quinta-feira, 13 de junho de 2013

Do Pacífico ao Atlântico: highway 10

                                                                            Viajar! – mas de outras maneiras: transportar o sim desses horizontes!...
Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”

Horizontes Ianques: não! Algumas condições para o sim nas ideias: filho, dileto amigo, a ciência preferida, Jazz e, se ainda existisse, aquela “América” do faroeste, com “Z” do Zorro. Esses heróis de filmes e quadrinhos zanzavam com suas diligências entre a Califórnia e a Louisiana, deixando rastro de seus cavalos pelo Arizona e Texas. Hoje, todo o Sul fronteiriço hispânico foi substituído por muralhas e rodovias e aquela América ficou no lusco-fusco de cada Django que há em nós... Destarte, juntei todos essas condições e peguei a Highway 10.
Comecei por San Diego: Old Town. Lá, de sombreiro, tive impressão de ter visto a pança do Sargento Garcia. Depois marcamos encontro com o amigo Coimbra às margens do pacífico admirando reminiscências de Midway. Um bom Merlot californiano e uma prosa sobre ciência regou nossa admiração pela Califórnia modernizada e por aquele chairman vestido de amarelo e verde a disseminar, mundo afora, a semente da verdade científica. Iniciei o sim daqueles horizontes ao requerer Quintana: “foi como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo”.
Caminho aberto: mundo Texas. Encostei dois dias no Motel Chaparral, beira de estrada e alcunha de gangster de western. Coloquei a janela na árvore fui espiar, com meu chapéu abado de Cowboy, aquela miniatura de mundo. Encontrei os Cervenkas, gente de coração mole e ascendência celestial. Albergaram no ventre do coração um filho postiço que fui buscar de volta para mim. Eles vivem numa casa de madeira rodeada de muita grama verde à sombra do altruísmo. Alma interiorana estava era ali. Bucolismo à flor da pele e silêncio sonorizante nos arredores daquele vilarejo - Hallettsvile. O texano tem no seu interior a alma morna desde a conquista de Álamo, quando expurgou muito mexicano pro inferno.
Ainda pela rodovia 10, sentido oeste-leste no volante - ficou pó de estrada em Houston - até dar pé em New Orleans, Louisiana, barranco do Mississipi. Ou se preferir: N’Awlin, na língua tupi deles e NOLA na língua afro. Foi ali que encontrei o Preservation Hall e Grandpa Elliot com sua voz encorpada no Blues de Louis Armstrong. Contou-me que tinha o sonho de se encontrar com aquela “Garota de Ipanema”. Como não chegou a tempo, assoprou um ritmo sincopado nos meus ouvidos numa das esquinas do Quarteirão francês, úbere do Jazz.  Coisa mais linda – leite bom na minha cara. Já posso morrer com uma fita amarela gravada Elliot, e ser enterrado ao ritmo da Bourbon rue.
Parada final: Flórida. Lá fui conhecer o caboclinho Chico-Chiquinho, o homem mais bonito da Flórida, como se gaba. Ele vive nos arredores de Miami: Coral Spring. Não é nenhum paladino de quadrinho, mas caberia bem se Joe Bennet estivesse interessado em desenhá-lo como um desertor da Arca de Noé, pois trocou o despejo da IBM pelos EUA. Vendeu casa, carro e partiu de Val-de-Cans somente com a passagem de ida e o visto. Com as vendas pôs 400 dinheiros no bolso e deixou o resto com a esposa que, sem livro de auto-ajuda, conseguiu alimentar e educar os dois pintinhos.
Sabendo falar apenas good-bye e thank you lavou pratos, de dia, e entregou jornal, à noite. Dormia três horas só para sonhar com os curumins, até mandar buscá-los. Indesejado por não falar a língua e ainda rejeitado por ser de outro faroeste, fez dessa peia o caminho para o meu aplauso. Hoje faz questão de falar A-M-É-R-I-C-A tal como aqueles heróis do western. Junto ao Coimbra perpetra a idéia que a América é o país da oportunidade, desde que saibas trabalhar.
Hoje, o “Car Wash Chico-chiquinho” gera a oportunidade de viver em paz com Obama. O cara além de apaixonado por Bossa Nova e Lucinha Bastos, quer conhecer NOLA, Memphis e Nashville - terras lendárias.  Chico-Chiquinho passeia como um dândi de cidadania americana. Desfila seu bem-querer pelo Brasil e, por debaixo de suas camisas pólo, veste a insígnia do Capitão América.

5 comentários:

Marise Rocha Morbach disse...

Que delícia de viagem! Que delícia de narrativa! No melhor estilo Jack Kerouac: mas com o Guimarães Rosa n'alma. E, detalhe: sem "fora yankees". Muito bom de ler!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Preciso ser apresentado a Jack. Quem sabe na próxima highway.

Dudu Neves disse...

Meu mano!!! sua narrativa agita de Zorro a capitão américa, de Capone a Billy The Kid!!! Fui na carona.

Pneus gastos na highway. Segue a diligencia. No Texas Cowboy e gangster bebem no Saloon. Vejo o vento rolar os chaparros pelas esquinas no momento exato do decisivo duelo. Olhos na paisagem. Um merlot ao fim da tarde. Sonhando "Um dolar Furado". Ouvidos atentos nas esquinas de NOLA. Numa dose de Bourbon a alma é Soul e Blues. Mas é hora de tirar a poeira da garganta da estrada com banho bem brasileiro "Chico-chiquinho" e volto a terrinha ao som de Bossa e Lucinha.

Geraldo Roger Normando Jr disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Geraldo Roger Normando Jr disse...

Dudu, peguei carona na sua resposta: não tem nada mais brasileiro que CHICO-CHIQUINHO. Adorei esse nome, também e me parece muito faroeste caboclo,rsrsrsr... e o cara é fantástico mesmo. Quanto a NOLA, estou preparando um post, incluindo o meu encontro ocasional com Grandpa Elliot. Se não fossem tantos compromissos, já estaria pronto.