do governo do estado. Eu sempre mantive um pé atrás e jamais fui tão otimista quanto alguns incautos, dentro do próprio PT, que inclusive já foram vitimados pelo processo.

Sobre esse assunto eu acho que agora vamos entrar na fase 2, a da "terra arrasada".

E sobre o navega-pa... o estado do Amazonas larga depois e deve concluir sua rede publica de alta velocidade antes de nós. Lá eles estão anunciando e fazendo uma PPP às claras, declarando inclusive quanto vão gastar no processo.

Francisco Rocha Junior disse...

Antônio,
Obrigado pelo esclarecimento, com conhecimento de causa. O mote do post, no entanto, permanece, creio eu.
Quanto ao Expresso Livre, permanece sendo utilizado. Uso-o na PGE. Não sei que finalidade darão à ferramenta, agora, com essa história da Microsoft.

Anônimo disse...

"O mote do post, no entanto, permanece, creio eu."

Você está absolutamente correto.

Quanto ao Expresso, compartilho da sua coriosidade. O Expresso na esfera pública tem um enorme aliado, o atual presidente do Serpro. Mazzoni é um sujeito de visão e por onde passa deixa sua marca.

Anônimo disse...

Francisco,

Uma notícia fresquinha que só corrobora com aquela descrição da publicidade como avedete (em termos de rentabilidade) da rede mundial: Firefox caiu na malha fina. Culpa do Google

Anônimo disse...

Leiam: GOVERNO DO PARÁ VAI PRIVATIZAR E-MAILS DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

Não compartilho das espectativas do Sérgio Amadeu (ex-presidente do ITI - o homem que teve coragem de peitar a Microsoft), suspeito que nem MP nem TC tomarão qualquer iniciativa.

Francisco Rocha Junior disse...

Antônio,
Obrigado por mais esta colaboração preciosa. Vou linkar o assunto em um post próprio.