Somos obrigados a tomar decisões
que costumo chamar de decisões de carne e osso.
Ali, à beira do leito, olhando para a expressão de sofrimento do
doente,
estamos expostos, contaminados pela emoção.
Marcio
Maranhão, em: Sob Pressão, 2014
Flanando pelos sebos cariocas, num roteiro que sempre gostei de fazer pelas cidades onde passo, encontrei SOB PRESSÃO, na Buarque de Macedo, Largo do Machado. Findei a leitura num fôlego só, aliás, durante um voo de cerca de três horas até Belém. Estupefato e taquicárdico, retornei ao início do livro e achei o telefone do autor em dedicatória ao amigo Ronaldo Gomes. Então, após aterrissagem, abandonei minha timidez e enviei uma mensagem ao autor, parabenizando-o pela obra, que a meu ver mereceria ser premiada - se é que já não foi.
Descobri que Marcio Maranhão é um cirurgião torácico,
também formado no Rio de Janeiro. Alguns dos personagens daquele livro eu
conheço: Carlos Alberto Guimarães, grande cirurgião desde os tempos de
minha passagem pelo Rio como residente e depois em congressos e UNIFESP; o Miraldi começando a carreira. Mas o que mais importa é que o livro
emociona. O tempero é apimentado em pitadas mais rascantes a provocar ciúmes a Atul Gawande,
Groopman, James Cole, Henry Marsh e outros consagrados médicos da literatura saxônica.
Sem deixar de fora a linguagem regional, a narrativa sobe os morros cariocas municiado das verdades que compõem o SUS surrealista, ao destripar a saúde pública brasileira com a destreza de um bom e titulado cirurgião. Quem o lê e viveu aquela atmosfera sente-se um personagem do livro, quiçá, o autor, dada sua realidade pruriginosa. Para que melhor me entendam, Maranhão se apoia tanto sobre o SUS quanto em sua biblioteca, ao visitar Nietzsche, Moacyr Scliar, Zuenir Ventura e outros mais. Viaja numa ambulância do SAMU com os vidros abertos e sirene em alerta, em busca de palavras e formas para descortinar o caos da medicina em sua “amplitude mais nefasta”, como retrata o autor.
Destarte, vivi a nítida impressão que o seriado da rede Globo tinha como fonte de inspiração aqueles relatos - e isso talvez já lhe seja um prêmio. Quando retornou a mensagem, Marcio me confirmou e, mais que isso, ficou intrigado com a forma que eu havia traçado o caminho para contar essa história.
Confesso que não assisti nenhum episódio televisivo,
mas deverei prestar mais atenção, enviesado por esse tique-taque narrativo,
agora em carga audiovisual.
Guardando devidas proporções, os caminhares literários do autor se transformam num imaginário bem visceral, que me fizeram relembrar o consagrado TROPA DE ELITE, uma película marcante na história do cinema brasileiro contemporâneo. Ao relatar tal fato a Jorane Castro, em conversa de corredor de hospital, a professora do curso de Cinema da Universidade Federal do Pará bate com a mão na mesa e diz: "é melhor que Tropa de Elite".
Então, para finalizar, mandei na postagem mensagem um pequeno
texto do poeta francês Paul Valéry, que também achei no mesmo sebo: "Belo instante, sacada do tempo. Tu sustentas
por meio de um homem [narrador] um olhar de universo, uma parcela daquilo que
existe contra toda coisa. Respiro em ti uma potência indefinível, tal como a
potência que há no ar antes da tempestade".
Pedi ao escritor que não se esqueça de agradecer a Ronaldo
Gomes por tamanha generosidade...
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