quarta-feira, 1 de abril de 2009

Nobel ou Oscar?


Dr. Miguel Nicolelis
(imagem: Roberta Salgado G. da Silva)

Desde 2002 venho acompanhando cuidadosamente as publicações do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, um dos mais fortes nomes da ciência contemporânea.
Seus famosos laboratórios Rat Lab e Monkey Lab, na Duke University (Durham, Carolina do Norte; E.U.A.) nos deram excelentes artigos sobre a fisiologia da epilepsia, da esquizofrenia e dos distúrbios do movimento.
E, como não poderia deixar de ser, a mídia brasileira o "lançou" há alguns anos como candidato ao primeiro prêmio Nobel brasileiro, o de medicina, projetando tal fato para a década de 2020-30.
Até aí, tudo dentro da mais plausível possibilidade, agregando-se uma pitada de ufanismo e outra de otimismo.
No dia 20 de março passado tivemos mais uma boa notícia em relação ao nosso "candidato": um artigo sobre a Doença de Parkinson, de autoria de Nicolelis e do chileno Rômulo Fuentes mereceu a capa da renomada revista Science.
Neste trabalho Nicolelis relata melhora assustadora, com remissão completa dos sintomas da doença de Parkinson em camundongos, após a estimulação elétrica da medula espinhal. O pesquisador prepara trabalho semelhante com macacos, a ser concluído ainda em 2009, e talvez com humanos em 2010.
Houve reportagens nos jornais, menções em semanários e aparições na televisão, Brasil afora.
Eu achei que havia algo de estranho, pois a doença descrita por James Parkinson há quase 200 anos cursa com tremor e rigidez (dentre outros sinais e sintomas), é degenerativa e progressiva, tem provável causa hereditária e é oriunda em certos núcleos cerebrais. Ter a medula espinhal como alvo terapêutico me soou um tanto quanto bizarro. Mas o Dr. Miguel é o "cara" da atualidade, então acabei inibindo os meus secretos pensamentos negativos sobre a matéria.
Porém, por uma coincidência enorme, participei no último final de semana do I Foro Latinoamericano de Parkinson e Alzheimer, no Rio, e lá estavam grandes estudiosos da Doença de Parkinson, como o inglês Anthony Schapira.
E Nicolelis foi o prato do dia em todas as rodas de conversa, nos coffeebreaks, almoços, jantares, etc.
Ouvi frases como "acho que ele dissociou da realidade", "é um grande cientista, mas este artigo é um escorregão na sua carreira", "ele tem que resolver se é um pesquisador ou um visionário lunático" e, dita por um amigo paulista (certamente um dos melhores neurologistas clínicos do país), "orra, meu, o Miguel viajou na maionese!".
Para poder sedimentar uma opinião pessoal, optei por ler o artigo na íntegra, com cuidado redobrado. Li, reli, e, a despeito do rigor científico aplicado e do tom de pesquisa irretocável, confesso que fiquei com dúvidas e pensativo.
Poderá haver um perigoso momento na carreira de um grande profissional em que ele, por tanto saber, por tanto estudar, acabe por se dissociar da realidade científica e por criar uma nova realidade? Gênio? Lunático? Confuso? Profeta?
As respostas para estas perguntas eu não as tenho.
Mas, em um arroubo de sinceridade, tenho que declarar que o artigo de maior destaque na carreira do meu ídolo me pareceu ser o começo do fim, por ferir profundamente parte da lógica neurofisiológica vigente.
Se não vier o Nobel, quem sabe o Oscar...
Espero que eu esteja errado.

7 comentários:

Itajaí disse...

O artigo de fato é desafiador. Lembro que ele parte de uma pegunta estruturada em busca de responder a uma hipótese que, ao final, os autores efetivamente respondem em cobaias. Ressalto a tipologia da pesquisa pré-clinica porque entre esta e a comprovação da validade desses achados para humanos vai uma longa, longuíssima e tortuosa estrada que, simplesmente, como diz a música de Gil, pode dar em nada do que o pesquisador esperava encontrar.
Cabe por fim dizer que não se publicam artigos na Science com base na fama dos autores . Os trabalhos antes de serem publicados são revistos na íntegra por pares do mesmo nível dos autores, e conforme o caso podem ser até rejeitaos para publicação. Esse extremo é a chamada revisão por pares ou peer-review. Significa avaliar se o que é dito tem razão de ser dito e mais: possui substância para demonstrá-lo em termos da melhor evidência científica disponível no momento.
Curiosamente, a despeito do burborinho que presenciaste no citado encontro de especialistas, ninguém na seção de cartas do último número da Science (27/03) contestou o trabalho de Nicolelli e colaboradores. Vamos acompanhá-la para ver como a polêmica se constituirá.

Yúdice Andrade disse...

Eu li direito? O grande cientista brasileiro pesquisa... nos Estados Unidos?
Sintomático: se permanecesse no Brasil, ele não conseguiria ir tão longe. Estou certo?

Itajaí disse...

Não podemos comparar o vigor da economia norte-americana com ninguém. E pesquisa pede dinheiro em todas as suas etapas: da formação de pessoal, das definições de rotas até a inovação, que é quando o conhecimento encarna em forma de mercadoria. O cientista calculou o custo de oportunidade e fez a opção justa para as pretensões que tinha.
Se ficasse aqui, conseguiria ir tão longe? Certamente, embora não especificamente nesse campo, ou se nele, na velocidade que terminou adquirindo. Bom lembrarmos que os ganhos da atual Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação só tem precedentes para comparação nos idos 70. Para a ciência brasileira, as décadas de 80 e 90 foram anos perdidos pelo vigor do pensamento economico neoliberal e os ajustes fiscais a que foram submetidos os países em desenvolvimento, a partir do Consenso de Washington.

Scylla Lage Neto disse...

Itajaí, o problema maior desta publicação me parece ser a projeção de resultados obtidos através de modelos induzidos de Parkinson em camundongos direto para primatas, e a menção do caminho em direção a nós Homo sapiens.
Para quem já trabalhou e trabalha com DBS E SCS (Deep Brain Stimulation e Spinal Cord Stimulation), os resultados soam totalmente irreais.
Quanto à repercussão, contestar Nicolelis hoje, pelo menos por escrito, me parece algo como falar mal do Bispo Edir Macedo em templos da Universal. Mas nos bastidores...
E, sem sombra de dúvidas, tecnicamente a publicação é impecável, como todas deste grupo.
Abs.

Scylla Lage Neto disse...

Yúdice, o neo-imperialismo manda, inclusive nas pesquisas.
Lamento sermos mais um país exportador de cérebros.
Um abraço.

Itajaí disse...

Scylla, então vamos aguardar. Porque se é tão irreal assim, haverá quem conteste os resultados cientificamente e em público. Nos últimos anos como burocrata da ciência sei que, nela, ninguém sobrevive impunemente. Rsrsrsrs.

Scylla Lage Neto disse...

ONLY THE STRONG SURVIVE!
UM ABRAÇO.