Darwin escreveu o roteiro da teoria da evolução das espécies num
filme de longas eras passando em horas, e cada milênio reduzido a
minutos. Os atores eram tentilhões e o diretor não era Spielberg, mas o próprio
roteirista.
Tentilhões alimentavam-se de frutas até o crescimento
galopante de sua população em Galápagos. Uma estação nefasta abateu-se sobre a
ilha e o estoque de frutos escasseou. Em alguma parte do numeroso bando havia uma
variante com bico rígido capaz de quebrar sementes. Enquanto a fome devastava o
nicho, aquela variante sobrevivia alimentando-se de sementes duras. Ela se
reproduziu, e começou a aparecer nova espécie mutante. A anomalia tornou-se
norma e a norma buliu com a cabeça de Darwin. O roteiro de Galápagos ganhou
outras esferas.
Aos tentilhões cabe um olhar espichado, por exemplo, para
entender a resistência bacteriana. Os micróbios também sofreram alterações do
meio-ambiente (leia-se antibióticos) e, tal como a estação nefasta em
Galápagos, uma variante do grupo, com membrana celular especial, não permitiu
que o antibiótico - ingerido de forma irregular ou em subdoses – penetrasse na
bactéria, e passou a resistir àquela droga. A anomalia tornou-se norma e
transmitiu à geração seguinte o gene da resistência.
Foi o que aconteceu com a penicilina. Ao longo dos
anos surgiam cepas penicilino-resistentes que passaram a tomar conta das
pneumonias. Por falta de orientação, conhecimento e programa de governo,
Tetrex, Benzetacil, Sintomicetina e a Frademicina, marcas consagradas, eram
tiradas das prateleiras das farmácias - e biroscas do interior - e injetadas na
veia de quem tivesse um simples resfriado, ali, ao lado dos balcões. Por esse
viés, as bactérias se tornaram fortes - e não as medicações fracas - e necessitou-se
produzir novos antibióticos, até se chegar ao hoje.
Ante ao quadro monstruoso das infecções uma, em
particular, volta a aterrorizar a pangeia: a tuberculose pulmonar (TB), retrato
esquelético dos tentilhões de Darwin. Uma virada no tratamento da tuberculose, por conta
de uma sociedade distante de informação, fez surgir bacilos resistentes,
denominados TBMR, sendo a forma XDR resistente a
todas as drogas. Como se não bastasse ser a principal causa de morte por
infecção no mundo, a TB piorou com a AIDS, os guetos e a população carcerária. A OMS já
prevê caos.
Do
outro lado do atlântico, chama atenção a onda de europeização da TB, que passa pelo
mediterrâneo albergada em pulmões de africanos e sírios, onde o programa de
controle da doença é pífio e boa parte de imigrantes já chega com formas
multirresistentes.
Na Mundurucus, o antigo
sanatório segue em alerta para combater essa nova apocalipse, incluindo até o
velho tratamento cirúrgico em versão mais moderna e segura. O programa só não
vai mais adiante por falta de apoio para agregar a tecnologia do vídeo, alternativa que europeus começam a encenar.
É uma guerra sem
fim, com novo capítulo. E não bastam tisiologistas e afins lutarem. É hora de tossir com estridor para que nossas baforadas alvejem as montanhas nebulosas do
planalto central e possamos contaminar gestores. Do contrário, é rasgar o
roteiro cinematográfico de Darwin e esquecer que os tentilhões representaram um
laboratório a céu aberto, em que estamos tendo a ousadia de ignorar.
Artigo originalmente publicado em "O Liberal", em 15 de julho de 2017
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