Viajar! – mas de outras maneiras: transportar o sim desses
horizontes!...
Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”
Horizontes Ianques:
não! Algumas condições para o sim nas ideias: filho, dileto amigo, a ciência
preferida, Jazz e, se ainda existisse, aquela “América” do faroeste,
com “Z” do Zorro. Esses heróis de filmes e quadrinhos zanzavam com suas
diligências entre a Califórnia e a Louisiana, deixando rastro de seus cavalos pelo
Arizona e Texas. Hoje, todo o Sul fronteiriço hispânico foi substituído por
muralhas e rodovias e aquela América
ficou no lusco-fusco de cada Django que há em nós... Destarte, juntei todos essas condições e peguei
a Highway 10.
Comecei por
San Diego: Old Town. Lá, de
sombreiro, tive impressão de ter visto a pança do Sargento Garcia. Depois marcamos
encontro com o amigo Coimbra às margens do pacífico admirando reminiscências de
Midway. Um bom Merlot californiano e
uma prosa sobre ciência regou nossa admiração pela Califórnia modernizada e por
aquele chairman vestido de amarelo e
verde a disseminar, mundo afora, a semente da verdade científica. Iniciei o sim
daqueles horizontes ao requerer Quintana: “foi como se estivessem abertos
diante de nós todos os caminhos do mundo”.
Caminho
aberto: mundo Texas. Encostei dois dias no Motel Chaparral, beira de estrada e
alcunha de gangster de western.
Coloquei a janela na árvore fui espiar, com meu chapéu abado de Cowboy, aquela miniatura
de mundo. Encontrei os Cervenkas, gente de coração mole e ascendência celestial.
Albergaram no ventre do coração um filho postiço que fui buscar de volta para
mim. Eles vivem numa casa de madeira rodeada de muita grama verde à sombra do
altruísmo. Alma interiorana estava era ali. Bucolismo à flor da pele e silêncio
sonorizante nos arredores daquele vilarejo - Hallettsvile. O texano tem no seu
interior a alma morna desde a conquista de Álamo, quando expurgou muito
mexicano pro inferno.
Ainda pela rodovia
10, sentido oeste-leste no volante - ficou
pó de estrada em Houston - até dar pé em New Orleans, Louisiana, barranco do
Mississipi. Ou se preferir: N’Awlin, na língua tupi deles e NOLA na língua afro.
Foi ali que encontrei o Preservation Hall e Grandpa Elliot com sua voz encorpada
no Blues de Louis Armstrong. Contou-me que tinha o sonho de se encontrar com
aquela “Garota de Ipanema”. Como não chegou a tempo, assoprou um ritmo
sincopado nos meus ouvidos numa das esquinas do Quarteirão francês, úbere do Jazz.
Coisa
mais linda – leite bom na minha cara. Já posso morrer com uma fita amarela
gravada Elliot, e ser enterrado ao ritmo da Bourbon
rue.
Parada final:
Flórida. Lá fui conhecer o caboclinho Chico-Chiquinho, o homem mais bonito da
Flórida, como se gaba. Ele vive nos arredores de Miami: Coral Spring. Não é nenhum
paladino de quadrinho, mas caberia bem se Joe Bennet estivesse interessado em desenhá-lo
como um desertor da Arca de Noé, pois trocou o despejo da IBM pelos EUA. Vendeu
casa, carro e partiu de Val-de-Cans somente com a passagem de ida e o visto.
Com as vendas pôs 400 dinheiros no bolso e deixou o resto com a esposa que, sem
livro de auto-ajuda, conseguiu alimentar e educar os dois pintinhos.
Sabendo falar
apenas good-bye e thank you lavou pratos, de dia, e entregou jornal, à noite. Dormia
três horas só para sonhar com os curumins, até mandar buscá-los. Indesejado por
não falar a língua e ainda rejeitado por ser de outro faroeste, fez dessa peia
o caminho para o meu aplauso. Hoje faz questão de falar A-M-É-R-I-C-A tal como
aqueles heróis do western. Junto ao
Coimbra perpetra a idéia que a América é o país da oportunidade, desde que
saibas trabalhar.
Hoje, o “Car
Wash Chico-chiquinho” gera a oportunidade de viver em paz com Obama. O cara
além de apaixonado por Bossa Nova e Lucinha Bastos, quer conhecer NOLA, Memphis
e Nashville - terras lendárias. Chico-Chiquinho
passeia como um dândi de cidadania americana. Desfila seu bem-querer pelo
Brasil e, por debaixo de suas camisas pólo, veste a insígnia do Capitão
América.
5 comentários:
Que delícia de viagem! Que delícia de narrativa! No melhor estilo Jack Kerouac: mas com o Guimarães Rosa n'alma. E, detalhe: sem "fora yankees". Muito bom de ler!
Preciso ser apresentado a Jack. Quem sabe na próxima highway.
Meu mano!!! sua narrativa agita de Zorro a capitão américa, de Capone a Billy The Kid!!! Fui na carona.
Pneus gastos na highway. Segue a diligencia. No Texas Cowboy e gangster bebem no Saloon. Vejo o vento rolar os chaparros pelas esquinas no momento exato do decisivo duelo. Olhos na paisagem. Um merlot ao fim da tarde. Sonhando "Um dolar Furado". Ouvidos atentos nas esquinas de NOLA. Numa dose de Bourbon a alma é Soul e Blues. Mas é hora de tirar a poeira da garganta da estrada com banho bem brasileiro "Chico-chiquinho" e volto a terrinha ao som de Bossa e Lucinha.
Dudu, peguei carona na sua resposta: não tem nada mais brasileiro que CHICO-CHIQUINHO. Adorei esse nome, também e me parece muito faroeste caboclo,rsrsrsr... e o cara é fantástico mesmo. Quanto a NOLA, estou preparando um post, incluindo o meu encontro ocasional com Grandpa Elliot. Se não fossem tantos compromissos, já estaria pronto.
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