sábado, 7 de dezembro de 2024

A Amazônia que se mata e desmata


Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir...

Chico Buarque, na canção: “Construção”


Domingo, ao descer até o bicicletário do prédio onde moro, percebi algo estranho no ar. Enquanto preparava a magrela pra dar um rolê, um odor desagradável ampliava. Foram uns 15 minutos. Resolvi olhar para o fundo da garagem. Havia um carro de luxo ligado, todo fechado, ao fundo. Ou seja, eu estava inalando monóxido de carbono. Com a garagem fechada, o ar que saía pela chaminé daquele carro não era varrido pelo vento e a tendência era acúmulo - efeito estufa.

O monóxido de carbono (CO) é gás produzido na queima de material combustível rico em carbono, conforme descreve Peter Atkins, autor de “Princípios de Química: Questionando a Vida Moderna e o Meio Ambiente”. Reitera: “gás asfixiante muito tóxico e, dependendo do tempo de exposição e da quantidade inalada, pode levar à morte.”

Não obstante, parti para um retiro familiar em Alter-do-Chão, meados de novembro. O vilarejo dista 40km de Santarém. Era para aproveitar o feriado. Era. Ao descer do avião havia uma cortina de fumaça que ofuscava a visibilidade do horizonte.  Assim foi todo aquele feriado, cuja fumaça embaçava a outra margem do lago verde. Resultado: ao retornar a Belém, a esposa desencadeia crise asmática. Fomos parar no pronto-socorro com seus brônquios chiando. Foram duas semanas em uso de bombinha, além de dor de cabeça estonteante, que nos assustou. Não é quadro de fácil reversão. O uso de corticóides em altas doses faz-se necessária, conforme relatos de emergencistas.

Erik Jennings, virtuoso neurocirurgião santareno e ativista ecológico, lançou um vídeo nas redes sociais enfatizando a questão e os riscos para a saúde pulmonar aos que visitavam a pérola do Tapajós por aqueles dias. Semana seguinte o ar piorou, e Santarém tornara-se a segunda cidade mais poluída do mundo.  A própria Universidade Federal do Oeste do Pará relata que foram mais de 6.000 atendimentos nos serviços de saúde entre setembro e novembro de 2024, sendo as dificuldade respiratória a mais prevalente, sem falar do fumacê nos olhos.

Mulher Borari
É fato que, com o passar do tempo, a visão da paisagem singular da Amazônia estará cada vez mais estranha, se comparada àquela infância às margens dos rios Envira e Machado, onde me criei. Vi-me estranho à terra de minha mãe e dos boraris.
Ponta do Cururu

Ainda há o espírito da floresta em cada nó de nós, mas há perigos e pontes em direção ao extermínio. Isso nos assusta. Na Amazônia do Jennings - e também da minha mãe partejada no Lago Preto – vê-se que estamos cercados pela mídia, porém indefesos diante do que representamos para a grande aldeia mundial. Há uma sensação estranha por essas bandas. O Muiraquitã, famoso amuleto tapajônico, está mais acocorado que nunca, a espera de saltar para o Arapiuns, sua ultima fronteira.

Não sabia como abordar aquele cidadão, ao fundo da garagem. Ameacei dirigir-me até o carro. Vi-me planta, vi-me árvore, vi-me aquele Bugio-ruivo rosnando impiedosamente sobre a lataria de um trator queimando diesel. Tentei ser pássaro debaixo daquela fumaça que poluía o bicicletário. Abri e fechei meus brônquios várias vezes, sem respirar. Imaginei palavras, gestos... estupidezes. A dois passos da chegada recuei. Ouvi instintivamente a frase que minha cadela Brisa recita com os olhos, quando saio de casa: “vá, mas volte”. Então desapareci com minha magrela.

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