Claudio de Moura Castro
A notícia trágica desaba sobre uma universidade séria: levou bomba no MEC o curso de engenharia civil! O assunto justifica infindáveis elucubrações, mas me detenho apenas em um aspecto, por ser uma birra minha, por décadas.Na justificada ânsia de consertar, foram trocados seis professores. Não tinham mestrado e foram substituídos por doutores em tempo integral, como gosta o MEC. Com isso, atende-se a uma das exigências para reabrir os vestibulares.
Esse remendo está no epicentro de um dos maiores equívocos do MEC. A legislação do ensino superior veio da cabeça de cientistas - alguns notáveis. Por isso, as atividades clássicas de pesquisa nas áreas científicas foram corretamente tratadas e valorizadas.
Lastimavelmente, esse marco legal ignorou a existência, dentro do ensino superior, de cursos profissionais e de serviço. Em engenharia, direito, administração, pedagogia e outros é necessário somar bons professores nas disciplinas de fonnação teórica aos das aplicadas. E, de quebra, cumpre oferecer a experiência prática de aplicar.
Em um livro clássico (The Reflective Practitioner), D. Schoen fala das ruminações não verbalizadas dos profissionais ao realizar o seu trabalho. São descritas como experiência tácita, "teoria do olho clínico", ou o interstício não codificado entre o que descreve a teoria e o ato de fazer. Daí que: (1) adquirir essa metalinguagem é parte inseparável da profissionalização; (2) apenas verdadeiros profissionais podem transmitir essa dimensão do profissionalismo; (3) leva tempo para formar um profissional.
Um belo exemplo é dado pelo programa de um hospital australiano que, por seu sucesso, foi replicado pelo mundo afora. A direção do hospital notou que morriam três quartos dos pacientes por parada cardíaca. Identificando o problema como demora no atendimento, criou uma equipe sempre pronta para agir tão logo ouvisse pelos alto-falantes o termo "Code Blue". Com isso, caiu a mortalidade, mas apenas alguns pontos porcentuais. Nova providência: qualquer médico ou enfenneira poderia acionar o Code Blue, mesmo que os sinais vitais do paciente estivessem nonnais. Ou seja, se o jeitão estivesse suspeito, mesmo sem os sintomas clássicos, poderiam soar o alarme. Surpresa! A mortalidade caiu para menos da metade. Moral da história: o que salva os pacientes é o que não está nos livros de medicina, mas na "teoria da prática". É o "olho clínico". O próprio médico não sabe explicar por que chegou a tal diagnóstico, mas intui que algo está errado. Os novatos precisam adquirir tal experiência, mas apenas quem a tem pode oferecê-Ia.
Portanto, cada disciplina requer professores com o perfil talhado para ela. Do professor de cálculo, nada melhor do que exigir um doutorado. Mas o professor que ensina a construir prédios deveria ser alguém que acumulou anos no canteiro de obras. Se houvesse doutores com essa experiência, tanto melhor. Mas não há, pois doutorados preparam para a pesquisa e para a universidade.
Se o MEC melhora as notas de quem substitui verdadeiros profissionais por jovens doutores que nada sabem de construir prédios, o resultado desse equívoco é grotesco. Premia quem ensina uma profissão que não tem, apenas leu livros e escreveu papers.
Os professores dispensados, com mais de 35 anos de experiência, tinham escritório de engenharia respeitado e prestavam consultaria. E, obviamente, ensinavam em tempo parcial, pois não poderiam abandonar sua empresa. Para os alunos, isso é ótimo, assegura que o professor ensina a engenharia que se pratica de verdade. Para o MEC, tempo parcial perde ponto. Não deveria ser o contrário, perder ponto se fosse tempo integral?
Igualmente ausente das políticas públicas é a valorização da competência na sala de aula. É a didática do cotidiano, adquirida com a experiência. No caso, professores consagrados e estimados pelos alunos foram substituídos por jovens que ainda vão aprender a dar aula. Péssimo para os alunos, mas não comove o MEC.
Conversa de corredor na universidade: "Pois é, tiraram nossos engenheirões e os substituíram por 'doutorzecos' que jamais fizeram um muro de arrimo". Quem tem razão, os alunos ou o MEC?
CLAUDIO DE MOURA CASTRO é economista.
Um comentário:
[O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI), Glaucius Oliva, em entrevista concedida à Revista Veja, aponta alternativas para o desenvolvimento científico e a inovação no Brasil.[...], este é o release que o CNPQ colocou em sua página na WEB, para informar sobre um entrevista que o Glaucius Oliva concedeu a Veja. É curioso o estado das artes do ensino e da pesquisa, no Brasil. O corporativismo produziu entraves ao desenvolvimento das universidades públicas. Por outro lado, houve uma ampliação e facilitação da oferta, nas universidades privadas. Este cara que assina o post tem sido um dos grandes articuladores dos esquemas das universidades privadas;e é, muitas vezes, um reacionário. Acho um barato as invertidas de bola que este cara faz. Da forma que ele coloca, têm-se a impressão que é o professor em si quem levou a área da engenharia civil ao patamar em que se encontra. Penso que o que foi ampliado, notadamente com o Haddad, foi a fiscalização sobre o setor privado e sobre o setor público, em relação a qualidade do ensino. Isto incomoda muita gente. O corporativismo nas universidades públicas levou ao péssimo ensino de graduação que temos hoje. Mas, as regras de produtividade da CAPES, que exige publicações, etc., são as mesmas que levaram o presidente do CNPQ a tecer críticas sobre a ausência de inovação das universidades públicas? Cadê o investimento na pesquisa básica, ao longo dos últimos trinta anos? Quais foram os encaminhamentos dados ao segundo grau? São problemas macro e de longo prazo. E falta, ainda, colocar o papel dos estados no desenvolvimento do setor educacional. Eu não gosto deste cara aí; o considero um reacionário.
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