Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir...
Chico Buarque,
na canção: “Construção”
Domingo,
ao descer até o bicicletário do prédio onde moro, percebi algo estranho no ar.
Enquanto preparava a magrela pra dar um rolê, um odor desagradável ampliava. Foram
uns 15 minutos. Resolvi olhar para o fundo da garagem. Havia um carro de luxo ligado,
todo fechado, ao fundo. Ou seja, eu estava inalando monóxido de carbono. Com
a garagem fechada, o ar que saía pela chaminé daquele carro não era varrido
pelo vento e a tendência era acúmulo - efeito estufa.
O monóxido de carbono (CO) é gás produzido na queima de material combustível
rico em carbono, conforme descreve Peter Atkins, autor de “Princípios de Química: Questionando a Vida Moderna e o
Meio Ambiente”. Reitera: “gás asfixiante muito tóxico e, dependendo do tempo de
exposição e da quantidade inalada, pode levar à morte.”
Não obstante, parti para um retiro familiar em Alter-do-Chão, meados de novembro. O vilarejo dista 40km
de Santarém. Era para aproveitar o feriado. Era. Ao descer do avião havia
uma cortina de fumaça que ofuscava a visibilidade do horizonte. Assim foi todo aquele feriado, cuja fumaça
embaçava a outra margem do lago verde. Resultado: ao retornar a Belém, a
esposa desencadeia crise asmática. Fomos parar no pronto-socorro com seus brônquios
chiando. Foram duas semanas em uso de bombinha, além de dor de cabeça
estonteante, que nos assustou. Não é quadro de fácil reversão. O uso de corticóides
em altas doses faz-se necessária, conforme relatos de emergencistas.
Erik Jennings, virtuoso neurocirurgião santareno e ativista
ecológico, lançou um vídeo nas redes sociais enfatizando a questão e os riscos
para a saúde pulmonar aos que visitavam a pérola do Tapajós por aqueles dias.
Semana seguinte o ar piorou, e Santarém tornara-se a segunda cidade mais
poluída do mundo. A própria Universidade
Federal do Oeste do Pará relata que foram mais de 6.000 atendimentos nos serviços de
saúde entre setembro e novembro de 2024, sendo as dificuldade respiratória a
mais prevalente, sem falar do fumacê nos olhos.
Mulher Borari |
Ponta do Cururu |
Ainda
há o espírito da floresta em cada nó de nós, mas há perigos e pontes em direção
ao extermínio. Isso nos assusta. Na Amazônia do Jennings - e também da minha mãe
partejada no Lago Preto – vê-se que estamos cercados pela mídia, porém indefesos diante do que
representamos para a grande aldeia mundial. Há uma sensação estranha por essas bandas. O Muiraquitã, famoso amuleto tapajônico, está mais acocorado que nunca, a espera
de saltar para o Arapiuns, sua ultima fronteira.
Não sabia como abordar aquele cidadão, ao fundo da garagem. Ameacei dirigir-me até o carro. Vi-me planta, vi-me árvore, vi-me aquele Bugio-ruivo rosnando impiedosamente sobre a lataria de um trator queimando diesel. Tentei ser pássaro debaixo daquela fumaça que poluía o bicicletário. Abri e fechei meus brônquios várias vezes, sem respirar. Imaginei palavras, gestos... estupidezes. A dois passos da chegada recuei. Ouvi instintivamente a frase que minha cadela Brisa recita com os olhos, quando saio de casa: “vá, mas volte”. Então desapareci com minha magrela.
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