terça-feira, 7 de julho de 2009

Rui Marinho

Num telejornal, a primeira reportagem é naturalmente a mais, ou pelo menos uma das mais importantes da edição. Outra que merece destaque especial é a última. Afinal, é ela que vai provocar as sensações finais no telespectador, levando-o a pensar no programa que acabou de assistir. Por isso, a última matéria pode até ser uma amenidade, mas foi eleita para provocar alguma emoção, talvez alegria ou bem estar, retirando um pouco da carga normalmente pesada que nossos jornalísticos costumam exibir.
A matéria de encerramento do Jornal Nacional de ontem - que você pode assistir clicando aqui - mostrou um pouco da história de Rui Marinho, jovem paraense que chegou à seleção brasileira de saltos ornamentais sincronizados e que, em breve, irá a Roma disputar o campeonato mundial dessa modalidade.
Segundo o seu atual técnico, Ricardo Moreira, Rui é o atleta de melhores aptidões físicas no Brasil atualmente e só precisa desenvolver a técnica para alcançar grandes resultados.
Há vinte dias, quando publiquei a postagem "O fim do mundo, segundo Roberto Paiva", fui alvo de duras e desrespeitosas críticas, aqui e em outros blogs, que puseram um link para o texto. Fui chamado de infantil e tratado como um deslumbrado ou ingênuo, bairrista, incapaz de ver como o Pará é uma merda (esta, a opinião alheia). E isso mesmo tendo declarado o óbvio - que estamos mal na foto -, mas manifestado minha irresignação com o fato de se destacar apenas isso, ocultando as reais intenções que há por trás da escolha das pautas. Em uma das aleivosias que me assacaram, fui desafiado a mostrar uma só coisa boa produzida pelo Pará, que não sejam o folclore e a culinária (estes são desde logo proibidos).
Pois bem: mostro Rui Marinho. Estou consciente de que ele só conseguiu obter o treinamento técnico de que necessita porque saiu de Belém, há um ano e meio, quando se mudou para Brasília. Ainda assim, observo que sua técnica incipiente e seu grande talento surgiram aqui, não apenas em Belém, mas especialmente no pobre e violento bairro da Terra Firme, numa brincadeira apresentada como típica do local: saltos sobre uma prancha de madeira, apoiada numa mola (de caminhão, presumo), caindo-se numa mistura de caroços de açaí com serragem. Foi ali que o técnico Roberto Ruffeil o viu e percebeu que ele tinha potencial. E um grande potencial.
Portanto, ainda podemos ver, aqui na combalida terrinha, histórias de gente talentosa, firme e honesta, que troca a pobreza e todos os indicadores propícios à marginalidade e à violência por uma carreira promissora e uma vida digna. Até mesmo pela possibilidade de representar o Brasil perante o mundo.
Decerto dirão que este exemplo não serve. Que é um fato isolado, que Rui foi embora daqui, que ninguém mais tem saco para essas histórias de superação e etc. Mas para mim o exemplo serve, sim. Porque se uma inesperada história real sobre vencer os prognósticos de uma sociedade injusta, que empurra as pessoas para baixo (a fim de manter as que estão em cima), não valem como prova de que o nosso povo tem muito a oferecer, então nada valerá.
Detalhe: a reportagem em questão, que fez o jornal terminar com os dois apresentadores com cara de ternurinha, não foi realizada por Roberto Paiva, e sim por Carlos Gil (na imagem, em plena mistura de açaí com serragem). Viu? Um outro jornalismo é possível.

5 comentários:

Edyr Augusto disse...

Estou de acordo, Yúdice. Contudo, não pude evitar um sentimento de humilhação, não apenas como paraense, mas como brasileiro, diante da brutal ausência de qualquer atitude na direção da Cultura e da Educação, abrangendo, no caso, o Esporte. Ver os garotos da Terra Firme dando seu próprio jeito, reconstruindo a realidade, me fez ficar entre o feliz pela coragem e superação, e a humilhação de viver aqui.
Abraços
Edyr

Yúdice Andrade disse...

Esta é uma crítica justa, caríssimo Edyr. Até porque o teu ramo de atividades te coloca na condição de saber do que falas, em vez de apenas palpitar ou jogar pedras pelo simples prazer de jogar pedras.
Com efeito, dentre as inúmeras políticas públicas ausentes no Estado, a do incentivo ao esporte merece menção. Mas isso não é exatamente uma peculiaridade paraense, certo? À exceção do futebol (que detesto), um pouco do vôlei e um pouco menos do basquete, aqui se cobra primeiro o resultado, depois se oferece o patrocínio. Essa dura realidade atingiu até mesmo os nossos ginastas de primeiro escalão, não foi?
Neste país, você tem que treinar descalço no asfalto quente, dar a sorte de ganhar alguma competição importante e, aí, quem sabe, aparecer num programa de TV e ter uma chance. Rui Marinho, pelo menos, teve um pouco dessa sorte.

Anônimo disse...

aconteceu o mesmo com a Daiane Santos, que começou brincando nas ruas e foi descoberta. E ela não é paraense...

Yúdice Andrade disse...

E com muitos outros atletas, das 18h23. Mas com certeza há uma boa razão para você escrever isso apenas para destacar que ela não é paraense. Af...

Anônimo disse...

você não entendeu, Yúdice: o que quis dizer foi que a miséria e as formas alternativas que levam este jovens ao ouro no esportes não ocorrem só aqi no Pará. e o problema da educação e do patrocínio (ou da falta deles)não é privilégio nosso, basta lembrar a situação da Jade, que perdeu o apoio mesmo depois de tudo que conquistou e elevou o nome do Brasil.