terça-feira, 7 de julho de 2009

Lúcio Flávio Pinto comenta a sentença

Do jornalista Lúcio Flávio Pinto, o blog recebe a seguinte nota, a respeito da condenação que lhe foi impingida pelo Judiciário paraense:

AO CARO LEITOR

Li com estupefação, perplexidade e indignação a sentença que ontem me impôs o juiz Raimundo das Chagas, titular da 4ª vara cível de Belém do Pará. Ao fim da leitura da peça, perguntei-me se o magistrado tem realmente consciência do significado do poder que a sociedade lhe delegou para fazer justiça, arbitrando os conflitos, apurando a verdade e decidindo com base na lei, nas evidências e provas contidas nos autos judiciais, assim como no que é público e notório na vida social. Ou, abusando das prerrogativas que lhe foram conferidas para o exercício da tutela judicial, utiliza esse poder em benefício de uma das partes e em detrimento dos direitos da outra parte.
O juiz deliberou sobre uma ação cível de indenização por dano moral que contra mim foi proposta, em 2005, pelos irmãos Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, donos da maior corporação de comunicação do norte do país, o Grupo Liberal, afiliado à Rede Globo de Televisão. O pretexto da ação foi um artigo que escrevi para um livro publicado na Itália e que reproduzi no meu Jornal Pessoal, em setembro daquele ano.
O magistrado acolheu integralmente a inicial dos autores. Disse que, no artigo, ofendi a memória do fundador do grupo de comunicação, Romulo Maiorana, já falecido, ao dizer que ele atuou como contrabandista em Belém na década de 50. Condenou-me a pagar aos dois irmãos indenização no valor de 30 mil reais, acrescida de juros e correção monetária, além de me impor o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados pelo máximo permitido na lei, de 20% sobre o valor da causa.
O juiz também me proibiu de utilizar em meu jornal “qualquer expressão agressiva, injuriosa, difamatória e caluniosa contra a memória do extinto pai dos requerentes e contra a pessoa destes”. Também terei que publicar a carta que os irmãos Maiorana me enviarem, no exercício do direito de resposta. Se não cumprir a determinação, pagarei multa de R$ 30 mil e incorrerei em crime de desobediência.
As penas aplicadas e as considerações feitas pelo juiz para justificá-las me atribuem delitos que não têm qualquer correspondência com os fatos, como demonstrarei.
O juiz alega na sua sentença que escrevi o artigo movido por um “sentimento de revanche” contra os irmãos Maiorana. Isto porque, “meses antes de tamanha inspiração”, me envolvi “em grave desentendimento” com eles.
O “grave desentendimento” foi a agressão que sofri, praticada por um dos irmãos, Ronaldo Maiorana. A agressão foi cometida por trás, dentro de um restaurante, onde eu almoçava com amigos, sem a menor possibilidade de defesa da minha parte, atacado de surpresa que fui. Ronaldo Maiorana teve ainda a cobertura de dois policiais militares, atuando como seus seguranças particulares. Agrediu-me e saiu, impune, como planejara. Minha única reação foi comunicar o fato em uma delegacia de polícia, sem a possibilidade de flagrante, porque o agressor se evadiu. Mas a deliberada agressão foi documentada pelas imagens de um celular, exibidas por emissora de televisão de Belém.
O artigo que escrevi me foi encomendado pelo jornalista Maurizio Chierici, para um livro publicado na Itália. Quando o livro saiu, reproduzi o texto no Jornal Pessoal, oito meses depois da agressão.
Diz o juiz que o texto possui “afirmações agressivas sobre a honra” de Romulo Maiorana pai, tendo o “intuito malévolo de achincalhar a honra alheia”, sendo uma “notícia injuriosa, difamatória e mentirosa”.
A leitura isenta da matéria, que, obviamente, o magistrado não fez, revela que se trata de um pequeno trecho inserido em um texto mais amplo, sobre as origens do império de comunicação formado por Romulo Maiorana. Antes de comprar uma empresa jornalística, desenvolvendo-a a partir de 1966, ele estivera envolvido em contrabando, prática comum no Pará até 1964. Esse fato é de conhecimento público, porque o contrabando fazia parte dos hábitos e costumes de uma região isolada por terra do restante do país. O jornal A Província do Pará, um dos mais antigos do Brasil, fundado em 1876, se referiu várias vezes a esse passado em meio a uma polêmica com o empresário, travada em 1976.
Três anos antes, quando se habilitou à concessão de um canal de televisão em Belém, que viria a ser a TV Liberal, integrada à Rede Globo, Romulo Maiorana teve que usar quatro funcionários, assinando com eles um “contrato de gaveta” para que aparecessem como sendo os donos da empresa habilitada e se comprometendo a repassar-lhe de volta as suas ações quando fosse possível. O estratagema foi montado porque os órgãos de segurança do governo federal mantinham em seus arquivos restrições ao empresário, por sua vinculação ao contrabando, não permitindo que a concessão do canal de televisão lhe fosse destinado. Quando as restrições foram abolidas, a empresa foi registrada em nome de Romulo.
Os documentos comprobatórios dessa afirmação já foram juntados em juízo, nos processos onde os fatos foram usados pelos irmãos Maiorana como pretexto para algumas das 14 ações que propuseram contra mim depois da agressão, na evidente tentativa de inverter os pólos da situação: eu, de vítima, transmutado à condição de réu.
Todos os fatos que citei no artigo são verdadeiros e foram provados, inclusive com a juntada da ficha do SNI (Serviço Nacional de Informações), que, na época do regime militar, orientava as ações do governo. Logo, não há calúnia alguma, delito que diz respeito a atribuir falsamente a prática de crime a alguém.
Quanto ao ânimo do texto, é evidente também que se trata de mero relato jornalístico, uma informação lateral numa reconstituição histórica mais ampla. Não fiz nenhuma denúncia, por não se tratar de fato novo, nem esse era o aspecto central do artigo. Dele fez parte apenas para explicar por que a TV Liberal não esteve desde o início no nome de Romulo Maiorana pai, um fato inusitado e importante, a merecer registro.
O juiz justificou os 30 mil reais de indenização, com acréscimos outros, que podem elevar o valor para próximo de R$ 40 mil, dizendo que a “capacidade de pagamento” do meu jornal “é notória, porquanto se trata de periódico de grande aceitação pelo público, principalmente pela classe estudantil, o que lhe garante um bom lucro”.
Não há nos autos do processo nada, absolutamente nada para fundamentar as considerações do juiz, nem da parte dos autores da ação. O magistrado não buscou informações sobre a capacidade econômica do Jornal Pessoal, através do meio que fosse: quebra do meu sigilo bancário, informações da Receita Federal ou outra forma de apuração.
O público e notório é exatamente o oposto. Meu jornal nunca aceitou publicidade, que constitui, em média, 80% da fonte de faturamento de uma empresa jornalística. Sua receita é oriunda exclusivamente da sua venda avulsa. A tiragem do jornal sempre foi de 2 mil exemplares e seu preço de capa, há mais de 12 anos, é de 3 reais. Descontando-se as comissões do distribuidor e do vendedor (sobretudo bancas de revista), mais as perdas, cortesias e encalhes, que absorvem 60% do preço de capa, o retorno líquido é de R$ 1,20 por exemplar, ou receita bruta de R$ 2,4 mil por quinzena (que é a periodicidade do jornal). É com essa fortuna que enfrento as despesas operacionais do jornal, como o pagamento da gráfica, do ilustrador/diagramador, expedição, etc. O que sobra para mim, quando sobra, é quantia mais do que modesta.
Assim, o valor da indenização imposta pelo juiz equivale a um ano e meio de receita bruta do jornal. Aplicá-la significaria acabar com a publicação, o principal objetivo por trás dessas demandas judiciais a que sou submetido desde 1992.
Além de conceder a indenização requerida pelos autores para os supostos danos morais que teriam sofrido por causa da matéria, o juiz me proibiu de voltar a me referir não só ao pai dos irmãos Maiorana, mas a eles próprios, extrapolando dessa forma os parâmetros da própria ação. Aqui, a violação é nada menos do que à constituição do Brasil e ao estado democrático de direito vigente no país, que vedam a censura prévia. A ofensa se torna ainda mais grave e passa a ter amplitude nacional e internacional.
Finalmente, o magistrado me impõe acatar o direito de resposta dos irmãos Maiorana, direito que eles jamais exerceram. É do conhecimento público que o Jornal Pessoal publica – todas e por todo – as cartas que lhe são enviadas, mesmo quando ofensivas. Em outras ações, ofereci aos irmãos a publicação de qualquer carta que decidissem escrever sobre as causas, na íntegra. Desde que outra irmã iniciou essa perseguição judicial, em 1992, jamais esse oferecimento foi aceito pelos Maiorana. Por um motivo simples: eles sabem que não têm razão no que dizem, que a verdade está do meu lado. Não querem o debate público. Seu método consiste em circunscrever-me a autos judiciais e aplicar-me punição em circuito fechado.
Ao contrário do que diz o juiz Raimundo das Chagas, contrariando algo que é de pleno domínio público, o Jornal Pessoal não tem “bom lucro”. Infelizmente, se mantém com grandes dificuldades, por seus princípios e pelo que é. Mas dispõe de um grande capital, que o mantém vivo e prestigiado há quase 22 anos: é a sua credibilidade. Mesmo os que discordam do jornal ou o antagonizam, reconhecem que o JP só diz o que pode provar. Por assim se comportar desde o início, incomoda os poderosos e os que gostariam de manipular a opinião pública, conforme seus interesses pessoais e comerciais, provocando sua ira e sua represália. A nova condenação é mais uma dessas vinganças. Mas com o apoio da sociedade, o Jornal Pessoal sobreviverá a mais esta provação.
Belém, 7 de julho de 2009
Lúcio Flávio Pinto

17 comentários:

Anônimo disse...

Lamentável que essas famiglias de coronéis sobrevivam e tratem o Brasil como terra de ninguém. Pior é o Judiciário se fazer de surdo, mudo e, principalmente, cego diante das mazelas.
Nossa solidariedade ao bravo jornalista.

armando do prado

Anônimo disse...

LFP, bola pra frente!
Vida longa a vc e ao Jornal Pessoal.
O "outro" jornal vai sobreviver algum tempo com essa "bolada" de R$ 30 mil. Pra eles, vai ver, tá fazendo a diferença...

Gilmar Antonio Crestani disse...

Não me espanta o comportamento d'O Liberal. Todas as afiliadas da Globo seguem o mesmo script. Nasceram e cresceram à sobra da ditadura, usando de expedientes os mais variados para sufocar os concorrentes, dentre outros até violência física. A liberdade deles é a de empresa, mas alegando de imprensa. A RBS, aqui no RS, já fez pior. E continua filiada à Rede Globo, respondendo e propondo procesos em todos os fóruns. A Rede Globo e suas afiliadas não passam de um câncer, mas são Cosa Nostra!

Anônimo disse...

O Sindicato dos Jornalistas esta apoiando quem?

Francisco Rocha Junior disse...

Boa pergunta, das 14:19. Alguém saberia responder?

Janaina Amado disse...

Há muito tempo deixei de acreditar na Justiça brasileira. Sentenças como essa só confirmam minha descrença. Parabéns por seu trabalho, Lúcio Flávio.

Alice Mann disse...

Espero que as Associações dos Juizes, dos Jornalistas, das Empresas de Comunicação e da Sociedade Civil exteriorizem seus pareceres sobre esse fato, violação do direito da liberdade de expressão, para que a Democracia seja democratizada.

Francisco Rocha Junior disse...

Herbert Marcus, infelizmente não posso aprovar seu comentário, que está pleno de adjetivações.
Assim, também o Flanar será processado e, desta vez, contrariamente ao caso do Lúcio, com alguma razão.
Entendo e comungo de sua revolta. Porém, peço-lhe que refaça sua manifestação, se quiser, e terei o máximo prazer em publicá-la.
Abraço.

Gilson Raslan disse...

Lúcio Flávio, os brasileiros conscientes estão com você.
Não desanime, continue sua luta.
Quando tivermos uma verdadeira justiça, esta corja de Marinhos, Civitas, Mesquitas, Frias ... terá o que merece.

Flávio MIranda disse...

Faço coro comos demais. É revoltante saber que estamos certo, que a sociedade em geral sabe que esta certo e os homens que se dizem fazer a lei, distorcem os fatos.

Lúcio Flávio Pinto é um grande nome do jornalismo, pois estamos do lado dele, sou seja, da verdade

Herbert Marcus disse...

“Cada um tem tanta justiça quanto vale seu poder”

(NIETZSCHE, in Humano Demasiado Humano - Um livro para espíritos livres)

Caro Francisco Rocha,


Respeito sua decisão de não publicar meu comentário, que se encontra aqui e aqui. E não pretendo polemizar sua decisão.

Tampouco pretendo refazé-lo para atender seu receio em não ser processado por um texto assinado por mim; talvez por parte do mesmo juiz que condenou Lúcio Flávio a não mais falar (mal) dos Maiorana?

O importante nele, bem acima dos meus trocadilhos irônicos, que você chama de adjetivações, é a proposição de ajudarmos LFP a pagar a conta imposta pelo Meritíssimo das Chagas.

A proposição já começa tomar forma no blog do Idelber Avelar, com manifestáveis favoráveis de vários internautas.

Então fica minha proposição para que o Flanar entre nessa.

O Lúcio já disponibiliza em O Pessoal uma conta bancária para colaborações:

UNIBANCO (banco 409)
Conta: 201.512-0
Agência: 0208
CPF: 610.646.618-15

Colaborar financeiramente com o Lúcio nesse momento é uma manifestação concreta de nossa indignação, além do voluntariado pela causa do jornalismo comprometido com a verdade e o interesse público , como ele nos lembra em sua página web.

Abraços, Herbert Marcus

Anônimo disse...

Parabéns, meu caro, por sua coragem! Sei que sua luta deve ser difícil, mas, ao final a verdade deve prevalecer. Espero, sinceramente, que a 2ª instância reforme essa absurda sentença, deferida ultra e extra petita. Essa turma de barões estão com os dias contados. O POVO, para infelicidade desses nobres, está cada vez mais conscientizado do seu papel numa democracia. Grupos midiáticos como Globo já não fazem a cabeça de todos como até pouco tempo, felizmente.

Paulo Maurício disse...

Com a devida venia, discordo dos que defendem de forma veemente o sr. Lúcio Flávio, ele não é dono da razão, muito menos o da verdade. É patente sua persiguição a certas pessoas de nossa cidade. E em boa parte das vezes se fazendo de pobre coitado, quem o conhece sabe que não é bem assim. Como todos ele tem sua ipinião e parcialidades, que são patentes em algumas de suas matérias.
Houve setença de um juíz e que o foro competente para o jus esperniandi do mesmo, é a esfera jurídica com o remédio legal competente.
Agora, ele não é o bambambã que todos alardeiam. É minha opinião.

Francisco Rocha Junior disse...

Herbert, obrigado pela compreensão. Os blogs funcionam assim, cada qual com seus critérios de moderação de comentários. E aqui, no Flanar, cada editor tem também os seus.

De qualquer modo, seu comentário, recusado aqui, está disponível nos links que você indicou.

Sobre a proposta, certamente muitos daqui ajudarão o Lúcio, cada qual à sua maneira.

Francisco Rocha Junior disse...

Paulo Maurício, o direito de expressar sua opinião é sagrada. Taí o comentário publicado que prova o afirmado. Não concordo com ele. Mas aí é outra história.

Obrigado pela participação.

Anônimo disse...

Por onde anda o Sindicato dos Jornalistas? Será que terá coragem para protestar? Sei não como a briga é com o Grupo Liberal, o Sindicato talvez poste uma nota oficial parabenizando o nobre juiz!

Anônimo disse...

Ricardo Ferreyra
Gracas a internet a media tradicional ja nao tem esse poder que tinha antes. E mais pessoas tem acesso a informacao.Tenho certeza que voce Lucio vai sair desta ainda mais fortalecido com o apoio dos verdadeiros jornalistas e a populacao consciente que percebe que se nao se apoia aos legitimos defensores da verdade nao ha mudanca.
Tal vez nao se lembre de mim mas eu foi seu professor de ingles nos anos 90 agora moro nos Estados Unidos. Mais uma vez tenho absoluta conviccao que voce sai desta com apoio maior ainda .O povo esta cansado de ser vitima dos poderosos. Um abraco.ricdelgado11@yahoo.com