Tive a impressão - coagulada impressão -, que a matéria se
dissolveu em meu epicanto e se fez o corpo das coisas em forma de suspiro, de
modo a toldar a janela de vidro, após cada lágrima salgada embebida pelo fio do
tempo. Agora, o ramo da parábola que o relógio registrou num sextante, foi
sujeito-objeto de minhas láureas, se é que existem, se é que existiram.
Vi desde a belle Époque do Zé Maria e a aquarela histórica do Ari traduzir-se em verbo. Tu
que foste verbo, tu que és estado de palavra...
Depois do triunfo conjugado no púlpito – “ser ou não ser” é
apenas minha questão -, finjo vestir-me do bardo e me sair moribundo pela
solidão das ruas que marcam minhas pegadas pelas soleiras de Santa Luzia -
aquele casarão imenso que transformou água em vinho e me tirou dos porões onde
catapultei meus cadernos.
Daquele fundo partira minha orgânica
vida, ignorância-mor, em tarefas de dispensário, em meio a cadáveres, que mais
pareciam seres a me apresentarem o caminho de alhures. Fui bater e ouvir o
barulho da cremalheira e o tique-taque de meus pulsos quando vi a primeira
artéria jorrar em meus olhos e borrar minha sabedoria sobre o que nada sei. Vi
indigentes que esperavam pacientemente cada manhã para ouvir o sussurro do que
somos a cada página lida à sombra de uma lamparina. Nesta aplicação total, eu excluí a piedade, mas me aparelhei
do novo a partir daquela esquina, de seus muros, chafarizes e folhas de um
ipê-roxo acarpetando-me com ternura para que eu pudesse pisar nas veias perdidas pelas
horas de sono.
Como o olho de Deus em certas gravuras, eu me vi Hipócrates
à frente de Parè e tive que enterrar vivo Galeno e seu aristotelismo. Mas foi Camilo,
quem se vestiu de Ronaldo Araújo, aquele cão de guarda que rosnara seus sonhos surrealistas,
feitos daqui e de acolá. Começou a sair-se pelos desfiladeiros e operou espíritos
com a lâmina da sabedoria, até se achegar às vísceras e tornar menos
experimental o que a sociedade condenou.
Viu-se a vida de tapuios lamber a morte, mas viu-se
distintos homens visitarem a biblioteca e a lousa para dar parapeito ao abismo
sem cair no cadafalso.
Não, não. Ante ao decreto da morte, aquelas paredes
resistiram e puseram-se de novo a escrever o grão da ciência e da arte - ó arte!
-, e foste apenas vítima dos sonhadores com o olho mais longe que a linha do
equador permitia, sem tombar do corpus. Deu-se o hoje, em brados retubantes, sob as desavenças dos desertores imperialistas, que sofisticam ideias para nada dizer.
Foram-se homens, ficou o tempo apedregulhado em forma de
germe, a dar grãos para que pães alimentem a fome de bem-aventurados que se
vestem de branco para esclarecer que a vida não brota em cada em escalada mensurável, mas em gestos senhorio de gnomos, mesmo que custe calcular algebricamente o
centenário de um caminho longevo e destemido.
Geraldo Roger Normando - Professor do Departamento de
Cirurgia – UFPA.
2 comentários:
Bela homenagem aos cem anos da criação da Faculdade de Medicina do Pará.
Justo o que eu procurava sobre janela de vidro. Obrigada!
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