quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Um assunto delicado II

Relembro uma história bastante conhecida no meio pedetistas e político do Brasil, sobre a atitude que o ex-senador e educador Darcy Ribeiro, falecido em 1997, protagonizou quando foi internado numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) por causa de complicações respiratórias.

Em poucos dias pediu alta, mas não lhe foi permitido sair. Então fugiu e disse: “UTI é uma porcaria... Só fica lá quem está querendo morrer. Um monte de gente gemendo, esperando a morte. Pedi para o médico me dar alta. Ele não deu, então fugi".

As UTIs são áreas habitualmente fechadas e separadas física e funcionalmente do restante do hospital. Foram desenvolvidas há cerca de 50 anos para reunir, em um mesmo espaço, pacientes gravemente doentes ou em risco de morte e pessoal qualificado e equipamentos complexos para aperfeiçoar o tratamento de doenças graves e diminuir a mortalidade.

A eficiência desse conceito em atingir tais objetivos foi tão grande que, rapidamente, se construíram UTIs em praticamente todos os hospitais de médio e grande portes no mundo. Entretanto, vários problemas surgiram, entre eles, a falta de capacitação da equipe para atender os pacientes e a desumanização da unidade.

As UTIs mais antigas foram construídas em áreas adaptadas dos hospitais, sem espaço físico adequado tanto para os pacientes e seus familiares quanto para médicos e enfermeiros. Nessas circunstâncias, as primeiras equipes de saúde alocadas para atender os pacientes gravemente doentes não possuíam ambiente e formação adequados nem estavam capacitados para suportar o estresse de um ambiente com demandas permanentes.

Nos dias de hoje, o conceito de UTI tem sido reformulado. Elas estão se tornando também mais humanas. Humanas no sentido de valorizar o bem-estar e o conforto físico e emocional dos pacientes e seus familiares. Assim, estão ganhando espaço físico, com boxes ou quartos privativos espaçosos, bem iluminados. A equipe é treinada para valorizar os desejos e as preferências dos pacientes e seus familiares. Nas situações limite, a sustentação ou não dos suportes avançados de vida também têm sido discutidos com pacientes e familiares. Assim, cada vez mais eles tomam parte no processo de decisão.

Muito provavelmente o pior período da nossa saúde será quando tivermos que passar por uma UTI por causa de um infarto ou no pós-operatório de uma grande cirurgia. Nesse momento é imprescindível que sejamos tratados por uma equipe competente, otimista, proativa e humana. É claro que o que um paciente mais quer naquele momento é sobreviver ao evento, mas não é só isso. Sua valorização como pessoa com demandas individuais deve ser garantida também.

A maioria das UTIs de Curitiba, por exemplo, tem índices de mortalidade ao redor de 10-15%. Isso significa que um número significativo de internos em UTI volta para casa e, muitos deles, conseguem readquirir a sua atividade anterior. Por isso a UTI deve ser vista de uma forma diferente, como uma porta para a vida. O professor Darcy Ribeiro certamente teria uma impressão melhor das UTIs de hoje, se ainda estivesse vivo.

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Álvaro Réa Neto
, chefe da UTI - Adulto do Hospital de Clínicas da UFPR e diretor do CEPETI - Centro de Estudos e Pesquisa em Terapia Intensiva.

11 comentários:

Anônimo disse...

UTI, CTI é a porta para a morte! Falar em UTI ou CTI o doente pode dizer que não quer ir para esta dependencia?

Val-André Mutran  disse...

Anônimo das 10:01. Sou leigo no assunto. Mas, acho que quando há o diagnóstico correto e iminente risco de morte. Não resta ao médico responsável senão encaminhar o paciente à UTI. Afinal, ele foi para o hospital para salvarem-lhe a vida. O que, segundo o post, acontece de 75-90% dos casos.

Com a palavra nosso eminente intensivista Dr. Carlos Barretto.

Carlos Barretto  disse...

A pergunta do anônimo é oportuna e útil, pois reflete bem a visão errada que se tem destas unidades. muito em parte em função de novelas e filmetes que a retratam assim. Não perderei em hipótese nenhuma a oportunidade de esclarecer.
De fato, as boas UTIs tem índices de sobrevivência em torno de 80%. O que já detona a idéia de "portas da morte", que a massa absorveu ao longo dos anos.
Em outras palavras, elas se prestam aos pacientes com graves instabilidades orgânicas que necessitam de recursos especiais disponíveis apenas nestas unidades e podem se beneficiar delas. Ou seja, são lugares de pacientes graves e "salváveis". Não são lugares para pacientes estáveis, "terminais" ou insalváveis. Aqueles que a evolução clínica já deixou clara nenhuma possibilidade de sobrevivência, não são indicados para UTI.
Quanto a pergunta efetiva feita pelo anônimo, qualquer paciente pode recusar prestação de serviços médicos. Contudo, em casos de risco de morte em paciente salvável, existe o complicador do médico ser processado por omissão de socorro caso deixe de utilizar todos os recursos necessários para garantir a sobrevivência. Neste ponto, peço aos advogados que dêem seu parecer.
Quanto a humanização, é um velho problema, que felizmente, cada vez mais UTIs tem se comprometido em garantir aos pacientes e familiares. Mas que algumas ainda se ressentem de graves problemas no tocante ao tratamento humano e digno. Coisa que mudou muito nos últimos 10 anos, com a progressiva profissionalização das equipes de saúde para trabalhar em UTI.
Pessoalmente, espero que no dia que tiver algum problema de saúde de alta gravidade, com possibilidade de recuperação, tenha um leito disponível bem quentinho me aguardando na luta pela vida. É bom não esquecermos que há um déficit de leitos de UTI na rede pública e privada de saúde. E isso é algo que não podemos esquecer, na hora de "criarmos problemas" para entrar numa delas, ainda mais em caso de real necessidade.

Abs

Lafayette disse...

Barreto, até alteração da legislação, o médico deve se utilizar de todas as técnicas possíveis para EXECER o seu oficio, e não para salvar a vida do paciente ou curar sua doença. Se aquelas salvarem este, que bom.

Caso seja impedido de utilizar as técnicas que sua graduação específica lhe deu, aconselho registrar um Boletim de Ocorrência e solicitar, por escrito, ao Delegado que tome providências para que possa praticá-las.

Concomitantemente, tire cópias do BO e da solicitação ao Delegado (se no BO já constar o pedido expresso de providências ao Delegado, aquela não é mais necessário), autentique-as (caldo de galinha) e protocole duas cartas. Uma para o hospital, clínica etc., informando os acontecimentos, anexando as cópias. Outra, ao CRM, também informando os acontecimentos e também anexando as cópias. E vá cuidar daqueles outros que estão a sua espera.

Bem, acho que por aí, é o que penso. Alguém tem mais alguma dica?

Anônimo disse...

Senhor Carlos Barreto, fiz esta pergunta porque tive um amigo que recentemente morreu e ele ficou varias vezes na UTI do Hospital Alberto Ainsten (não sei o nome correto), pois tinha numerario para bancar seu tratamento e tambem era médico e ele me dizia que a pior coisa que heziste na face da terra é voce estar em UTI. Não se fala com ninguem, as horas não passam e voce vendo ou notando que seus colegas de UTI morreram no seu lado. Por fim na opinião dele se existe inferno é na UTI que se encontra aqui na terra.

Carlos Barretto  disse...

Senhor anônimo.
Cada qual tem a sua experiência em UTI. Conheço pessoas que tem depoimentos iguais ao do seu amigo e outras com depoimentos bem diferentes. Compreendo ambos. Inclusive como usuário que já fui.
Sou solidário a desagradável experiência de seu amigo. E veja vc que ele passou por isso na UTI do Einstein, que vem a ser uma das melhores do país! O fato é que existem doenças onde não há lugar satisfatório para ficar, a não ser a nossa casa. Esta é insubstituível. Aliás, o melhor mesmo é não ficar doente. Mas se ficar, for grave e salvável, torça por um bom leito de UTI e tenha coragem.
Abs

Lafayette disse...

Ei, Barreto, peraí se entendi direito: o índice de sobrevivência é em torno de 80% numa UTI???

Ei, amigo, aqui na Pratinha este índice seria quase amor.

Posso montar uma aqui em casa?

*Pô, o papo é sério e lá vem o cara jogando pedra na mangueira... isquiusilmi. rsrs

Carlos Barretto  disse...

Lafayette
Em outras palavras, não há como um ser humano, médico, tenha ele a mais espetacular formação possível, garantir a VIDA. Seria ele um Deus, nesta hipótese. Tem a obrigação de exercer tudo o que estiver a seu alcance, NA LUTA PELA VIDA. O que é um processo, sujeito a muitas variáveis. Incluindo aí, a própria disposição do paciente em lutar por ela. E também não há numerário, que compre a VIDA, quando ela não mais é possível.
Meu pai, quando ainda vivo, buscou tratamento nos EUA. E lá, queixou-se também de uma certa impessoalidade de seu cirurgião, que só o visitou uma única vez, ficando o acompanhamento pós-operatório para os médicos residentes e o cardiologista do hospital. Nos EUA!!!
É preciso ter "estômago" para enfrentar algumas situações. E a luta pela vida, é uma delas. Infelizmente.
Mas em tudo isso, e neste ponto estou de pleno acordo com o anônimo, as UTIs podem e devem melhorar seu atendimento no aspecto humanitário. E é precisamente esta a opinião do Dr. Álvaro Réa Neto, que foi presidente da AMIB em 2008. E é chefe da UTI do Hospital das Clínicas de Curitiba. Também um dos melhores centros formadores de intensivistas do Brasil.
Apenas, penso eu, que devemos todos nos preparar para algum dia lutar pela vida. E a melhor maneira de fazê-lo, certamente não é deixando de colaborar com as equipes de saúde, no momento mais decisivo. Aquele que pode fazer toda a diferença, segundo não mentem as estatísticas.

Abs à todos.

Carlos Barretto  disse...

Lafa
Boas UTIs de Belém tem índices de sobrevivência um pouco maiores do que isso.
A primeira UTI em que trabalhei em Belém, marcava este índice tranquilamente.
São os fatos. Em outras palavras, se deseja a vida e ela for plausível, nem pestaneje. Tome uma boa dose de coragem, outra de determinação, mais uma de "estômago" e vá a luta. Corra para uma UTI.

Abs

Anônimo disse...

Senhor Carlos Barretto, muito obrigado por seus esclarecimentos, mas quando eu precisar de UTI eu não irei para lá! Prefiro ficar em quarto com o aconchego de meus familiares. Por outro lado veja quanto vale esta interação com os blogs, as nossas duvidas são debatidas por todos e ai é seguir a que melhor lhe convier.

Carlos Barretto  disse...

Entendo que sua posição se refere a um quadro clínico terminal, anônimo? É isso? Neste caso, admiro sua postura. Poucos a entendem, acredite. Mas me preocupo com vc em um caso plenamente salvável, quando então, uma boa dose de sedativos e a expertise de uma boa e treinada equipe, podem incluí-lo entre os 80% que sobrevivem, e fazer a sua necessária permanencia na UTI a melhor possível. O mais importante, é definir a salvabilidade, evitando obstinação terapêutica e tratamento fútil. Cuide-se, converse com seus médicos e volte sempre por aqui.
Abs