No meio de uma enorme nuvem de poeira vermelha chegavam os colonos [...];
Os flagelados se acumulavam em cima da carga geral como podiam [...];
Gente branca, loura, olhos de gato, gazos. Descendentes de italianos, alemães, polacos outros que tais, experimentados no trato com a terra. Outra cultura. Um choque de civilização, produção, e produtividade àquelas gentes ignorantes e indolentes.
André Nunes, em: Xingu – causos e crônicas.
Dois velhos amigos do Xingu rabiscaram suas espirais do tempo e me viram em suas memórias. Foi quando pousei em Altamira - a trabalho. Levei o caderninho para anotar coisinhas seráficas sobre o rio.
Foto: Roger Normando |
De cima, fitando o rio, vê-se um desenho magnetizante que misgalha nossa massa cinzenta. A gente fica gito-gito diante daquela nobreza e imensidão - eu do tamanho de uma pulga. Ao plainar vamos nos achegando, tentando brechar pela janela a Grande Volta do Xingu e seus 11.000MW de potência, a Belo Monte das discórdias.
Foto: Roger Normando |
Em minha lide pelos corredores do Hospital regional, um dos 10 melhores SUS, deparo-me com a triste notícia que entre as principais inquietações e desafios da saúde são a violência rural e as virulentas viroses entre indiozinhos. Dá dó ver um Assurini acamado e amuado. Há os que chegam a ser entubados e permanecem em prótese ventilatória como ultimo recurso antes de partir. A maioria se salva, mesmo assim desconforta a gente ver aquele tubo goela abaixo. Desconfia-se que o H1N1 esteja visitando algumas tribos e, desproteinizados e imunologicamente comprometidos, as crianças são alvos frágeis e de prognóstico sombrio, a lembrar os relatos dos irmãos Villas-Boas.
Outra intempérie da região é a sangraria que escorre pelos ralos da cidade. O crescimento desalinhado da região combinou com a transamazônica mal engendrada, que trouxe, off-road, bala e cartucheira contra as flechas Xipayas. Os resultados são ferimentos cada vez mais complexos. Lá os cirurgiões recuperam intestino, fígado, pulmões e traquéias na mesma batida que as viroses acometem ararinhas. Cirurgiões passam a noite de pé, tesos, e os pediatras não desgrudam o olho dos pequenos.
Essa mortandade por infecção dos brancos não vem de hoje. Tempos passado, séculos XVIII, segundo o escritor Marcio Souza em seu recente Amazônia indígena, 40 mil índios foram dizimados por uma epidemia de varíola no entorno de Manaus, vetoriada por soldados portugueses. Equivale a quase metade de população de Altamira que neste surto já enfileirou nove curumins.
Canoas embicadas para o fundo (Foto: Roger Normando) |
Se Cacá Diegues quisesse rodar novo Bye Bye Brasil em Altamira teria que reinventar a paisagem local ou ir pra Hollywood e montar outra caravana Rolidei, pois, por aqui, o Xingu está ornamentado com outra parafernália... e custa ver canoa embicada e mulheres destripando peixes... o que mais se vê é terra revirada.
3 comentários:
O olhar poético e a busca da paisagem humana e natural, com suas belezas, desanuvia o coração!
Lendo Hannah Arendt, nestes dias, tenho aprendido que o pensar e o agir não podem se dissociar.
E você, "enquanto engoma a calça", vai nos contando coisas de se refletir, de vasculhar na memória, de se inquietar.
Sigo esperançoso!
Roger, realmente é muito triste o descaso e o descarte, dos brasileiros puros, donos legítimos dessas paragens! As mineradoras, também ferem a terra e os índios na maior liberdade, produzindo, tribos de andrajosos !
Os índios foram dizimados na América do Norte, e aqui, ou pelas doenças do homem branco ou pelas cartucheiras dos contrabandistas de madeira ou dos garimpeiros, seguem o mesmo destino!
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