Era dezembro/2016 quando, a convite, fui ao Teatro
experimental Waldemar Henrique assistir à Ladainhas Marajoaras, com Juçara Abe & Rafael Lima. Seguinte,
os dizeres: “A cantora Juçara Abe
mostrará nesta quarta-feira, no teatro Waldemar Henrique, o resultado do
projeto ‘Nossas ladainhas’, aprovado pelo edital SEIVA de pesquisa em música. O
projeto consiste em uma pesquisa sobre os rituais musicais típicos do Marajó,
conhecidos como ‘Ladainhas’ e foi idealizado pelo seu pai, o músico Rafael
Lima, que foi vítima de uma doença grave no pulmão, em setembro deste ano, e,
por ter a voz comprometida no período de recuperação, não será o cantor
principal, apesar de também estar presente no palco, acompanhando a filha. A
apresentação também contará com o baixista MG Calibre, o percussionista Zé
Macedo e sonorização de Fernando Dacko.”
Fiquei preso ao visgo desta “tal” pesquisa. Cabe esta palavra
num evento musical? Não só cabe, como eu tive uma aula de metodologia, ainda
que caminhe diariamente com as ideias de Descartes. Inicialmente teria que responder: Qual o campo da pesquisa? No caso, a música, a ilha do Marajó.
Ao término da apresentação fui parabenizar os artistas,
afinal não é fácil cantar ladainhas e folias pra mais de hora e meia, pois estamos
desacostumados, por descultuação. Mais: Rafael Lima parece recuperado de seu pulmão despedaçado
por uma “sepse braba” que o acometeu e quase leva o farelo, como ele mesmo
admitiu, em meio às palmas.
A música, e qualquer outra forma do verbo,
não deve jamais deixar de buscar sua origem seminal. O que Lima fez foi rebuscar
nosso sêmen verbal guardado nas ladainhas. Se rebuscou, então gerou pesquisa
de campo. O maior produto que se viu, no bojo, foi o
regresso ao status embrionário da condição
abandonada do idioma musical. Dito de outro modo, o pesquisador traduziu o
nosso passado num ritual que se assemelha ao vivido pelo autor nas aragens
do Marajó, onde existe, ainda muito viva, a festa de São Sebastião com suas
cantorias em forma de ladainhas. Aqueles artistas quebraram a casca do
tempo e nos transportaram para dentro do ovo, chocado pelos Jesuítas, os que partejaram essa cultura européia entre os marajoaras.
Na volta pra casa, eu julgava o contra-ponto desta pesquisa, o novo, que
castra a condição comum e universal de recriar nossos valores culturais do
passado. Os critérios atuais de domínio acabam desvalorizando nossa raiz em
nome do lucro indômito. Percebe-se nesse sentido, que a arte, incluso todas as
formas de expressão oral e escrita, despiu-se da dimensão poética e não mais
carrega tanto onirismo sobre esse mundo diferente. É aí que a pesquisa fumega, pois o produto se desata dos códigos atuais, ao exalar incenso bem além do nosso retiro espiritual.
Perguntei pra Juçara, por que seu pai tanto se dedicara a uma pesquisa daquele tipo. Respondeu de supetão: “Meu pai é um tipo de artista único, e como a maioria dos singulares, controverso [...]. O caminho dele é muito corajoso, e muitas vezes incerto [resvaloso, diria Guimarães Rosa]... Mas a coragem e a incerteza são os maiores combustíveis para a riqueza de sua obra”. Esta resposta me pôs de volta ao laboratório de pesquisa básica, pra ficar olhando pra capa do livro de Reneè Descartes.
Apesar do cotidiano ter tantas trilhas, como esta que nos leva ao Marajó, sabemos que muitos pesquisadores andam só, mesmo se dispondo de tanta via de comunicação. Ademais, é dramática a solidão de escrever roteiro para poucos e lutar, mesmo entrincheirado, para manter vivos os idiomas em risco de extinção. Rafael é todo este-um, sem lhe faltar voz e pulmão.
Perguntei pra Juçara, por que seu pai tanto se dedicara a uma pesquisa daquele tipo. Respondeu de supetão: “Meu pai é um tipo de artista único, e como a maioria dos singulares, controverso [...]. O caminho dele é muito corajoso, e muitas vezes incerto [resvaloso, diria Guimarães Rosa]... Mas a coragem e a incerteza são os maiores combustíveis para a riqueza de sua obra”. Esta resposta me pôs de volta ao laboratório de pesquisa básica, pra ficar olhando pra capa do livro de Reneè Descartes.
Apesar do cotidiano ter tantas trilhas, como esta que nos leva ao Marajó, sabemos que muitos pesquisadores andam só, mesmo se dispondo de tanta via de comunicação. Ademais, é dramática a solidão de escrever roteiro para poucos e lutar, mesmo entrincheirado, para manter vivos os idiomas em risco de extinção. Rafael é todo este-um, sem lhe faltar voz e pulmão.
Um comentário:
Que bom que nossa apresentação revigorou em ti o amor pela ciência. Arte, ciência e Filosofia caminharão juntas na humanidade almejada por todos nós. Reflexão digna de um olhar alicerçado no coração altruísta. Bravo! Obrigada!
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