domingo, 31 de julho de 2016

Eco no boteco

Porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos,
nem todas as mentiras podem ser conhecidas como tais por uma alma piedosa
Umberto Eco, em: "O nome da rosa" 

             Noite dessa eu estava com o pensamento pervertido, atravessado de cuíra por uma cerveja, querendo beliscar um camarão após um dia excruciante, daqueles de arrancar o pelo, quando, a fazer contas -noves fora- fui bater no “Boteco do Camarão” do chef Herlander Andrade, colega de faculdade.  
Quando peço mesa, eis que me deparo com Jorge Ivan, também parceiro de banco de faculdade, sentado ao lado do Fonseca, outro-um. Puxei a cadeira, sentei e brindamos. Seguíamos ao deleite de um camarão no bafo e uma deliciosa malte, servida pelo chef, quando Jorge Ivan me sai com essa pérola:
- Sabe, maninho, uma das coisas que mais eu tenho receio quando confabulo com algumas beatas ou cristãos fervorosos, é que não me apetece a possibilidade de ir pro céu.
Eu, ainda com a massa cinzenta livre de teor alcoólico, ajeitei a cadeira e pus-me a ouvir mais essa. Ele prosseguiu.
- Perco o fôlego e chego a ficar sem suspirar igual ao Luiz na foto (Luiz Augusto, também colega de faculdade que costuma a tirar foto com o tórax hiperinsuflado). Penso só da possibilidade de não torcer pro Botafogo. Ave Maria! Eu, hein! Não poder espiar - até torcer todo o pescoço - quando passa uma mulher, só pra ver o rebolado dela! Não poder arrotar e nem soltar um flato livremente. Que sofrimento, credo! Sem aquela liberdade de coçar a região pudenda e nem fazer pipi em pé! É o fim! Tirar o muco do nariz e ficar fazendo bolinhas com ela entre os dedos, ou quem sabe saborear displicentemente igual ao técnico da Alemanha. É o fim! Não poder tomar uma caipirinha de São Jorge, mesmo quando caipira é aquela vizinha de fazenda, que por razões não se pode beber! Sabe, não poder comer um camarão no bafo igual esse aqui do Boteco do Camarão ou da fazendinha de Macapá. Sei lá! Não poder zapear ou assistir os vídeos ou fotos de sacanagem que só tem no grupo da Choupana. Eu, hein, Rosa! Ou nem curtir as estações das docas, andar no Djalma Dutra ou no Padre Eutíquio sem dar ou levar uma esfregada. Sei não! Não assistir de camarote as fotos do nascer e do por-do-sol do Normando, não voar no Flanar ou não poder ler as mal traçadas linhas do Labareda ou do Corisco. Não poder me deleitar com a paixão do Mauro pela sua amada Dilma. Eu hein, Zé! Prefiro ficar no meu inferninho a me perder por aí, enfim!
Comecei a rir e anotar. Logo depois surge Dudu, o filho, de cara limpa, chave do carro, e diz: 
- Pai, Te aquieta. Para de beber, pai. Vamos pra casa.
- Relaxa, meu filho! Olhou pro ponteiro do relógio, fez pausa e disse:
- Tá bom. Já vou, mas vale lembrar, filho, que ainda bem que eu não sou o único que bebo neste universo.  Tampouco o único a delirar “humoradessa”... Graças à Deus.
Abastecido do Camarão no bafo e da cerveja bem gelada, peguei um táxi e fui pra casa e anotar mais essa. Aninhei-me então neste espaço, envolvi-me numa coberta de fulgores literários e caí num pesado reflexo do pensamento anticristo de boteco, aguçado pelo libelo do Jorge Ivan. Fui bater em Umberto Eco em, o “O nome da rosa”, sua obra maior, para justapor ao pensamento botecário do Jorge Ivan.
Entre uma página e outra, me deparei com essa passagem que, data vênia ao semiólogo, enterrado em fevereiro deste ano, transcrevo nessas mal traçadas linhas:
“Os monstros existem porque fazem parte do desígnio divino e, nas mesma feições horríveis dos monstros, revela-se a potencia do Criador. Assim, existem por desígnios divino também os livros dos magos, as cabalas dos judeus, as fábulas dos poetas pagãos, as mentiras dos infiéis e a prosopopéia do Jorge Ivan”.

6 comentários:

Valéria Normando disse...

Como é bom prosperar novos causos .

Unknown disse...

Heheheheh!! Papo de Boteco!!! Muito bom e cheio de besteiras profundas!!!! Vou me reservar ao direito de ficar calado! Diz duvido???

Unknown disse...

"Boteco", universidade, tão perto da ciência, quanto qualquer cátedra. Além de que, no boteco, têm-se o ingrediente. Capaz de ligar-nos até a Deus... Pretensão, dirão aqueles cristãos! - Não, Senhor Cristão, é que, no Bar, minha modéstia é tanta, que até Deus comigo vem falar! E, porque não, até brindar, descontrair, bebericar, para depois eu postar... Lá no Flanar!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Verdade. Novos causos, estão batendo à porta todos os dias...

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Não duvido! Jamais!!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Flanar é um encontro entre a botecagem do Jorge Ivan e a abadia do Umberto Eco.