segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Achados e perdidos


“Somos aquilo que lembramos.”

“Somos aquilo que lembramos e aquilo que esquecemos.”
(releitura feita por Ivan Izquierdo)


Pouco entendemos sobre o real mecanismo pelo qual adquirimos e armazenamos as informações, e muito menos sobre como realmente as perdemos.
Se esquecer é essencialmente  tão importante quanto lembrar como parece (e é!), me pergunto se a indústria farmacêutica não investirá num futuro breve em remédios para apagar memórias, talvez com a mesma sofreguidão quer o faz para desenvolver substâncias que as preservem.
A seletividade do quanto e do que poderá ser deletado talvez dê início ao processo de desconstrução verdadeira da essência do ser humano: a humanidade.
Mas, quem se importará, se lucrativo for?!
Quem viver, verá. 
Quem viver, verá, mas talvez não lembrará.

6 comentários:

Marise Rocha Morbach disse...

Fico imaginando o seguinte Scylla: vê lá. Os meios informacionais para fora do cérebro são capazes de armazenar toneladas de informação. Do ponto de vista da vida social, a nossa capacidade de esquecer fica cada vez mais reduzida, e estão fugindo ao controle dos que tem o controle. Mas, uma revolução das medicações, como está que você está descrevendo, pode vir a significar o enfraquecimento da psicologia enquanto teoria social, e enquanto meio de intervenção em patologias e dores psíquicas. O que aconteceria com um conhecimento e com uma terapêutica, como a psicanalítica, diante da possibilidade do esquecimento? Já que uma das condições analíticas é lembrar do que foi recalcado por meio da livre associação? Uma relação como está que você está descrevendo é uma revolução na metodologia das ciências psicológicas. A própria noção de comportamento, cara ao behaviorismo, estaria comprometida, já que o comportamento é inferido por estímulos e respostas aos estímulos que tem, de alguma forma, uma relação com o não esquecimento. Eu posso esquecer de ser? Eu posso esquecer de me comportar? Um antidepressivo trabalha as energias psíquicas melhorando a captação entre os neurônios? É isto? Mas isto não significa que ele vá intervir nas lembranças? Se isto que você está descrevendo for possível: então estamos diante do caos para um ramo da teoria social.

Scylla Lage Neto disse...

Marise, a visão neurológica é bem diferente.
Vamos ponto a ponto.
A capacidade de memorização do cérebro é infinitamente maior do que qualquer meio externo e artificial.
Estudos publicados em 2012 mostraram que a dificuldade está em acessar os zilhões de dados e informações que temos - mas que elas estão lá, entocadas, esperando por um chamado apropriado.
A super-exposição a informações talvez bloqueie apenas um dos mecanismos do esquecimento: a atrofia sináptica funcional (posteriormente morfológica) decorrente da inatividade. Isso se houver normalidade plena, é claro.
Outros mecanismos, como a extinção (lembra de experiência de Pavlov?), que nada mais é do que adquirir um novo significado para um estímulo condicionado, oposto ao anterior, levam ao esquecimento.
Aliás isso tem muita aplicação terapêutica nas fobias, tipo pânico, ansiedade generalizada e stress pós-traumático e é largamente usado pelos psicólogos.
Quanto à psicanálise, lembro que a mesma é filha bastarda da neurologia (como a psiquiatria) e que as profecias indicam por uma fusão disso tudo em algo como Neurociências, num futuro menos distante do que podemos supor.
A revolução que você menciona está lamentavelmente em andamento e, ou a psicologia retrocede e avança novamente, ou passará a ser uma ciência obsoleta diante dos novos conhecimentos fisiológicos do cérebro.
Por enquanto tudo soa como uma mera fábrica de doutores e pós-doutores, mas a quantidade de informação acumulada nos últimos 5 anos, se ainda é pequena para desvendar os mistérios da memória e trazer terapias medicamentosas (ou cirúrgicas!) a curto prazo, é gigantesca para quem tenta segui-la. Imagine para quem não tenta...
Como diria o Val-André (onde está Vally?), precisaríamos de litros de single malt para aclarear as idéias!
Rss.
Abs.

Marise Rocha Morbach disse...

Ok, deu uma clareada na minha compreensão, mas, e pelo visto, estamos diante de uma quebra de paradigma. Consegui recortar a diferenciação sobre o esquecimento nesta dimensão da neurologia.Mas a questão está longe de ter sido esgotada; tô pensando....

Scylla Lage Neto disse...

Marise, nós somos governados pelo cérebro muito mais do que imaginamos.
Há estudos independentes de dois grupos da Califórnia e de outro no Japão que nos mostram que a tomada de decisões é feita (muitas vezes) por estruturas cerebrais "autônomas", que driblam todo o nosso psiquismo.
Esse paradigma já está rachado e só falta desabar.
Precisamos de um novo Dr. Sigmund Freud, criado no ambiente neurocientífico, que reinterprete os dogmas e os adapte à nova estrutura de compreensão da fisiologia cerebral, cujo parto está em andamento.
E com isso muitas outras bases vão tremer.
Que seja!
Abs.

Marise Rocha Morbach disse...

Muitas bases vão tremer e, pelo visto, muitas outras vão se fortalecer e ampliar. A base do controle sobre a saúde mental, ou sobre o que é a doença mental, será ampliada. A lógica do muito lucrativo é o que salta aos olhos, imediatamente. Será o Grande Irmão do George Orwell: só que não no controle exterior, mas direto no cérebro?

Scylla Lage Neto disse...

Sim, eu acredito que assim como é interessante manter a população em baixos níveis (reais) de educação, controlar a mente através da farmacologia seria o deleite das megacorporações que assumirão o poder na segunda metade deste século.
Big brother will be watching you!