Fred Hoyle era um astrônomo brincalhão e adorava burilar ideias. Reza a
lenda que na Inglaterra pós-guerra, em entrevista à BBC, alcunhou o termo Big
Bang à teoria de criação do universo. Sobraram gracejos. Ele quis falar, de
forma frajola, sobre a explosão que gerou as galáxias há 13,8 bilhões de ano e
do tiroteio de átomos, a partir do Buraco Negro. Ainda não se sabe quem apertou
o gatilho, se Deus ou mudança de temperatura do universo, mas o bang-bang do
Big Bang pegou prumo e, apesar dos sussurros durante a entrevista, a palavra
vestiu-se de delírio e vem desfilar neste texto.
A partir desta expansão do universo nascem
ampulheta, espaço e as horas dos relógios. Einstein, Hawkins, Carl Sagan, Edwin
Hubble e uns tantos mais andaram debruçando seus cotovelos sobre a teoria. Tal
conteúdo ficou mais denso com as recentes publicações do Bóson de Higgs em
laboratório - conhecida como “Partícula de Deus”.
Desde então, os astrônomos quando olham para o céu
noturno e veem aqueles vaga-lumes piscando, certamente vem à tona a entrevista
do bem-humorado Hoyle.
Decerto também a oncologia pulmonar teve seu Big
Bang, assim como seu Fred Hoyle. Com os tomógrafos helicoidais de alta
resolução - nossos telescópios-, partículas em forma de poeira, menores que
meio centímetro, passaram a ser visualizadas no cosmo pulmonar. A esse achado
chamou-se de vidro-fosco. O vidro-fosco é o nosso Big-Bang, pois o pulmão,
repleto de ar, deixa passar, frivolamente, os raios colimados, mantendo o
desenho dos brônquios e vasos. Porém, quando há qualquer perda da
transparência, a imagem torna-se fosca – uma espécie de poeira.
Deixa ver que, no inicio do século passado, John George Adami, professor de Patologia na McGill
University-Canadá, cria o termo “lepídico” no seu microscópio, que viria a ser
o vidro-fosco como tradução imagética. Lepídico vem do grego: “escama de peixe”. Ele quis dizer em seu
livro Princípios de Patologia,
que padrão refere-se à
lesão circunscrita que descama e escorre para o interior do alvéolo e por lá,
acumula-se a ponto de formar um amontoado, justapostos como “escamas de peixe”.
Assim sublinhou: são células
tumorais de adenocarcinoma, proliferando ao longo da superfície de paredes
alveolares intactas, sem invasão estromal ou vascular.
Desde então, quando se mira a tomografia e se
vê aquele desenho opaco ofuscando o parênquima pulmonar, desconfia-se do
Adenocarcinoma, tal como os astrônomos vislumbram as galáxias em seus
telescópios.
Com melhor entendimento do padrão em
vidro-fosco, agora em evidência pela nova peste, houve necessidade de se
refazer a classificação anatomopatológica do câncer de pulmão e, desde então,
Adami não foi o mesmo: a pneumologia mudou sua rotina e a oncologia torácica
viveu a catarse.
Com esse diapasão, IASLC-ATS-ERS, maestrinas interessadas no assunto, puseram
o vidro-fosco e o padrão lepídico numa mesma sinfonia e propuseram a nova
classificação da categoria T. Trouxeram à baila desenhos geométricos para se
recalcular o estadiamento. A inclusão destes elementos morfológicos, restritas
ao Adenocarcinoma, deu novo rumo ao tratamento cirúrgico, assim como ao
prognóstico.
O incessante rastreamento (do inglês screening)
em busca dos vidros-foscos tornou-se a maior fissura da atualidade, em que se
vislumbram melhores resultados para a cura do câncer pulmonar.
Porém uma próxima conquista tem pressa e
busca por tumores avançados. É bem provável que venha pelos filamentos
helicoidais da linguagem genética do EGFR, KRAS ou ALK, ou num
futuro ainda não encomendado... Mas deixemos a poeira desta peste passar.