Roger Normando*
Aeroporto de Manaus, 27 de fevereiro de 2011
Já beirava três horas da tarde deste domingo e acabávamos de pousar em Manaus quando li a mensagem no celular: "Benedito Nunes faleceu hoje de manhã". Senti-me escalpelado. Balancei mais que avião em rota sobre o triângulo das Bermudas. Quase caio, se não fosse o chão. Não foi tanto pela morte anunciada, pelo bom velhinho carnificado, ossificado e letrado que era, confesso, mas pelo que deixei de cumprir: apresentar “Bené” ao jovem mensageiro que acabara de prescrever o óbito.
Palavras transmitidas dessa forma mais me parecem estampa em capa de jornal (on line) que recado de um jovem adolescente. Ou seria apenas sutil relembrança do destino que deixou de cumprir? Então, o que teria esse mensageiro, de tenra idade, a ver com um velhinho de oitenta, agora morto, sabendo que os dois não tinham qualquer consanguinidade, tampouco amizade? Mas... só aquela notícia e nenhuma outra mais?
Decerto, o que pouco sei é que o jornaleiro guardava uma admiração platônica pelo Benedito filósofo, escritor e profundo conhecedor de Platão. Todas as notícias sobre o Avohai da floresta, ele queria ler. O menino sabe que ele já ganhara diversos prêmios literários e de quem, como num vôo rasante nas asas de um sabiá, já extraira diversos conceitos e pensamentos, mas ainda aguardava furtivamente a espera por um abraço acalorado ou até mesmo um aperto de mão despretensioso de seu ídolo, o qual, jamais, bem-virá.
Se eu soubesse da morte pelo Cheden Bitar, seu médico de cabeceira ou por intermédio de um amigo, talvez não tivesse tido toda aquela sensação de desmesurada melancolia. Mas como me foi informado particularmente por esse jornaleiro, transformou-se numa dívida que, como diria a amiga Maria Angélica (Keka): “não vou ter como pagar”.
Não. Nonada (licença, Guimarães Rosa!). Nada disso, meu menino! Não fique se lamentando por não ter o aperto de mão guardado na alma ou o abraço caloroso na memória; nem cobre de mim e dos outros essa falta de desvelo... Gente como “Bené” não morre, vira encanto; vira nome de sala magnífica; vira pesquisa e vira fonte para se beber; vira estrela para morar na rua da eternidade. Também vira anjo para reencarnar seu espírito em jovens como tu, à espera de uma bênção bendita (... ou beneditina), que só o tempo poderá debulhar.
* Cirurgião de Tórax, amigo do poster e colaborador cada vez mais frequente do Flanar
* Cirurgião de Tórax, amigo do poster e colaborador cada vez mais frequente do Flanar
3 comentários:
Roger, a distância entre o abraço dado e o não-dado pode variar do infinito ao inexistente.
Tudo depende de como a memória emocional arquiva o ocorrido ou o não-ocorrido.
Belo e emotivo texto.
Um abraço.
Belo texto, Roger.
Parabéns.
ObrigadoSS.
Scylla, os mais belos textos tiveram uma pitada de dor estética, diz Fernando Pessoa, Rubem Alves e tantos outros entendidos no assunto. Eu acho que foi o que aconteceu comigo, ao receber a notícia daquela forma enviada por um filho, no caso, disfarçado de jornaleiro-mensageiro dos tempos modernos.
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