“Vento que passas, leva-me contigo. Sou poeira também...”
Miguel Torga, poeta português.
"Viver é etecétera...", grifou Guimarães Rosa e, como o ponto final ainda não aportou em minha jangada de textos, sigo entre vírgulas e reticências a esperar a página em branco (ou cinza...) ganhar estampa. Desde então ando cavoucando coragem em cada ideia alvissareira em que me jogo, e me lanço ao desafio, tal como o pescador em sua jangada imbui-se da jornada ao mar.
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Consoante ao novo desafio, antes de iniciar a leitura, conheci os professores Oliveira Martins e Novo de
Matos, coordenadores do serviço. Mas um detalhe na sala de espera e de reuniões
me chamou atenção. Estava afixada à parede o anúncio da aula - que muito me
honrou -, e um quadro branco à meia altura da parede, com desenhos feitos à mão.
Não eram desenhos quaisquer, mas expressões da cirurgia com traços vivos de arte -
arte como pão e vinho diário para quem dela precisa.
Ao indagar a autoria, Martins levantou o dedo; abandonou
a sala... e voltou. Voltou com um livro na mão - um regalo. Ali continha alguns de seus
desenhos que costuma fazer após cada emboscada cirúrgica de urgência, agora transfigurado em
livro. "Cadernos de um cirurgião" é uma leitura de desenhos que se
debruça no cotidiano da arte cirúrgica, ora pela dedicação profissional, ora
pela causa acadêmica, conforme descreve o escritor Guilherme Martins:
"É um exercício em que várias artes se cruzam. A arte do médico tem o seu
próprio movimento, a sua concentração, o planeamento, a encenação, a liturgia,
o gesto, a aplicação certeira dos instrumentos de precisão, o bisturi com a sua
magia, tudo para que o resultado seja próximo da perfeição, que permita
recuperar a saúde e o bem-estar da pessoa que o cirurgião opera. Já de si a
palavra 'operar' é ambivalente - falamos de obra, de criação e de recriação.
Estamos na ligação entre a arte e a ciência. E, como dizia Rômulo de Carvalho,
que conhecemos a vida inteira como um outro Kant, por cujas rotinas podíamos
acertar os nossos relógios: 'não somos, em última análise, o método, o
processo, a forma e o modo. E se falo de encontro de várias artes, chego com a
ilustração destes 'Cadernos' - o desenho, como movimento, como gesto e como
representação."
No caminho de volta, a Avenida Liberdade me retoma o
pulso e, na clara ideia daquela artéria da cidade, tentei fazer valer todos os
caminhos por onde se busca viver eteceteramente.
2 comentários:
O que dizer? A arte e a ciência da cirurgia se entrelaçam nas mãos e na vida de muitos médicos. Questão de atitude, de princípio? O que nos faz artista no que fazemos? O amor à vida, ao bem, ao belo?
Talento, esforço, visão de mundo, disciplina firme, alma leve quando uma necessidade surge e somos convocados a agir...
Fico muito contente em saber das andanças deste menino acriano, de Tarauacá, que faz bonito pelo mundo, honrando a Amazônia,a família, os amigos,os pares. Salve, Roger!!
A arte salva...
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